Doenças negligenciadas são alvos de novas ações na Unicamp e no Brasil

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Especialistas discutem a doença de Chagas e as doenças negligenciadas
Especialistas discutem doença de Chagas e doenças negligenciadas em seminários na Unicamp

Quinze doenças são consideradas negligenciadas no Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Divulgá-las à população em geral e difundir a lei municipal que instituiu a Semana de Conscientização sobre as Doenças Negligenciadas foram alguns dos objetivos do III Seminário de Combate à Doença de Chagas e do I Seminário da Semana de Conscientização sobre as Doenças Negligenciadas.

Os dois eventos, realizados simultaneamente, ocorreram na última sexta-feira (11), no auditório do GGBS da Unicamp. Autoridades no tema discutiram o estado da arte dessas patologias e mais especificamente da doença de Chagas
Entre as doenças negligenciadas estão ainda leishmaniose, úlcera de Buruli, dengue, esquistossomose, hanseníase, etc.

Os seminários aconteceram no contexto do Dia Mundial de Combate à Doença de Chagas, 14 de abril, deliberado na II Assembleia da Federação Internacional de Associações de Pessoas Afetadas pela doença de Chagas (FINDECHAGAS) em 2012, em Barcelona, Espanha, e da relevância da data em que o pesquisador brasileiro Carlos Chagas comunicou à comunidade científica a descoberta desta doença, informou professor Eros de Almeida, um dos organizadores dos eventos e coordenador do Grupo de Estudos em Doença de Chagas (GEDoCh) da Unicamp.

Além do GEDoCh, os eventos foram organizados pelo Serviço Social do HC e pela Associação dos Portadores da Doença de Chagas de Campinas e Região (Accamp).

Eros revelou por exemplo que a tuberculose há alguns anos era tida como doença negligenciada. Hoje não é mais. “Na verdade, não é a doença que é negligenciada e sim a população que ela atinge, que não recebe a mesma atenção, visto que a patologia ocorre em contextos mais pobres”, esclareceu.

Eros de Almeida, responsável pelo GEDoCh
Eros de Almeida, responsável pelo GEDoCh
Eventos são prestigiados pela comunidade
Eventos são prestigiados pela comunidade 

De acordo com o médico, praticamente todas as doenças infecciosas negligenciadas têm controle hoje. Mas ele reconhece que há obstáculos a esse controle, sobretudo no caso das doenças tropicais, pois é preciso interesse político e investimento. Para a doença de Chagas, isso já foi feito, após longa análise de custo-benefício. Verificou-se que o que se gasta atendendo aos doentes daria para controlar várias vezes a patologia. Um estudo indicou que o que se gasta com implante de marca-passo cardíaco, cirurgias de megacólon e de megaesôfago certamente daria para controlá-la.

O ano de 1991 foi um marco em atenção ao controle da doença de Chagas globalmente, começando com países do Cone Sul como o Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai e Bolívia. Foi quando houve a primeira reunião realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Panamericana da Saúde (Opas). Os governos se comprometeram a controlar a transmissão vetorial pelo Triatoma infestans e transfusional. Os recursos foram aplicados e, 14 anos após injetar esses recursos, o Brasil, o Chile e o Uruguai concretizaram esse controle. A Argentina e o Paraguai apenas parcialmente.

Na década de 1970, estimava-se que o país tivesse 100 mil casos novos da doença por ano. Hoje, eles não passam de mil. “Seguindo o Triatoma infestans, controlou-se ainda a transmissão pela transfusão de sangue. De 15% naquela época, estamos com 0,20%. Cuidando da transmissão principal, deixam de aparecer casos novos, ficando apenas os crônicos”, contou Eros.

Transmissão
Há 43 anos têm sido atendidos casos da doença de Chagas crônica às segundas-feiras, no Ambulatório do Grupo de Estudo em Doença de Chagas no HC. Eles não ocorrem muito mais à custa de transfusão de sangue e transmissão vetorial. Hoje em dia, a transmissão que emerge é a oral, por causa de bebidas e alimentos contaminados. “O suco de açaí é o mais incriminado, seguido pelo caldo de cana. Nem sempre se percebe o inseto num grande volume de alimentos, os quais passam por moagem. Não é que o alimento se contamine pelo micróbio. O vetor dele está ali”, descreveu Eros. Diferentemente dos sucos processados, que não permitem a transmissão (se pasteurizados), os sucos naturais são os maiores vilões.

Colonização de vetores no domicílio é um fator de risco para infecção
Colonização por vetores em domicílio é fator de risco para a doença de Chagas

As formas de transmissão da doença de Chagas são muitas. As principais são a vetorial, pelo barbeiro; pelo sangue e de mãe para filho. As secundárias são transmissão oral, acidentes de laboratório e transplante de órgãos. Há ainda transmissões hipotéticas (uso de seringa contaminada, saliva e transmissão sexual) porque o Trypanosoma, o micróbio, não tem local fixo no organismo. Em caso de doação, como o micróbio circula no sangue, a ideia é melhorar a qualidade do sangue com triagens sorológicas.

