Manifestação denuncia Projeto de Lei que fere direitos indígenas

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Após passeata pelo campus, manifestantes se concentraram em frente à Reitoria
Passeata reuniu estudantes indígenas e apoiadores e percorreu várias ruas do campus 

Somando-se à mobilização nacional contra o Projeto de Lei (PL) 490/07, que fragiliza os direitos dos povos originários, estudantes indígenas da Unicamp e apoiadores realizaram uma manifestação nesta terça-feira (30). A proposta, que ameaça a demarcação de terras e visa permitir o avanço de atividades danosas aos territórios indígenas, foi aprovada na Câmara dos Deputados no mesmo dia. O PL segue agora para a avaliação do Senado Federal.

“Eles [os deputados] não têm amor à vida, mas, sim, ao capital, ao dinheiro. O agronegócio é a destruição total. A bancada da boiada e da Bíblia é muito grande. Mas nós temos nossos [seres] encantados e nossas florestas para pedir que isso seja barrado quando chegue ao STF [Supremo Tribunal Federal]”, aponta Marcela Pankararu, uma das estudantes do Coletivo Indígena da Unicamp, que organizou a manifestação na Universidade.

Na mobilização, uma marcha percorreu o campus, mesmo sob chuva, momentos antes da votação na Câmara. Durante o trajeto, estudantes indígenas ressaltaram a importância da demarcação de terras, assegurada na Constituição Federal, tanto para a sobrevivência dos povos originários como para a conservação dos biomas.

Representantes do Coletivo Indígena leram um documento de repúdio ao PL. A proposta “ignora de forma deliberada que os povos indígenas estão sendo expulsos de seus territórios há 523 anos, e muitos não estavam em suas terras tradicionalmente habitadas porque elas haviam sido espoliadas, griladas e roubadas violentamente”, afirma o documento.

O PL 490, além de inviabilizar a demarcação de terras, assinala Marcela Pankararu, “dá direito a garimpeiros e fazendeiros de entrarem nas nossas TIs [Terras Indígenas]. O maior dano será imposto aos indígenas que não têm contato. Eles correm um grande risco porque podem ser obrigados a ter contato com outros seres humanos”.

Com a proposta, diz ainda a estudante, haverá uma intensificação do processo de degradação dos biomas e, por isso, toda a humanidade será afetada. Ela ressalta também que o PL afeta a perspectiva de jovens indígenas. “Nossos jovens estão morrendo e se suicidando porque acham que tudo vai acabar.”

Gabriel Jesuíno Flores, da etnia Tikuna, do Amazonas, é estudante de Licenciatura Química-Física na Unicamp e também manifestou sua preocupação com o futuro dos povos indígenas caso o PL avance. “Não concordamos com o PL porque ele risca do mapa o nosso futuro ancestral. Nós, povos indígenas, estamos lutando muito por nossos filhos e crianças que estão crescendo agora.”

Estudantes indígenas e apoiadores durante manifestação no Ciclo Básico; a proposta do PL foi aprovada na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (30) e segue agora para a avaliação do Senado Federal
Estudantes indígenas e apoiadores durante manifestação no Ciclo Básico; a proposta do PL foi aprovada na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (30) e segue agora para a avaliação do Senado Federal

O Projeto de Lei

O PL 490 pretende fixar a data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, como um marco para as demarcações de terras indígenas. Dessa forma, só poderiam ser demarcadas as terras em que, já naquele momento, estivessem presentes povos originários.

O projeto também visa transferir a competência pelas demarcações do Poder Executivo para o Poder Legislativo. Sendo assim, retiraria essa competência da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), órgão que tem um quadro técnico especializado para realizar esse tipo de processo, e a repassaria ao Congresso, composto em grande parte por ruralistas e aliados deles, que se interessam pelas terras indígenas por seu valor econômico. Hoje, a demarcação exige diversos passos, como a verificação da demanda territorial e estudos de identificação e delimitação da área. O processo também garante o direito de qualquer interessado na área de manifestar-se.

Outra proposta do PL é que “ações justificadas pela segurança nacional poderão ocorrer independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente”. Desrespeita, portanto, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário e que estabelece a obrigação de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas possivelmente afetados por atividades que interfiram em seus territórios.

Além disso, a proposta visa alterar a política indigenista de não contato com isolados, que poderiam ser contatados forçadamente em caso de “ação estatal de utilidade pública”. “Na prática, isso permite que a sobrevivência dos isolados seja ameaçada por qualquer projeto de rodovia, hidrelétrica, mineração, atividade agropecuária e colonização”, indica o Observatório de Povos Isolados.

