Edição nº 580

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 21 de outubro de 2013 a 27 de outubro de 2013 – ANO 2013 – Nº 580

Técnica obtém reaproveitamento
de ferramentas que viram sucata

Bedames são utilizados para corte de buchas constituídas de ferro fundido

Pesquisa desenvolveu alternativa para reaproveitamento de bedames, assim chamadas as ferramentas utilizadas na usinagem de peças e que, depois da vida útil, viram sucata. O trabalho se ateve mais especificamente ao desenvolvimento de projeto economicamente viável de reaproveitamento de bedames utilizados para corte de buchas constituídas de ferro fundido nodular. O bedame estudado é utilizado para o corte necessário para separar a bucha pronta da extremidade que a prende ao torno. A pesquisa, que deu origem à dissertação sobre o reaproveitamento de bedames intercambiáveis, foi orientada pelo professor Amauri Hassui, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, e realizada por Márcio Alexandre Gonçalves Machado na indústria metalúrgica BGL Ltda., em que atuava como gerente de usinagem.

Sabe-se que atualmente a competitividade das empresas traz riscos de sobrevivência. Uma forma de enfrentá-los é diminuir custos de produção, busca que se torna um desafio constante nas indústrias, já que envolve tanto os processos de fabricação quanto a escolha dos materiais utilizados. Em relação aos processos, um fator que tem peso direto na redução de custos é o desenvolvimento de melhores ferramentas de corte, de maneira a diminuir o tempo do processo de produção e espaçar as paradas de máquinas com a utilização de ferramentas com vidas mais longas.

Por sua vez, os materiais também assumem importância na composição dos custos. Esse parâmetro tem ampliado o emprego dos ferros fundidos entres os materiais usados nas indústrias metal-mecânicas porque, com ponto de fusão inferior ao dos aços, consomem menos energia de fabricação. Além disso, as exigências das legislações ambientais em relação à redução das emissões de gases têm levado à seleção de materiais mais leves e determinado a crescente utilização de ferros fundidos na manufatura. Assim é que os ferros fundidos cinzento e nodular respondem por aproximadamente 67% dos produtos fundidos no mundo. Por seu lado, o ferro fundido nodular apresenta melhores propriedades mecânicas que o ferro fundido cinzento e o tem substituído em muitas aplicações. 

Nos processos de usinagem são utilizadas as mesmas ferramentas para os ferros fundidos nodulares e cinzentos, porém o primeiro é um material dúctil, diferente do segundo, que é frágil. Isso implica em um comportamento diferente na usinagem, evidenciando que cabe neste caso, uma melhor adequação das ferramentas de corte. Diante deste quadro, Marcio Alexandre realizou um estudo sobre a viabilidade do reaproveitamento de um modelo de pastilha intercambiável para utilização específica no corte de buchas de ferro fundido nodular. Paralelamente, ele avaliou a influência da velocidade de corte, do avanço e da concentração do fluido de corte na vida dos bedames.

 

Processo

Embora verdadeira, a constatação de que estão subjacentes nas preocupações da indústria os aspectos tecnológicos e de desenvolvimento, também não há duvidas de que no fundo o que se espera de seus tecnólogos e engenheiros é a redução de custos de produção, lembra o pesquisador.

Em vista desta constatação, o objetivo primeiro do estudo desenvolvido por ele foi especificamente a redução de custos na indústria metalúrgica em que trabalhava e que confecciona buchas e acessórios para rolamentos. São peças standards, de dimensões padrões, que constam dos catálogos, e intercambiáveis, a exemplo de porcas e parafusos. 

Na indústria em que a pesquisa foi desenvolvida os bedames utilizados, que são ferramentas de corte, têm uma participação alta no custo das buchas produzidas, razão porque sobre eles se concentrou o estudo. Constituem ferramentas de alta tecnologia, altamente consumíveis, fabricadas por empresas multinacionais e normalmente não reutilizáveis depois do desgaste de seus dois bicos. E são as mais caras nesse processo de produção.

O que ele se propôs na pesquisa foi exatamente a recuperação dos dois bicos para reutilização da ferramenta que seria enviada para sucata, o que além de gerar economia, contribui para preservação do meio ambiente e das jazidas de titânio, tungstênio e tântalo, elementos utilizados na sua constituição.

Marcio Alexandre lembra que a ideia do reaproveitamento da ferramenta surgiu com a observação do que se faz com brocas que, depois de desgastadas, recebem afiação que lhes garante ainda certo tempo de uso. Essa ideia e a pressão da indústria pela redução de custos o levaram, como gerente de usinagem, a procurar caminhos mais econômicos. Propôs-se, então a estudar o problema através do mestrado na expectativa de chegar a bons resultados.

Vencida a vida útil de uma ferramenta, o pesquisador considerou quatro tipos de geometrias de afiações visando escolher o modelo que oferecesse melhor resultado na sua recuperação. Ao (re)afiá-la retirou as superfícies desgastadas e aplicou quatro tipos de revestimentos adequados ao aumento da vida útil e comparou a eficiência destes bedames restaurados com os novos.