Apesar disso, ainda falta vigilância, porque a doença tem risco de voltar e se tornar mais perniciosa. De mil casos novos por ano, uma porcentagem ainda é vetorial, não pelo Triatoma infestans. Isso porque ele só sobrevive em domicílios, e com inseticida é possível controlá-lo.

Após 2006, o Brasil foi certificado pela OMS como um país em que a transmissão vetorial pelo Triatoma infestans e a transfusional da doença de Chagas foram controladas. Entretanto, ainda há focos no Rio Grande do Sul, na fronteira. Tem mais: são mais de 120 espécies transmissoras da doença e mais quatro silvestres, que conseguem se domiciliar. “Como o barbeiro é domiciliado, ele volta, e a doença se mantém. Daí a vigilância terá que ser prioritária, visto que os casos crônicos estão hoje em 1,5 milhão no país”, referiu o médico.

Tratamento
Eros realçou que a doença de Chagas é negligenciada quando o tema é investimento. Para se ter uma ideia, há 17 medicamentos para Aids no país. Para doença de Chagas, apenas um: o benznidazol. É inacreditável que, após 110 anos da descoberta da doença, não se tenha novos medicamentos para a fase crônica”, lamentou. "C
omo não há mais fase aguda no país, esse medicamento nem serve; e, na fase crônica, não se tem certeza de que leve à cura, porque a eficácia do micróbio em adultos e idosos está muito ligada à fase aguda."

Quando a doença fica crônica, a pessoa tem um período assintomática: de dez a 40 anos. Muitas vezes nem sabe que tem a enfermidade. Mas uma boa parte passa a ter problemas cardíacos e poderá ter que lidar com falta de ar, palpitação, não consegue fazer esforço, fica com as pernas inchadas. Pode até sofrer morte súbita.

A doença se manifesta no intestino. Ao atingir o esôfago, a pessoa terá dificuldade para deglutir comidas mais sólidas e começa a engasgar. O quadro progride até não poder engolir nem água. A pessoa fica desnutrida e precisa ser operada. “Quando vai para o intestino grosso, tem dificuldade de defecar por meses. O transplante de coração é uma possibilidade. Então sob este ponto de vista, essa não é uma doença negligenciada, pois o SUS faz o transplante e fornece medicamentos”, frisou.

Um componente da fase aguda que tem uma forma de transmissão secundária envolve os indivíduos com imunossupressão submetidos a transplante, em regiões endêmicas. É essencial saber se ele tem doença de Chagas porque, ao sofrer imunossupressão, o parasito (controlado pelo organismo) fica ativo de novo, pela baixa imunidade da pessoa.  

O barbeiro responde pela transmissão vetorial da doença de Chagas
O barbeiro responde pela transmissão vetorial da doença de Chagas

Isso ficou mais evidente depois da descoberta da Aids. É que os indivíduos com doença de Chagas crônica de zonas endêmicas adquiriram Aids e a doença de Chagas reagudizou num número maior do que nos transplantados. A pessoa então passava a ter febre, meningoencefalite e doença grave. O parasita aparecia no sangue periférico, levando à morte. “Mas uma boa notícia é que, quando se faz o diagnóstico de reagudização e se usa o benznidazol, ele impede que a pessoa morra.”

Iniciativas
Presente ao evento na Unicamp, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior, da Coordenação Geral de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde (MS), explanou que as doenças negligenciadas estão inseridas em coordenações diferentes no MS. Na coordenação das doenças transmissíveis, órgão onde ele atua, trabalha-se com as leishmanioses (visceral e tegumentar), com a doença de Chagas e com a raiva.

Ele explicou que, em relação à doença de Chagas, o que existe como prioridade no momento é a publicação de um protocolo clínico de diretrizes terapêuticas, em fase de finalização. É baseado em evidências científicas e conta com a participação da comunidade científica e da população. Um desafio, ressaltou, é estabelecer a vigilância dos casos crônicos, para ter uma estimativa e estabelecer ações para esse público desconhecido no Brasil. O primeiro passo será estabelecer linhas de cuidado para evitar as complicações da doença de Chagas crônica e os óbitos precoces por essa doença.

Em relação à leishmaniose visceral, o trabalho segue em várias frentes: na implementação de estratégias para o controle da doença e financiamento de pesquisas. “Destaco a incorporação da avaliação de efetividade de coleiras impregnadas com inseticida para cães”, relatou Francisco Edilson.

