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Para a pequena empresa sobreviver
Professora desenvolve metodologia de administração estratégica com ferramentas para empresários

LUIZ SUGIMOTO

A professora Inês Aparecida Mascára Mandelli, autora da tese: “Turbulências podem impactar no fluxo de caixa e, em curto período, levar as empresas à falência” (Foto: Antoninho Perri)De acordo com IBGE e Sebrae, as micro e pequenas empresas representam 98% das empresas brasileiras e oferecem 67% dos empregos formais. Entretanto, 29% delas fecham suas portas já no primeiro ano de existência, índice de quebra que alcança 56% no quarto e quinto anos. “Isto acontece porque os proprietários estão pouco preparados para administrar o negócio. Muitas vezes, eles abrem uma empresa por necessidade – como ao perder o emprego – e não por oportunidade”, afirma Inês Aparecida Mascára Mandelli, professora de administração e de ciências contábeis na PUC-Campinas.

Por isso, e também por ter trabalhado por vários anos em empresa pequena quando estudante, Inês Mandelli decidiu adequar uma metodologia de administração estratégica com ferramentas para que estes empresários aumentem suas chances de sobrevivência no mercado. A metodologia, que foi aplicada em uma empresa de pequeno porte de Campinas, valeu à autora o doutorado pela Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, sob orientação do professor Antonio Batocchio.

Segundo Inês Mandelli, os livros sobre administração estratégica publicados no Brasil são todos voltados para a grande empresa, numa linguagem ininteligível ao leigo. “Nossa proposta foi traduzir os métodos preconizados por diversos autores em ferramentas prontas e compreensíveis para aplicação. O perfil do pequeno empreendedor é de quem possui a habilidade do ofício, mas não a habilidade administrativa, o que leva à gestão deficiente devido à falta de apuração de custos, procedimentos contábeis, planejamento financeiro e estratégias”.

A professora explica que a administração estratégica é importante para organizações de todos os portes, mas especialmente para as pequenas, que são extremamente vulneráveis a mudanças no mercado, como o surgimento de concorrentes e novas exigências dos clientes. “São turbulências que podem impactar no fluxo de caixa e, em curto período, levá-las à falência”.

Na opinião da pesquisadora, a elaboração de um plano estratégico não requer habilidades específicas, nem o apoio de consultorias externas, pois a maioria dos requisitos e das informações está dentro da própria empresa. Mas as empresas de pequeno porte podem buscar auxílio em pequenas consultorias e também com professores universitários. “Este tipo de planejamento auxilia pequenos empresários e funcionários a desenvolver conhecimento e habilidades para manter uma vantagem competitiva em relação aos concorrentes”.

Aplicação
Descritos os conceitos do plano, Inês Mandelli passou ao estudo de caso na Truck & Truck Ltda., nome fictício de uma organização que atua no comércio e serviços de peças para caminhões. “Passei seis meses lá dentro, aplicando a metodologia e vivendo a realidade da empresa. Também realizei dois estudos de caso secundários, numa loja de calçados e numa empresa de limpeza, com visitas e entrevistas para apresentar a metodologia e abrindo a possibilidade de aplicá-la no futuro”.

A autora da tese informa que a Truck & Truck está no mercado há 48 anos, tendo dois sócios e dez funcionários. A empresa, que em outros tempos atraía clientes de todas as cidades da região de Campinas, hoje enfrenta concorrentes com os quais divide o mercado. “Os proprietários se dispuseram a testar a ferramenta, mas no início mantinham um pé atrás comigo, inseguros sobre o destino que eu daria às informações colhidas”.

Contudo, já durante a formação do grupo de trabalho para implantação do plano de administração estratégica, os proprietários envolveram-se no processo, ainda que estivessem mais preocupados com a parte operacional. “Ao contrário da grande empresa, que já conta com uma equipe de planejamento estratégico, a pequena organização não tem pessoal sobrando, ainda mais com estas habilidades. Mas havia dois funcionários com formação superior que contribuíram muito para o projeto”.

Análise Swot
Depois da conscientização do grupo quanto à necessidade do plano, Inês Mandelli coordenou diagnóstico para detectar os pontos fortes e fracos, ameaças e oportunidades da empresa nos ambientes interno e externo. “Internamente, levantamos aspectos organizacionais, pessoais, financeiros e de operações, logística, produtos e serviços, a fim de saber o que era bem feito e o que precisava ser melhorado. Externamente, os componentes econômico, legal, tecnológico e demográfico, bem como a concorrência e a clientela, visando meios de moldar a empresa às condições sociais e econômicas”.

