Edição nº 562

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 20 de maio de 2013 a 03 de junho de 2013 – ANO 2013 – Nº 562

Alçando altos voos

Pesquisa mostra como, ao enfrentar “duopólio”, Azul recolocou Viracopos no mapa

A Azul Linhas Aéreas iniciou suas atividades em dezembro de 2008, tendo Viracopos como base operacional. Em apenas quatro anos, o movimento no aeroporto de Campinas saltou de 1 milhão para 8,8 milhões de passageiros (ou de 1% para 5% do total de passageiros domésticos brasileiros). No mesmo período, o número de operações (pousos e decolagens) comerciais de passageiros em Viracopos aumentou de 24 mil para 106 mil (de 1,2% para 3,8% dos movimentos da rede Infraero, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária).

Esses resultados fazem parte da pesquisa de doutorado de Humberto Filipe de Andrade Januário Bettini, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, com a orientação do professor José Maria Ferreira Jardim da Silveira. Na tese, o autor procura compreender o papel que Viracopos está ocupando no cenário nacional, especialmente em comparação com os dois aeroportos de São Paulo. Ele também faz uma leitura das estratégias da Azul para ingressar no mercado de transporte aéreo brasileiro, que ao longo da década de 2000 foi sendo dominado pelas empresas Gol e TAM, configurando o que se rotulou de “virtual duopólio”.

“A entrada da Azul neste cenário foi um fato novo, e acompanhá-lo em tempo real foi um privilégio”, afirma Humberto Bettini. “Economistas possuem uma veia histórica apurada, sendo muito comum que se debrucem sobre fatos do passado. Outros se atrevem a prever o futuro, mas geralmente se dão mal. O tempo presente é relativamente menos explorado por economistas. Acompanhar uma empresa desde a sua fundação foi um aspecto interessante e distinto do usual.”

Um fato curioso destacado pelo pesquisador é que Viracopos, na verdade, não era a primeira opção da Azul, que planejava iniciar as operações no aeroporto Santos Dumont, do Rio de Janeiro. “A empresa esbarrou na medida regulatória da Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] que impedia a partida de aeronaves a jato daquele aeroporto para qualquer destino, fazendo uma única exceção para São Paulo.”

De acordo com Bettini, a segunda opção, Viracopos, acabou se mostrando mais válida por conta de dois elementos que caracterizam o modo operacional da Azul. “A Azul perdeu a possibilidade de cativar o passageiro carioca; por outro lado, pôde aproveitar a demanda reprimida no interior do Estado de São Paulo e do sul de Minas, formada por pessoas que precisavam se deslocar até os aeroportos da Capital. Ao mesmo tempo, a empresa fez de Campinas uma base para passageiros que não mantêm relação com a região, mas que fazem aqui as conexões para outros destinos.”

O economista explica que as conexões são estrategicamente importantes para a Azul, mas implicam em intensificação da ocupação do terminal, devido à multiplicidade de destinos e ao número de frequências diárias de passageiros. “Na falta de uma ligação direta entre Porto Alegre e Recife, por exemplo, o passageiro tinha como opções passar por São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília; agora, Campinas entrou no mapa. É esse passageiro ‘de passagem’ que a Azul não teria condições de atender se tivesse sua base operacional [hub] no Santos Dumont, um aeroporto que opera no limite de sua capacidade desde a década de 1990. Enquanto isto, Viracopos tinha margem para suportar uma utilização mais intensiva, e foi explorado nesta direção.”


Entre empresas

Segundo Humberto Bettini, o mercado de aviação brasileira doméstica mais do que dobrou de tamanho nos últimos anos, passando de 50 milhões de passageiros em 2005 para 119 milhões em 2012. Porém, esta bonança não resultou de dinâmicas semelhantes. Um gráfico mais específico da tese mostra o comportamento do mercado de 2009 a 2012: no período, a oferta cresceu 38%, mas enquanto o crescimento do duopólio Gol-TAM situou-se em 19%, o da Azul alcançou quase 300%.

Bettini nota que este desempenho acima da média da Azul foi recorrente, mesmo nos momentos em que o crescimento se suavizava e o mercado dava sinais de estabilização (2012) e retração (2013). “A Azul prometeu uma expansão acelerada, e cumpriu. Em seu primeiro ano, ela transportou 2,7 milhões de passageiros, passando para 11 milhões em 2012. Nenhuma outra empresa aérea alcançou este grau de expansão”, diz o pesquisador.

