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A (rara) conjugação da prática com modelos teóricos
Pesquisadores do IQ desenvolvem estudos de ponta na América Latina na área de propriedade das moléculas

CARMO GALLO NETTO

Os professores Cláudio Tormena (à esq.) e Roberto Rittner, no Laboratório de Físico-Química Orgânica: trabalhos reconhecidos internacionalmente  Fotos: Antoninho Perri Ao atravessar as bancadas do Laboratório de Físico-Química Orgânica, do Departamento de Química Orgânica do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, entre pesquisadores de jalecos impecavelmente brancos, o visitante chega à sala de computadores, que ocupam uma prateleira disposta ao longo de toda uma parede. Os professores Roberto Rittner, responsável pelo laboratório, e Cláudio Tormena, co-responsável, apontam um computador de grande porte, no canto oposto. Tudo conectado a apenas um monitor. A organização desse arsenal sugere a quantidade de gigabites (GB), encontrada em pouquíssimos laboratórios, que o trabalho desenvolvido exige, mas que invariavelmente começa com medidas espectroscópicas experimentais, realizadas nos aparelhos de ressonância nuclear magnética (RMN), disponibilizados para os pesquisadores do IQ.

As instrumentações e os recursos computacionais utilizados por esse grupo de pesquisa revelam a peculiaridade do trabalho ali desenvolvido, que o fazem único nas Américas, à exceção dos EUA e de países como Alemanha, Inglaterra e Espanha. A distinção vem da constatação de que geralmente o pesquisador ou é um experimentador ou um teórico. O experimentador que sintetiza ou extrai substâncias, identifica-as e estuda suas propriedades e características. O teórico que desenvolve métodos mecânico-quânticos para estudos de estruturas moleculares. O difícil é encontrar quem se dedique simultaneamente a estas duas atividades fundamentais em pesquisa básica, pois a evolução da ciência se dá com a experimentação e a criação e desenvolvimento de modelos teóricos que expliquem os resultados experimentais.

A dedicação simultânea a estas duas vertentes é que torna único o grupo criado por Rittner. Esta duplicidade de atividades, frisa Tormena, acaba trazendo contribuições tanto para a área experimental como para o desenvolvimento de novos métodos de cálculo. Rittner constata que os resultados obtidos tornam os trabalhos competitivos internacionalmente, o que leva o grupo continuamente a apresentar trabalhos em congressos internacionais e a publicar artigos nas mais prestigiadas revistas da área, o que originou a publicação de 180 trabalhos nos últimos vinte anos de atividade, doze dos quais em 2008.

No laboratório em que atualmente trabalham dois pós-doutorandos, cinco doutorandos, um mestrando e cinco estudantes de iniciação cientifica, muitas vezes há necessidade de melhorar o processo de cálculo para que haja compatibilidade entre os resultados teóricos e experimentais, possibilitando que um dado calculado coincida ou se aproxime de uma medida experimental. Em outras oportunidades há necessidade de desenvolver e aprimorar métodos experimentais em RMN para obter medidas com maior precisão, as quais normalmente não seriam conseguidas por meio dos procedimentos usuais.

O resultado, dizem os pesquisadores, é que os doutorandos reúnem tanto o conhecimento prático, aprendido durante o trabalho experimental, como o conhecimento teórico, adquirido através da manipulação de modelos matemáticos. Transitam desde a síntese de moléculas mais simples e que têm interesse teórico e prático, passam pela determinação de estruturas e propriedades, realizam cálculos e chegam às extrapolações e previsões teóricas com vistas ao comportamento de outras moléculas mais complexas, de forma a conciliar experimento e teoria. Realizam uma ampla atuação no âmbito das pesquisas em ciência básica.

Características
Os cálculos teóricos fornecem informações sobre a característica da molécula estudada, como geometria mais estável, no caso de isômeros conformacionais, energias envolvidas na sua formação, distâncias e ângulos de ligações, densidades eletrônicas, entre outras.Por outro lado, as medidas experimentais em RMN fornecem os parâmetros que estão intimamente relacionados com as propriedades previstas teoricamente.

Tormena lembra que uma das propriedades medidas em RMN é a constante de acoplamento escalar entre os núcleos (spins) atômicos, propriedade esta que é transmitida através dos elétrons envolvidos nas ligações químicas. Quanto maior a densidade eletrônica em uma ligação, maior a propagação da propriedade espectroscópica medida (acoplamento escalar). Através da medida experimental desse parâmetro consegue-se estabelecer o comportamento das ligações químicas e determinar, de forma rápida e confiável, como se distribui a densidade eletrônica na molécula ou em parte dela. Para conhecer como essa propriedade se manifesta em moléculas mais complexas, entretanto, é preciso entender como ela ocorre em um sistema mais simples para depois a transpor para um sistema mais complexo.

“Adotando um sistema modelo simples, se consegue mostrar como a mudança da densidade eletrônica afeta um parâmetro experimental e, a partir daí, com base em modelos teóricos se pode correlacionar essas conclusões com o que deve acontecer em uma molécula bem maior. E isso é conseguido medindo-se simplesmente uma propriedade espectroscópica como a constante de acoplamento escalar. Esse tipo de procedimento constitui uma das tônicas do nosso trabalho”, afirma o docente.

