Edição nº 612

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 31 de outubro de 2014 a 09 de novembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 612

Técnicas cirúrgicas resultam em cotos que melhoram qualidade de vida de amputado

Procedimentos pioneiros no país têm permitido, a pacientes, protetização mais fácil, rápida e barata

Duas pesquisas de doutorado defendidas recentemente na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp relatam o desenvolvimento de técnicas pioneiras no Brasil que têm permitido a preservação, em pacientes amputados, de cotos mais funcionais e de alto desempenho. Os procedimentos utilizam técnicas cirúrgicas elaboradas para otimizar a parte do membro resultante da amputação. Direcionados a membros inferiores, os métodos vêm sendo aplicados com êxito em pacientes do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, sob a coordenação do cirurgião ortopedista Bruno Livani, docente colaborador do Programa de Pós-Graduação da FCM e orientador das pesquisas.

Os resultados, conforme o médico da Unicamp, são cotos “desenhados” sob medida, mais fortes e resistentes ao teste do tempo, não havendo a necessidade de múltiplos procedimentos cirúrgicos para correções de próteses. A técnica também tem permitido aos pacientes cotos com capacidades de apoio terminal sem dor, protetização mais fácil, rápida e barata, além de resultados funcionais superiores aos métodos convencionais.

“Hoje podemos considerar que, em termos de técnica cirúrgica aplicada à amputação, a Unicamp está num patamar internacional, ocupando posição de vanguarda nesta área. O que nos limita - na verdade, isso não é um limite da Unicamp, mas um limite do país - é a questão da protetização dos pacientes mais carentes, ainda por conta dos custos elevados”, analisa Bruno Livani.

O êxito e pioneirismo na área se devem, de acordo com ele, ao fato de os procedimentos desenvolvidos na Unicamp considerarem a amputação como uma técnica cirúrgica elaborada, permitindo evolução e qualidade de vida dos pacientes. A amputação, tradicionalmente vista como um procedimento de mutilação, passa a ser considerada como uma técnica de reconstrução, compara.

“A amputação em geral é considerada como um procedimento de fracasso. Parte dos ortopedistas considera que, quando nada deu certo, parte-se para a amputação. E muitas vezes, não é dada a devida atenção para este procedimento. Um exemplo é que ela fica sob responsabilidade de médicos menos experientes. Não raro, a amputação é feita por residentes. E, às vezes, um residente aprendendo com outro residente mais velho. O resultado são cotos de baixa qualidade, o que compromete toda a qualidade de vida destes pacientes ao longo da sua evolução”, expõe Bruno Livani. 

 

Doutorados

Os estudos que relatam as novas técnicas foram desenvolvidos pelo fisioterapeuta José André Carvalho e pelo cirurgião ortopédico Maurício Leal Dias Mongon, ambos orientados por Bruno Livani. As pesquisas contaram com a participação do ortopedista e docente da Unicamp Willian Dias Belangero, coordenador da graduação de Ortopedia e Traumatologia da FCM; e do especialista Michael Davitt, responsável pela Unidade de Órtese e Prótese do HC.

O orientador dos trabalhos explica que, em uma técnica convencional utilizada para a amputação, após o corte do membro, o fechamento da musculatura e da pele é feito diretamente nas extremidades ósseas. “Ao longo do tempo, isso faz com que esta camada de revestimento de partes moles fique um pouco mais solta e muitas vezes a ponta deste osso começa a crescer e formar espículas ósseas. Isso requer várias revisões cirúrgicas ao longo dos anos.” 

As cirurgias de adequação são típicas em crianças e jovens, que a cada dois anos têm que ser submetidos a este tipo de procedimento, acrescenta. “Temos trabalhado num revestimento ósseo na ponta do coto. São várias técnicas, por meio das quais fazemos o corte do membro, mas preservando uma parte de osso nutrida, com vaso e pele junto, e fixamos na ponta, de forma que esse osso consolide. Portanto, não há mais essa questão de mobilidade do osso, ele fica consolidado na parte distal e não há mais a formação de espículas, evitando os múltiplos procedimentos secundários”, revela.

Além disso, conforme o ortopedista, nas amputações clássicas, o indivíduo não consegue apoiar na ponta do coto porque ele tem dor residual. “Isso torna necessário a elaboração de próteses com descargas em outros pontos. Neste tipo de amputação que nós fazemos, as próteses permitem o apoio terminal porque o paciente faz de forma indolor.”