“O PL é um retrocesso imenso porque pressupõe que os indígenas sempre puderam estar nas terras que reivindicam, quando na verdade a gente sabe que eles foram expulsos. A legislação, tal como é agora, não significa que basta aos indígenas reivindicarem terras. Existe todo um processo que é demorado, lento, complexo, que exige diversos pareceres e que ouve todas as partes. Então o que estão querendo retirar é mesmo o direito de lutar por isso”, avalia a professora Chantal Medaets, membro da Comissão Assessora para Inclusão Acadêmica e Participação dos Povos Indígenas da Unicamp (Caiapi).

Da esquerda para a direita, o estudante de Licenciatura Química-Física, Gabriel Jesuíno Flores, da etnia Tikuna, do Amazona; Marcela Pankararu, do Coletivo Indígena da Unicamp e a professora Chantal Medaets, membro da Comissão Assessora para Inclusão Acadêmica e Participação dos Povos Indígenas da Unicamp (Caiapi)
Da esquerda para a direita, o estudante de Licenciatura Química-Física, Gabriel Jesuíno Flores, da etnia Tikuna, do Amazona; Marcela Pankararu, do Coletivo Indígena da Unicamp e a professora Chantal Medaets, membro da Caiapi

Tramitação

O requerimento de urgência para a tramitação do projeto teve 324 votos favoráveis e 131 contrários na Câmara dos Deputados. Com isso, ele foi à votação no dia 30 de maio e aprovado pela Câmara, com 283 votos a favor, 155 contra e uma abstenção. O texto segue ao Senado Federal. Se a maioria dos senadores votar a favor dele, o texto será encaminhado para a sanção ou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O STF também irá manifestar-se sobre o marco temporal, em junho. No início do julgamento, em agosto de 2021, o relator da ação, ministro Edson Fachin, entendeu que o marco temporal não deve ser aplicado. O segundo a votar, Nunes Marques, divergiu. A apreciação da matéria foi suspensa após pedido de vistas de Alexandre de Moraes.

MPF e DPU apontam inconstitucionalidade do projeto

Diante do avanço do PL 490, a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) emitiram pareceres contrários à proposta. A inconstitucionalidade bem como a impossibilidade de alterar a Constituição por meio de uma lei ordinária são elementos ressaltados nos documentos.

“A Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo a tradicionalidade um elemento cultural da forma de ocupação do território e não um elemento temporal. Fixar um marco temporal que condicione a demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro viola frontalmente o caráter originário dos direitos territoriais indígenas”, destaca o parecer do MPF.

O PL 490 pretende fixar a data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, como um marco para as demarcações de terras indígenas
O PL 490 pretende fixar a data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, como um marco para as demarcações de terras indígenas

No documento da DPU, o defensor público em exercício, Fernando Mauro Junior, indica que “em nenhum momento, a última Assembleia Constituinte exteriorizou algum marco temporal para o reconhecimento desses direitos originários e sequer estabeleceu dispositivo que possa induzir equivocadamente o intérprete a tal entendimento. O texto constitucional apenas reforçou o instituto do Indigenato que, em sendo muito anterior à promulgação de 1988, não pode ser caracterizado como o marco definidor de direitos”.

O parecer ainda aponta que a tese do marco temporal “representaria grave violação de direitos humanos, contrariaria os deveres do Estado brasileiro explícitos na Convenção da ONU [Organização das Nações Unidas] sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio e, também, afrontaria precedentes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos”.

Assista ao programa Analisa que tem como tema "Marco temporal como anomalia jurídica"

Confira mais imagens da manifestação: 

Na mobilização, uma marcha percorreu o campus, mesmo sob chuva, momentos antes da votação na Câmara
Na mobilização, uma marcha percorreu o campus, mesmo sob chuva, momentos antes da votação na Câmara
Na mobilização, uma marcha percorreu o campus, mesmo sob chuva, momentos antes da votação na Câmara
Na mobilização, uma marcha percorreu o campus, mesmo sob chuva, momentos antes da votação na Câmara
Na mobilização, uma marcha percorreu o campus, mesmo sob chuva, momentos antes da votação na Câmara
Na mobilização, uma marcha percorreu o campus, mesmo sob chuva, momentos antes da votação na Câmara
Na mobilização, uma marcha percorreu o campus, mesmo sob chuva, momentos antes da votação na Câmara
Na mobilização, uma marcha percorreu o campus, mesmo sob chuva, momentos antes da votação na Câmara
Imagem de capa
Durante o trajeto, estudantes indígenas ressaltaram a importância da demarcação de terras, assegurada na Constituição Federal, tanto para a sobrevivência dos povos originários como para a conservação dos biomas

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