Critérios de escolha
O estudo procura entender porque uma determinada molécula adquire certa estrutura e não outra. Os alunos de pós-graduação são orientados para a escolha de temas que lhes permitam a aprender trabalhar em laboratório, a sintetizar compostos, a analisá-los e a realizar cálculos teóricos sobre eles. Diz Rittner: “Escolhemos moléculas que tenham propriedades interessantes do ponto de vista pratico e teórico. Selecionamos casos de difícil estudo, e vamos atrás de desafios para vencê-los. Procuramos o que ainda não é bem conhecido ou estudado”.

Cita, a propósito, os ciclopentanos e cicloexanos, difíceis de estudar porque possuem estruturas conformacionais com diferenças de energias muito pequenas, o que dificulta os cálculos teóricos e às vezes as sínteses. Constituem compostos importantes porque a estrutura básica dos esteróides é formada por anéis. Sabendo-se como essas moléculas mais simples se comportam, pode-se entender o comportamento dos esteróides.

Os pesquisadores lembram outro trabalho de doutorado realizado com derivados aromáticos de flúor, como flúor-benzeno, flúor-amino-benzeno, entre outros, que são importantes porque muitos fármacos comercializados possuem átomos de flúor ligados a anéis aromáticos. O entendimento do efeito eletrônico ou de como o átomo de flúor influencia a estrutura eletrônica do sistema pode ser importante para preparar outro fármaco com potencialidade maior. Segundo os pesquisadores, colocando-se um substituinte que aumente a densidade eletrônica em uma determinada região, pode-se usar um parâmetro espectroscópico, portanto experimental, para tentar quantificar essa densidade. Mas para chegar ao efeito em uma molécula grande como um fármaco é necessário dimensionar o que acontece em uma molécula menor.

Outro exemplo que mencionam é o de proteínas e peptídios, formados por vários resíduos de aminoácidos. Parte da informação que cada aminoácido transfere para a proteína ele já o traz naquele resíduo menor. Conseguindo desvendar o que estabiliza o resíduo, pode-se transpor a informação para entender a estabilização da proteína ou do peptídio. Uma das alunas de doutorado do grupo faz isso com ácido aspártico, um dos aminoácidos essenciais.

A definição
Rittner conta que no doutorado, ainda na USP, começou a trabalhar com RMN do hidrogênio e no pós-doutorado com RMN do carbono 13. Mas concluiu que o trabalho experimental adquiriria maior consistência e alcance se baseado em cálculos teóricos. Isso o levou a um pós-doutorado na Inglaterra onde passou a trabalhar com cálculos e de onde trouxe os programas para o Brasil. Tormena, que vinha da Universidade Estadual de Maringá, envolveu-se em seguida no trabalho. Isso há treze anos. Em 2000 ganharam o primeiro projeto temático da Fapesp e em 2005, o segundo. Constata que o salto na área de química teórica e computacional foi muito grande com o avanço da informática. Tormena lembra que os cálculos que levavam 20 dias em 1995, quando do seu doutorado, hoje são feitos em dez minutos.

A importância da ciência básica

Em uníssono, Rittner e Tormena afirmam que é preocupante o pequeno investimento destinado hoje à ciência básica no Brasil. Está se investindo muito em tecnologia, que identificam como a tendência da moda. Mas, observam enfaticamente, “que ninguém desenvolve tecnologia sem ciência básica”.

Constatam que mesmo no Sul e Sudeste, regiões de maior densidade de pesquisas no País, são poucos os equipamentos existentes e raríssimos os aparelhos de RMN mais modernos. No IQ, onde há quatro para atender todos os pesquisadores (cerca de 200), dois já têm mais de 10 anos de uso, enquanto em outros países os equipamentos de RMN são de última geração e em número significativamente maior. Mesmo assim, consideram que os professores do IQ conseguem produzir de forma competitiva, mas se perguntam, até quando?

Reconhecem que embora a Fapesp tenha contribuído grandemente para equipar o laboratório de RMN do IQ, como ocorreu recentemente na aquisição de um 400 MHz (9,4 Tesla), que custou cerca de US$ 340 mil, a agência não dispõe de recursos para aquisição de equipamentos de grande porte. Entendem que esses recursos deveriam vir do governo federal. Estimam que um RMN moderno, de cerca de 900 MHz (21,14 Tesla), custe aproximadamente quatro milhões de dólares.

Lembram ainda que há carência de pesquisadores na área de RMN habilitados a explorar os recursos desse tipo de equipamento. Esta carência decorre de que, para formar pesquisadores na área, é necessário dedicação exclusiva aos equipamentos, o que consideram praticamente impossível na situação atual. Esse problema conduz a um circulo vicioso: com número pequeno de aparelhos, poucos pesquisadores na universidade têm acesso a eles e, em decorrência, poucos aprendem a usá-los, o que leva à falta de especialistas. Os docentes concluem: “só se aprende trabalhando”.

 

 
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