Edição nº 619

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 16 de março de 2015 a 22 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 619

Próteses atenuam depressão
de idosas com perda auditiva

Pesquisa aponta que homens têm mais dificuldades em expor queixas

A fonoaudióloga Virginia Chaves Paiva de Queiroz, autora da dissertação

As mulheres idosas que estão perdendo a sua audição apresentam mais sintomas depressivos do que os homens. Foi o que apontou estudo de mestrado realizado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Elas alegavam que a vida estava vazia, sentiam-se frequentemente aborrecidas, sem energia e sem esperança. Por outro lado, a pesquisa mostrou que, após adquirirem próteses auditivas, percebeu-se uma mudança na sua maneira de encarar a vida. “Com esses dispositivos, essas mulheres não tiveram mais queixas de origem depressiva”, concluiu a fonoaudióloga Virgínia Chaves Paiva de Queiroz, autora da dissertação.

O trabalho foi desenvolvido no Hospital de Clínicas (HC) com 40 idosos de ambos os sexos, com idade superior a 65 anos, atendidos no Ambulatório de Saúde Auditiva e no Ambulatório de Otorrinogeriatria. A investigação ocorreu entre 2011 e 2014 dentro do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia.

Segundo Virgínia, a renda mensal, a faixa etária, a escolaridade e o grau de perda auditiva não influenciaram os sintomas depressivos, apesar de os pacientes avaliados em geral terem renda mensal inferior a dois salários mínimos, mais que 65 anos e baixa escolaridade (muitos analfabetos). “Vimos que o uso das próteses auditivas eliminou os sintomas depressivos presentes no sexo feminino [as queixas apareceram apenas antes do uso das próteses], e portanto a ideia é indicá-las sempre que necessário. De outra via, a pesquisa sinalizou que os homens demonstravam muita dificuldade em expressar seus sentimentos.”

O projeto de Virgínia, orientado pelo docente da FCM Eros de Almeida e coorientado pelo professor Reinaldo Gusmão, avaliou sintomas depressivos em idosos que eram deficientes auditivos e os benefícios do uso das próteses. A mestranda se ateve aos pacientes com presbiacusia, aqueles que tinham perda auditiva relacionada à idade, consequente ao efeito cumulativo do envelhecimento. “Esta é uma perda simétrica progressiva e bilateral”, definiu.

De acordo com a fonoaudióloga, em iniciativa pioneira, o SUS tem contemplado idosos que necessitam de próteses auditivas. Em sua opinião, este sistema tem funcionado bem e tem atingido pessoas que de outra forma não poderiam adquiri-las. “As próteses auditivas são anatômicas e não incomodam”.

 

Próteses

Virgínia fez levantamento de prontuários e recrutou pacientes consoante aos critérios de inclusão do estudo, sendo o principal deles a presbiacusia. Este recrutamento coincidia com a data da consulta no Ambulatório de Saúde Auditiva. “Eles já tinham passado pelo Ambulatório de Otorrinolaringologia, por avaliação audiológica e clínica, e eram candidatos ao uso de aparelhos auditivos. Então eu os selecionava e, nesse dia, explicava-lhes sobre o trabalho.”

Os pacientes respondiam a um questionário. Tratava-se de uma escala de depressão geriátrica (GDS), um instrumento de rastreio e anamnese muito utilizado de rotina no Ambulatório de Geriatria da Unicamp e em outros serviços de referência. A autora optou pela GDS 15 (escala com 15 perguntas), por ser a escala mais sensível para esse tipo de idosos, mais fácil de entender e mais rápida.

As respostas eram do tipo sim ou não. Algumas das perguntas eram “está satisfeito com a vida?”, “acha que outras pessoas são mais felizes que você?”, “acha bom estar vivo?”, “sente-se inútil?”, “sente-se sem esperança?”

Virgínia ressalva que essa escala não avalia satisfação quanto ao uso do aparelho auditivo. Mostra um escore de 0 a 5 que não pontua sintomas depressivos e de 6 a 15 que pontua sintomas depressivos.

No trabalho, num primeiro momento, quem pontuou mais sintomas depressivos foram as mulheres. Isso aconteceu na primeira vez em que foi aplicado o questionário. Inclusive a bibliografia já apontava isso.

A autora notou que os homens não faziam comentários. Respondiam automaticamente sim ou não. Já as mulheres, essas sim conseguiam relatar detalhes. “Diziam quando não estavam satisfeitas com a vida e falavam de seus problemas de modo espontâneo”, percebeu.

Uma das poucas queixas dos homens é que moravam com filhos que trabalhavam o dia todo. Ficavam sozinhos. Tinham medo de que algo de ruim lhes acontecesse. Permaneciam longas horas na frente da televisão. “Esse quadro pode inclusive levar ao isolamento social, mas reflete a realidade brasileira”, expôs.

 

Sistemática

Os pacientes assinavam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes de responderem às questões. A seguir, recebiam as próteses auditivas, que no mercado em geral custam algo em torno de R$ 2 mil.

