Edição nº 534

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 06 de agosto de 2012 a 12 de agosto de 2012 – ANO 2012 – Nº 534

Método quantifica alcaloides
que dão picância a pimentas

Técnica mostra potencial para eliminar
a subjetividade de escala comumente utilizada

 Pesquisa de mestrado do Instituto de Química (IQ) propõe método de análise para quantificação de capsaicinoides (Caps), alcaloides responsáveis pela pungência ou picância das pimentas pertencentes ao gênero Capsicum. Trata-se de um método espectrofotométrico que foi desenvolvido no estudo e que mostrou potencial para eliminar a subjetividade do método mais usado hoje, que se baseia em uma escala organoléptica (que é percebida mediante os sentidos) – a escala Scoville.

A técnica empregada pela autora do estudo, Patrícia Tonon de Souza, fornece a concentração dos capsaicinoides totais presentes no fruto e pode ser usada mundialmente, “até onde a pimenta não é apreciada, mesmo porque os Caps não são adotados somente como aditivos alimentares”, salienta a docente do IQ Adriana Vitorino Rossi, orientadora da dissertação. Com isso, para além da culinária, abre-se espaço para novas aplicações de Caps, inclusive para fins terapêuticos, provavelmente na futura produção de medicamentos.

Há, nessa direção, estudos sendo feitos no momento acerca das propriedades biológicas dos capsaicinoides em processos metabólicos, e alguns já expressam uma tendência benéfica para a prevenção de doenças cardiovasculares devido às suas propriedades vasodilatadoras.Um deles em particular, publicado na revista Nature de 2007 por Binshtok, A.M. e colaboradores, relatou o estudo da capsaicina (o Caps mais abundante nas pimentas) como agente carreador de uma substância anestésica para as células neurológicas sensíveis à dor. Por outro lado, os Caps estão também na composição das armas químicas. O gás de pimenta é utilizado como sprays manuais e causa grande ardência e desconforto aos olhos. É feito à base de capsaicina, que é comercializada no Brasil na categoria de arma química.

As pimentas também são muito valorizadas nos espaços produtores, sendo alvos de disputas pelas mais raras para colecionar, pelas mais picantes e saborosas e pelas novas variedades, comenta a pesquisadora. Para diferentes finalidades, quantificar os Caps será fundamental para o avanço do conhecimento, dimensiona ela. Na sua investigação, foram estudadas diferentes espécies de pimentas Capsicum, o processo de extração dos Caps e a sua quantificação em diferentes estágios de maturação dos frutos.

Essas pimentas, que partem de vagens vermelhas, conta a professora, são originárias das Américas. O seu cultivo é feito em hortas, dado que não são espécies arbustivas, sendo as mais populares a dedo de moça, a cumari, a biquinho, a malagueta e a Cambuci, entre outras, que passam por diferentes estágios de maturação.

A diferença em relação às pimentas obtidas de grãos (como a pimenta do reino e a da Jamaica, que se formam em árvores) é que os frutos das Capsicum, também conhecidas como “Chilli”, são consumidos por inteiro. Podem ser fatiados e triturados, porém não se trata de grãos.

A sua produção é lucrativa e crescente, principalmente no Estado de São Paulo, com uma tendência, hoje, ao uso mais decorativo, presente em lindos potes que ocultam sabores picantes em favor da beleza.


Curiosidade

Atualmente é consensual que as pimentas mais picantes são as mais valiosas. Daí o interesse de avaliar no trabalho se havia uma relação entre o conhecimento popular, ou o que se atribui à picância, e a concentração dos compostos que quimicamente são responsáveis por essa pungência, os Caps.

Além do interesse de Patrícia, de estudar as pimentas, de avaliar a popularidade do consumo e dos diferentes usos, outro motivo ainda a inspirou de modo especial: o seu pai tem um restaurante em Joaquim Egídio e sempre nutriu o gosto de cultivar pimentas e de fazer compostas em cachaça ou embebidas em azeite.