Há ainda várias áreas de transmissão da doença de Chagas no Brasil, em especial no Norte e no Nordeste. Não há, por enquanto, estratégias de controle avançado da doença. A coleira, em estudos preliminares, tem se mostrado uma aliada de grande potencial.

Ainda outra frente envolve um protocolo de diretrizes terapêuticas, cujas discussões nesse momento vão no sentido de verificar se será indicada a anfotericina B lipossomal como droga de primeira escolha para pacientes.

Francisco Edilson, coordenador geral de doenças transmissíveis do MS
Francisco Edilson, coordenador geral de doenças transmissíveis do MS

Já em relação à leishmaniose visceral, está sendo estudada a descentralização do teste rápido, já disponível na rede. “Gostaríamos que ele fosse ofertado na atenção primária de áreas endêmicas, em municípios com transmissão”, planeja.

Quanto à leishmaniose tegumentar, pontuou, o debate mais amplo se relaciona ao tratamento. “Já incorporamos uma terapêutica inovadora: a aplicação intralesional do antimoniato de meglumina, cujo nome comercial é glucantime. Este medicamento era prescrito via sistêmica endovenosa ou intramuscular, mas agora há previsão de injeções no local da lesão, que diminuem o tempo de tratamento e sua toxicidade. Recentemente, foi agregada a miltefosina, droga de uso oral. É algo inovador, por ela ser menos tóxica e facilitar a adesão ao tratamento."

Ao falar sobre outra doença negligenciada, a raiva, o coordenador salientou que ela é radiotransmitida pelo morcego. “E uma situação relativamente controlada é a raiva canina, à exceção da fronteira com a Bolívia. A discussão agora é o estabelecimento de vacina pré-exposição para que não haja surtos, como nas regiões do Pará e do Amazonas, especialmente em crianças.”

Em termos de vigilância, o MS tem um núcleo técnico da doença de Chagas. No Estado de São Paulo, essa vigilância é feita pela Superintendência de Controle de Endemias (Sucen). E o principal vigilante é o município, agora descentralizado por causa de um melhor controle. 

Atualmente, 3.500 pacientes são seguidos pelo GEDoCh por doença crônica. Esse grupo foi criado na Faculdade de Ciências Médicas pelo médico Silvio Carvalhal, nos anos 1970. Ele achava que a patologia tinha que ter atendimento diferenciado porque os pacientes eram simples e ela era muito grave na população ativa. Anos depois, o professor argentino Daniel Manigot veio trabalhar na Unicamp com doença de Chagas, de Silvio Carvalhal. Encampou o grupo e o atendimento deslanchou. Outros núcleos surgiram em Recife e no Rio de Janeiro.

Comunidade
A assistente social Ana Maria de Arruda Camargo informou que o HC desenvolve um trabalho junto à associação dos portadores de doença de Chagas. "É fundamental que esta associação trabalhe na perspectiva do associativismo, mas também como uma associação que reivindica direitos e articulada a outras associações. A Accamp é filiada à FINDECHAGAS. Ocupou a presidência compartilhada com a Associação dos Portadores de Chagas da Grande São Paulo (ACHAGRASP) por duas gestões (2012-2014 e 2014-2016) e foi registrada em Campinas.

A assistente social do HC, Ana Maria de Arruda Camargo
A assistente social Ana Maria de Arruda Camargo

Em 2013, a associação se mobilizou nessa linha e fez uma demanda à Câmara dos Vereadores de Campinas. Em 22/3/2017, foi aprovada a lei municipal que cria a Semana Municipal de Conscientização sobre as Doenças Negligenciadas. “Inicialmente o projeto era só para doença de Chagas, mas, como Campinas é referência em saúde e educação, seria importante que olhasse para outras doenças também”, afirmou Ana Maria. “Isso envolveu uma luta de quatro anos e hoje já é uma realidade. A semana está reforçando a questão dos direitos garantidos e dá visibilidade a essas doenças, que ainda são um desafio. O Brasil assinou um compromisso com a ONU de até 2030 controlar e eliminar as doenças tropicais negligenciadas.”

Enquanto  a lei de Campinas não era aprovada, houve uma mobilização da Accamp para solicitar a aprovação de uma lei federal. Este projeto teve discussões públicas, eventos científicos, com a participação de diversos segmentos da sociedade, organizações, instituições e, atualmente, está tramitando na última comissão, na Câmara Federal. “Terá sido outro avanço, pois doenças milenares, como a hanseníase e outras doenças tropicais negligenciadas, enfrentam uma série de  desafios, para eliminação, tratamento, diagnóstico, acompanhamento, monitoramento e atenção aos usuários do sistema”, pontuou Ana Maria.

Leia no Jornal da Unicamp um texto sobre a Leishmaniose e a doença de Chagas.

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Colonização de vetores no domicílio é um fator de risco para doença de Chagas

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