Bruno Livani informa ainda que a escolha do nível de amputação funcional deve ser discutida amplamente para que a intervenção cirúrgica seja única e os melhores resultados sejam alcançados com a reabilitação e protetização. Entre as técnicas cirúrgicas específicas que apresentam vantagens fisiológicas em relação aos procedimentos clássicos, estão a osteomioplastia, ou ponte óssea, e a fusão do calcâneo à tíbia e amputações transtibiais curtas, permitindo a preservação da articulação do joelho.

Embora possam ser aplicadas em qualquer tipo de paciente, as técnicas apresentam melhores resultados em crianças, adultos jovens, atletas de alto rendimento e militares. “Eles obtêm um maior benefício porque é um coto de maior endurance”, pontua o médico.  

Os resultados das teses defendidas por José André Carvalho e Maurício Leal Dias Mongon foram publicados nos periódicos internacionais Prosthetics and Orthotics International, Strategies in Trauma and Limb Reconstruction e Journal of Reconstructive Microsurgery, todos com indexação Pubmed. As teses são intituladas, respectivamente, “Vantagens na protetização de amputados transtibiais submetidos a técnicas cirúrgicas não convencionais e “Retalho osteoperiosteal pediculado para amputações tibiais: descrição de técnica e apresentação de nove casos”. Os trabalhos contaram com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

 

Ocorrências 

Conforme os estudos, as amputações podem ocorrer por diversas causas, como doenças vasculares e neuropáticas, doenças tumorais, traumas, infecções e má formação das extremidades. Entre as doenças neuropáticas, o diabetes ainda é o responsável pelo maior numero de amputação dos membros inferiores no mundo.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que ocorram duas amputações por minuto relacionadas a diabetes e que no ano de 2025 haverá mais de 350 milhões de portadores da doença. Destes, pelo menos 25% vão ter algum tipo de comprometimento significativo nos seus pés. Atualmente, com o número crescente de diabéticos, a amputação causada pela neuropatia diabética passou também a acometer pessoas mais jovens com 30 ou 40 anos de vida.

As doenças vasculares com obstrução arterial também são responsáveis por grande número de amputações acometendo pessoas com faixa etária mais elevada. Já os tumores são a segunda causa de amputação de membros inferiores em crianças, ficando atrás das amputações congênitas. Os traumas por acidentes, sobretudo envolvendo jovens motociclistas, também respondem por grande parte das amputações.

“A amputação não é o fim da vida de um indivíduo. Ela pode, inclusive, representar o começo de uma nova etapa. Muitos dos nossos pacientes eram, antes do trauma, indivíduos sedentários, que apresentavam algum tipo de vício. Depois da amputação, encontraram uma nova motivação. Alguns, inclusive, fazem atividades esportivas adaptadas e paraolímpicas. Portanto, tudo depende de como o indivíduo encara isso. Cabe ao médico proporcionar o máximo de desempenho possível para esse indivíduo porque é muito difícil fazer uma reoperação. A amputação primária é a maior chance que o paciente tem de se reintegrar a sociedade.”

 

Publicações

Cortical tibial osteoperiosteal flap technique to achieve bony bridge in transtibial amputation: experience in nine adult patients. Mongon ML, Piva FA, Mistro Neto S, Carvalho JA, Belangero WD, Livani B. Strategies Trauma Limb Reconstr. 2013 Apr;8(1):37-42. doi: 10.1007/s11751-013-0152-0. Epub 2013 Jan 31.

A case series featuring extremely short below-knee stumps. Carvalho JA, Mongon MD, Belangero WD, Livani B. Prosthet Orthot Int. 2012 Jun;36(2):236-8. doi: 10.1177/0309364611430535. Epub 2011 Dec 14.

Sensate composite calcaneal flap in leg amputation: a full terminal weight-bearing surface-experience in eight adult patients. Livani B, Castro G, Filho JR, Morgatho TR, Mongon ML, Belangero WD, Davitt M, Carvalho JA. Strategies Trauma Limb Reconstr. 2011 Aug;6(2):91-6. doi: 10.1007/s11751-011-0118-z. Epub 2011 Jul 26.

Pedicled sensate composite calcaneal flap to achieve full weight-bearing surface in midshaft leg amputations: case report. Livani B, de Castro GF, Filho JR, Belangero WD, Ramos TM, Mongon M. J Reconstr Microsurg. 2011 Jan;27(1):63-6. doi: 10.1055/s-0030-1267831. Epub 2010 Oct 13.

 

Teses

Título: “Vantagens na protetização de amputados transtibiais submetidos a técnicas cirúrgicas não convencionais”
Autor: José André Carvalho
Orientador: Bruno Livani
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

Título: “Retalho osteoperiosteal pediculado para amputações tibiais: descrição de técnica e apresentação de nove casos”
Autor: Maurício Leal Dias Mongon
Orientador: Bruno Livani
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)