A principal condição esperada era a de que os bedames afiados não deveriam interferir no processo de usinagem, ou seja, tanto as condições de corte como a vida da ferramenta deveriam ser mantidas ou melhoradas quando comparadas às ferramentas novas. Além disso, os custos das operações relacionadas à afiação e ao revestimento deveriam compensar a substituição pelas ferramentas novas. Os resultados mostraram a viabilidade econômica da afiação dos bedames, que possibilitaram uma economia de cerca de 20% nos gastos mensais da empresa com ferramentas de corte.

 

Pulo do gato

Para Marcio Alexandre o pulo do gato foi descobrir a adequação da melhor afiação em relação ao material que seria trabalhado, o ferro fundido nodular. Tanto a afiação como o revestimento foram realizados com base no material a ser usinado. “Levamos em conta as propriedades intrínsecas do material, de forma a moldar a afiação às suas características. Isso foi feito inclusive em relação ao revestimento e conseguimos até maior eficiência fugindo do revestimento mais caro, empregado originalmente na ferramenta”, conta ele. Um dos artigos que teve oportunidade de consultar, durante o desenvolvimento da dissertação, chamou a sua atenção para o fato da afiação ser muito pouco explorada para aumentar a vida útil de ferramentas de corte. Ele procurou então explorar as variáveis envolvendo afiação, características do material usinado, tipos de revestimentos, preocupação com a redução de custos e cuidados com a preservação e agressão ao meio ambiente.

Em relação ao ferro fundido, nodular a ferramenta recuperada superou em 100% a vida útil da ferramenta nova. Enquanto esta durava meio dia de trabalho contínuo, aquela superou um dia e chegou a ser utilizada até por um dia e meio.

Márcio Alexandre lembra que a ideia inicial não parecia factível, pois as empresas especializadas, que fabricam as ferramentas, recomendam seu descarte depois de vencida a vida útil. Para ele, o resultado alcançado mostra que sempre existem saídas, basta procurá-las. A propósito, ele conta que iniciou as pesquisas dentro da empresa sob orientação do professor Amauri Hassui e o projeto foi evoluindo à medida que surgiam bons resultados: “Já na primeira afiação, sem critérios ainda bem definidos, conseguimos uma vida de 60% em relação a uma ferramenta nova, mesmo não utilizando revestimento. Depois, com base nos conhecimentos advindos do mestrado e com o emprego de revestimentos, atingimos resultados ótimos, que levaram a empresa a conseguir substancial economia na produção”.

A vivência deste processo o leva a considerar que a questão da redução de custos envolve uma busca que precisa ser constante, pois mesmo quando se pensa ter chegado ao limite é possível descobrir brechas que permitem avanços.

A afiação de ferramentas é processo muito antigo, embora pouco utilizado em pastilhas intercambiáveis, e mesmo quando empregada o é de formas não recomendadas pelos fabricantes, o que pode originar problemas durante a usinagem. A utilização de critérios objetivos, como o estudo dos tipos de desgaste, utilizando microscópio de varredura e conhecimento teórico, possibilita inclusive criar uma metodologia para afiação de ferramentas, segundo ele.

 

Contribuições

Marcio Alexandre destaca a contribuição da empresa, em que era gerente de usinagem, que o apoiou integralmente no desenvolvimento do projeto e na realização do mestrado na Unicamp, liberando-o do trabalho durante um dia da semana. “Nunca tive restrição nenhuma para prosseguir com o mestrado e só recebi incentivo da empresa”, enfatiza.

Para ele o desenvolvimento do estudo não teria sido possível no chão de fábrica, em que não se encontra tempo para pensar, pois os técnicos e engenheiros são muito cobrados em termos de resultados. No seu caso, o trabalho de pesquisa foi evoluindo dentro do processo: “Você é obrigado a parar, estudar, pesquisar, procurar entender o que está acontecendo, o que na indústria em geral é visto como desnecessário, como enrolação. Entendo que o tempo para pensar facilita a chegada a resultados palpáveis. Na correria do dia a dia não se consegue explorar um problema e já se está partido para outro. A empresa me deu espaço para contornar essas dificuldades”.

Em relação à universidade o pesquisador defende a necessidade de que ela esteja bem próxima do que acontece no mundo real. Julga que as informações que recebeu no mestrado serviram para somar na busca dos melhores resultados e que neste aspecto a universidade tem papel bastante importante no desenvolvimento industrial. Ele acredita que o conhecimento adquirido é importante desde que bem direcionado e aproveitado: “Meu trabalho não teria sido viável sem o conhecimento teórico que adquiri durante o mestrado e sem minha prática profissional. O desenvolvimento se dá com a junção da experiência prática e do conhecimento teórico. Entendo que nenhum dos dois sozinhos permitiria chegar aonde chegamos. Além do que na academia o pesquisador tem acesso ao conhecimento teórico e aprende a desenvolver uma metodologia de trabalho”.

 

Publicação

Dissertação: “Reaproveitamento de bedames intercambiáveis”
Autor: Márcio Alexandre Gonçalves Machado
Orientador: Amauri Hassui
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)