Ele percebia as variações de sabores das pimentas, “isso porque os vários métodos de conservar e de extrair Caps acabam, de certo modo, por alterar o seu sabor”, ensina a mestranda. A curiosidade do pai era quantificar a pimenta mais ardida, fato que provocou nela o desejo de saber mais sobre o assunto.

Estava então desenhada a ideia inicial do projeto, relata a autora. Em seguida, veio o desenvolvimento do método analítico por espectrofotometria, avaliado em conjunto com o método oficial por cromatografia líquida de alta eficiência. A intenção era conferir se os resultados seriam iguais estatisticamente. E foram. “Chegamos a um método mais simples, mais barato e com resultados comparáveis ao cromatográfico”, revela.

Ter chegado a esse método de análise pode levar à possibilidade de oferecê-lo a cooperativas de pequenos produtores. Desse modo, eles teriam à sua disposição um teste rápido para comparação ou indicação a respeito da quantidade de capsaicinoides e da pungência das pimentas.Ainda que não tenham feito um estudo de viabilidade econômica, Patrícia e Adriana apontam que os equipamentos do método proposto são mais acessíveis.  “Fizemos isso com o espectrofotômetro, que deve ter um custo em torno de R$ 8 mil, mas também é possível fazer o teste com adaptação colorimétrica com um dispositivo já patenteado e que foi desenvolvido por especialistas do laboratório do IQ [entre eles pela orientadora da dissertação], permitindo fazer medidas análogas com uma simplificação do processo e considerável redução de custo”, realça Adriana.

 A quem o método poderia interessar? Segundo a docente, além de às cooperativas, aos processadores de molhos. O intuito seria fazer um screening e ter uma estimativa rápida semiquantitativa da ordem de concentração de Caps em pimentas.

O processo em si não é complicado: envolve uma reação química modificada pelos Caps e, uma vez conhecendo a reação e sabendo controlar as variáveis envolvidas, é perfeitamente possível de ser aplicada. O solvente, por exemplo, é a cachaça, diferente de outras técnicas que envolvem medidas espectrofotométricas feitas em ultravioleta e/ou visível. “As nossas estão sendo realizadas na faixa de comprimento da onda do visível, o que, em termos de instrumental, facilita muito, porque qualquer lâmpada simples emite na região do visível. No ultravioleta, não”, compara a professora.

Reduz-se assim a interferência de compostos que absorvem no ultravioleta, que é outra faixa de radiação adequada para métodos espectrofotométricos. O método proposto não sofre efeito dos carotenoides, aspecto, aliás, que merece ser destacado devido à abundância destes compostos nas pimentas e que também absorvem na região do visível. Existe um “mito” de que o “extrato de pimenta”, quanto mais vermelho, mais ardido. Isso não é verdade, retruca Adriana, pois a pigmentação vem dos carotenoides, não dos capsaicinoides, que se apresentam incolores em solução.

Outra coisa ainda: no estudo houve uma observação dos carotenoides degradarem os Caps nos extratos obtidos, o que pode ser ruim para a sua conservação. A mestranda notou que, quando se extrai muito carotenoide, há diminuição da concentração de Caps e um subproduto é formado durante a conservação dos extratos, podendo decorrer da degradação dos Caps. Logo, não se sabe se esse produto é saboroso, se vai conferir um gosto ruim, se deixará de ter uma propriedade metabólica interessante ou se terá um efeito tóxico.

 Apesar de não ter essa resposta, Patrícia foi além do seu projeto inicial, dando vazão à sua curiosidade. Ela então avaliou a concentração de Caps em diferentes pimentas, para ver se realmente a mais ardida teria mais capsaicinoides do que a mais suave.