Outro aspecto distinto da competição que a Azul impôs foi o alargamento geográfico do mercado. Entre 2008 e 2012, a nova empresa aérea competiu diretamente com Gol ou TAM em 14 rotas que tinham Campinas como origem, a maioria para capitais do Sul e Nordeste. “Porém, se considerarmos Viracopos, Congonhas e Guarulhos como opções equivalentes para o passageiro, a rivalidade entre a Azul e o duopólio se expande para 34 rotas e passa a alcançar todas as regiões do Brasil e cidades de variados portes”, alerta.

Para ilustrar, Bettini explica que Gol e TAM nunca operaram, entre 2008 e 2012, uma ligação direta entre Viracopos e Cuiabá, não havendo, em tese, uma competição direta da Azul com o duopólio. “Entretanto, se considerarmos que Viracopos e os aeroportos de São Paulo estão numa mesma área de atração de passageiros, é provável que a Azul concorra, por exemplo, com a ligação Guarulhos-Cuiabá, da Gol. Na verdade, Campinas e São Paulo formam uma intersecção entre rivalidades diretas e também indiretas. O impacto competitivo da Azul é muito maior que aquele restrito a Campinas.”


Entre aeroportos

O autor sugere ainda que a entrada da Azul em Viracopos, oferecendo mais uma opção aos passageiros que residem ou têm como destino cidades próximas de Campinas, e que antes usavam os terminais de São Paulo, trouxe um capítulo novo para a aviação brasileira: o alargamento da competição entre aeroportos. “Essa competição existe na Europa, que possui uma malha aeroportuária bem suprida, principalmente pelo excedente de guerra – bases militares foram convertidas para uso civil. Não temos a mesma concentração de aeroportos aqui, mas a Azul, ao atender passageiros dentro de um raio tão grande e servir de base para conexões, não apenas rivaliza com as outras empresas aéreas, como também faz com que os aeroportos rivalizem entre si.”

Permitindo-se um exercício de futurologia, Humberto observa que as condições de mercado se inovam e pode vir um momento hipotético em que a presença em Viracopos seja um ativo equivalente àquilo que Congonhas hoje representa. “Se a capacidade do aeroporto estiver esgotada e Gol ou TAM vierem a requerer slots em Viracopos, poderá surgir uma situação inédita: pelo desenho regulatório atual, as primeiras empresas que chegam tendem a levar vantagem na quantidade de decolagens por hora; é o que explica a dominância da Gol e da TAM em Congonhas, e algo que não se muda no curto prazo. A chegada da Azul sacudiu Campinas e criou a possibilidade de que um aeroporto, que há cinco anos estava praticamente abandonado, tenha o seu acesso disputado por concorrentes em um futuro próximo”.

Terceiro aeroporto

A respeito das discussões sobre a necessidade de se construir um terceiro aeroporto na Grande São Paulo, Bettini pergunta se Viracopos já não cumpre esse papel. . “Um novo aeroporto custa milhões, não apenas para a própria implantação, como também com a desapropriação de terrenos. E, mais do que a área ocupada, é preciso uma reserva muito grande de espaço aéreo, visto que o procedimento de pouso inicia-se cerca de 100 quilômetros antes da pista. É uma arte da engenharia de sistemas que Congonhas, Cumbica e Viracopos, além de Amarais, Jundiaí e Campo de Marte, operem rampas de aproximação que não conflitem umas com as outras. Instalar um novo aeroporto neste espaço aéreo não é nada trivial.”

De acordo com o autor da tese, os dados da Azul demonstram que Viracopos pode ser o terceiro aeroporto de São Paulo, trazendo grande alívio para a Anac, o governo do Estado e o Ministério dos Transportes. “Outra vantagem é que existe área para expansão, inclusive com obras para uma segunda pista já iniciadas. Trata-se de um aeroporto mais promissor no longo prazo do que os dois da Capital. A operação da Azul em Viracopos é a ‘dobradinha’ empresa aérea-base operacional que detém mais destinos nacionais. Isso é um fator de atração de passageiros e indica que Campinas está ficando pronta para voltar aos voos internacionais, papel que já exerceu no período de desativação progressiva de Congonhas e de construção de Cumbica.”



Publicação

Tese: “Inferências de condutas em um oligopólio diferenciado: estudos sobre o comportamento do entrante em transporte aéreo no Brasil”
Autor: Humberto Filipe de Andrade Januário Bettini
Orientador: José Maria Ferreira Jardim da Silveira
Unidade: Instituto de Economia (IE)
Financiamento: IPEA e Capes