Esses aparelhos são de diferentes procedências (dinamarquesa, suíça ou americana), são 100% digitais, automáticos e têm um programa que gerencia situações como por exemplo falar no silêncio, falar no ruído, com música, para telefone. “São processadores digitais de sinais sonoros.”

A prótese auditiva, informou, é um dispositivo eletrônico que auxilia na audição. É recomendada pelo otorrinolaringologista e somente esse profissional poderá avaliar cada caso: se cirúrgico, medicamentoso ou prótese auditiva.

A literatura sugere que a perda auditiva acontece a partir dos 40 anos, mas é mais esperada após os 50 anos, quando o paciente verifica uma diminuição da sua audição, de modo mais significativo, comprometendo sobretudo as frequências mais agudas. 

No estudo, não fazia parte dos critérios de inclusão o fato de a pessoa estar exposta a ruídos. “Se o avaliado mencionasse que havia trabalhado 30 anos numa tecelagem, estava automaticamente excluído”, esclareceu.

Virgínia aplicou a GDS antes do uso das próteses e quatro meses depois dos pacientes as receberem. É que o cérebro necessita de quatro meses de adaptação, passando pelas etapas de perda auditiva, próteses auditivas, período de aclimatização, atendimento longitudinal e treinamento auditivo. “Na verdade, o cérebro terá que se reprogramar para escutar com a amplificação do aparelho auditivo.”

Todas essas etapas precisam ser cumpridas, afirmou a pesquisadora. Mas acontece que alguns pacientes que adquiriram o aparelho vão para a casa e nunca mais voltam à consulta. Acabam abandonando o dispositivo, principalmente aquele idoso que já tem cinco a dez anos de perda auditiva.

 

Tema

A abordagem da presbiacusia na dissertação serviu para coroar os 26 anos de trabalho de Virginia como profissional da área. Graduada em Fonoaudiologia pela PUC-Campinas em 1988, ela frisou que desde o quarto ano da graduação fazia estágio em centro auditivo e que continuou nessa linha.

Desde essa época, relatou, já tinha a impressão de que aqueles pacientes com mais tempo de perda auditiva eram mais queixosos em relação à solidão. “A pessoa se torna de fato mais isolada e prefere ficar no refúgio do lar”, sublinhou.

A presbiacusia prejudica as frequências agudas (de 1.000, 2.000, 3.000 a 4.000 hertz) da audição, porque ela ocorre justamente na base da cóclea. Com o envelhecimento, as células ciliadas da cóclea também se desgastam, desaparecem. Para elas, que são geradas e nascem num período embrionário, não há tratamento cirúrgico. “Em seres humanos, as células não se regeneram. Apenas em alguns animais”, mencionou. 

Na entrada da cóclea, ficam os receptores dos sons agudos. São estes os primeiros sons que o idoso com presbiacusia perde. Até ouvem, porém não os entendem. “As pessoas falam vaca e ele entende faca. É que o ‘f’ e o ‘v’ são fonemas muito parecidos, embora diferentes pela sonoridade, mas o ponto de articulação é o mesmo”, explicou.

Na perda auditiva induzida por ruído, as pessoas também perdem frequências agudas. Contudo, em geral, são um pouco mais jovens e a patologia pode ter outra origem, inclusive pela constante exposição aos ruídos, por anos a fio.

O estudo da fonoaudióloga faz um alerta e serve para orientar os profissionais da saúde a insistirem na importância das próteses auditivas, quando bem-indicadas. “O paciente tem que receber um bom suporte para não abandonar o aparelho. O presente estudo colabora para mostrar essa necessidade, lembrando que a perda auditiva pode conduzir ao isolamento social.” Seu uso somente trará benefícios e com certeza melhorará a qualidade de vida dos idosos. A despeito de não avaliar esse parâmetro na sua dissertação – a qualidade de vida –, Virgínia realçou que com certeza as próteses podem trazer melhor qualidade de vida ao usuário. “A pessoa se torna mais confiante ao ouvir melhor”, garantiu.

No estudo, os pacientes tiveram perda auditiva binaural (nos dois ouvidos). Na literatura, Virgínia encontrou apenas um estudo sobre o tema, porém cujos pacientes não eram somente idosos. “Esse nosso trabalho certamente deve servir para orientar os profissionais das áreas de Geriatria e de Otorrinolaringologia”, acredita.

 

Publicação

Dissertação: “Sintomatologias depressivas em idosos com perda auditiva e os benefícios do uso de prótese auditiva”

Autora: Virginia Chaves Paiva de Queiroz

Orientador: Eros de Almeida

Coorientador: Reinaldo Gusmão

Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

Comentários

Comentário: 

Boa noite sou paciente da Virginia a mais de 10 anos e me sinto muito bem ao retornar nas consultas pois ela me da uma garantia atenção e compreenção nas minhas reclamções, Parabens Virginia pelo seu trabalho.

att

Elviro

efsantos@ablbrasil.com.br