A mestranda obteve pimentas verdes, coloridas (amarelas, laranjas e esverdeadas) e maduras (as vermelhas). A maior quantidade de capsaicinoides, verificou, esteve na pimenta madura. Mas não obstante isso, o método demonstrou que pode quantificar Caps de pimentas em qualquer fase de maturação. “Se a pimenta estiver verde ou colorida, não há garantia de que seja tão ardida e a ordem de picância comparativa entre espécies pode não ser a mesma que na fase madura”, descreve.

 

Como é a escala Scoville

 

No trabalho, a pesquisadora estabeleceu uma escala de concentração de capsaicinoides proporcional à organoléptica, usual no mercado, que envolve a atribuição de características por provadores treinados para indicar a picância das pimentas.

  A escala mais usual no momento é a Scoville. Nela, as pimentas são classificadas por números. A mais ardida é a Bhut Jolokia, também utilizada no estudo, que figura com mais de um milhão de Unidades de Calor Scoville.

Nesse método, o provador que vai atribuir a Unidade Scoville tem que experimentar um extrato da pimenta feito em álcool. Ao provar e sentir o ardor do extrato de pimenta, vai diluindo-o numa solução com água e açúcar até não sentir mais nada. “Um milhão de unidades Scoville significa que o provador obtém uma parte do extrato de pimenta e precisa colocar 1 milhão de partes de água com açúcar para não sentir mais o ardido”, esclarece a professora.

O processo é prático, sobretudo por ser realizado por provadores com muita experiência. “Não há como excluir o mérito desse teste, contanto que seja aplicado com critérios”, admite Adriana, pois depende muito do paladar e é em grande parte intuitivo. “Era justamente esse o ponto que queríamos superar – a subjetividade do provador. Assim, o teste independeria do gosto.”

 

 Publicação

Dissertação: “Determinação espectrofotométrica indireta de capsaicinoides em pimentas”
Autora: Patrícia Tonon de Souza
Orientadora: Adriana Vitorino Rossi
Unidade: Instituto de Química (IQ)
Financiamento: Capes

Comentários

Comentário: 

Parabéns Patricia!!!
Com garra e determinação, se chega lá!!!!
Jair

jairfalq@fea.unicamp.br

Comentário: 

Como consumidor final do produto - que aprecio - imagino que seria muito bom ter no rótulo do produto uma métrica capaz de transmitir ao maior interessado a medida exata da ardência do fruto. Inovar - a partir da pesquisa - seria transformar essa dissertação em parâmetro comercial. Quem sabe o Inmetro não poderia atuar conjuntamente.
Parabéns.

haroldo@coreconsp.org.br

Comentário: 

Oi Patricia, que noticia boa sobre este metodo de quantificar teor de capsaicina em pimentas. Pena que não entrei em contato com você antes. Acabei de coordenar uma revista Informe Agropecuário como o tema:
PIMENTAS: DO PRODUTOR AO CONSUMIDOR. 100P. mar./abr. 2012.
O último artigo da revista foi solicitado a uma pesquisadora a qual, após o termino do prazo dado pela minha empresa (EPAMIG), a disse que não conseguiria escrever no prazo; desse modo eu tive que assumir tal artigo. Como seria bom que você trabalhando na área pudesse ter escrito.
Fica para outra oportunidade.
Parabens pelo excelente trabalho.
Cleide M F Pinto
Pesquisadora da cultura da pimenta.
Empresa de Pesquisa Agropecuaria de Minas Gerais EPAMIG
Unidade Regional da Zona da Mata
Viçosa-MG
31 39891 2646 31 8840-0577
cleide.pinto@epamig.ufv.br

cleide.pinto@epamig.ufv.br

Comentário: 

Parabéns pelo trabalho Patricia!
Muito pertinente a sugestão do Haroldo. Aliás o consumidor e apreciador de pimenta teria uma informação importante no que se refere ao grau de ardência da pimenta especificada no rótulo. Quem sabe, um trabalho pra desenvolver junto a ANVISA

Rosimeire Cabral
Laboratório Central de Saúde Pública DF
Técnica

meirecabral@gmail.com