Este diagnóstico, conforme a pesquisadora, permitiu a proprietários e funcionários estabelecer a visão que cada um tem da empresa e, por conseguinte, a missão e os objetivos para um horizonte de cinco anos. “A missão é a razão pela qual uma organização existe. No entanto, os proprietários, embora soubessem o que queriam e o que querem, nunca pararam para refletir sobre o porquê da existência da empresa. Chegamos a uma declaração de missão bastante interessante”.

Definidos os objetivos de curto, médio e longo prazo, o grupo formulou estratégias para alcançá-los, como por exemplo, a integração do sistema de informações. “O sistema existe, mas não oferece interligação entre as áreas: sabe-se o quanto foi vendido, mas sem link com a quantidade de produtos em estoque. Como a empresa trabalha com peças para inúmeros modelos de caminhões, é preciso um bom gerenciamento, pois peças em estoque, hoje em dia, representam capital parado”.

Metas reais
Outras estratégias trabalhadas pelo grupo, de acordo com Inês Mandelli, envolvem a área de promoção e propaganda, no intuito de aumentar a fatia da empresa no mercado e de manter a fidelidade dos clientes. “A empresa preserva clientes tão antigos quanto ela, graças ao padrão de qualidade, que é seu ponto alto. Os proprietários vistoriam pessoalmente a liberação de cada caminhão depois do serviço prestado. Isto é muito bom, mas a idéia é que os funcionários também participem deste processo”.

A autora da pesquisa ressalta que todos os objetivos estão dentro da realidade da empresa, tanto em termos financeiros como de pessoal, o que torna ainda mais válido o trabalho do grupo. “Foi gratificante ouvir esta constatação dos proprietários e funcionários, quando finalizamos e apresentamos o projeto de administração estratégica. Como digo aos meus alunos, traçar uma estratégia mirabolante para as condições da empresa é o mesmo que não realizar trabalho algum, já que ele não terá serventia”.

Inês Mandelli defendeu sua tese de doutorado na Unicamp no final de setembro, justamente quando as estratégias começavam a ser implantadas na Truck & Truck, processo que ela pretende acompanhar. “Meu acordo com a empresa é de que não me limitaria a entregar papéis, quero mostrar o retorno. A administração estratégica é uma boa maneira de guiar as decisões da pequena empresa rumo a um crescimento planejado e lucrativo, antecipando seu futuro e, se necessário, dando tempo para ajustes”.

Tese pode ser transformada em livro

Inês Mandelli e seu orientador Antonio Batocchio pretendem transformar em livro a tese “Método clássico de administração estratégica: Uma aplicação em pequena empresa”, oferecendo um inédito título em português voltado para este segmento da economia. “O que existe são textos em inglês e algum material do Sebrae, que é muito teórico e pouco detalhado, exigindo que o pequeno empresário, de qualquer forma, contrate uma consultoria externa”, diz a pesquisadora.

Segundo a autora, os resultados de sua pesquisa revelaram que as ferramentas de administração estratégica desenvolvidas são de grande importância para as pequenas empresas, principalmente numa economia estável e num mercado de alta competitividade, permitindo que elas planejem seu futuro e realizem os ajustes necessários na ocorrência de fatores negativos.

O estudo de Inês Mandelli traz um histórico que contribui para justificar dados da literatura mostrando que, no Brasil, a vida média das empresas não-familiares é de 12 anos e das familiares, 9 anos, sendo que apenas 30% passam para o comando da segunda geração e pouco mais de 5% para a terceira geração.

É um histórico que vem desde o final da década de 1980, após o fracassado Plano Cruzado para conter uma inflação que chegou a 1.782% durante o governo Sarney. Os proprietários de empresas, então acostumados a trabalhar em ambiente altamente inflacionário, preferiam investir em aplicações financeiras do que em seus próprios meios de produção.

O Plano Collor, de março de 1990, abriu o mercado interno para o capital internacional, exigindo que as empresas nacionais se reestruturassem rapidamente para se tornarem competitivas. Muitas das pequenas empresas desapareceram nesta época. O Plano Real, iniciado no final do governo Itamar Franco e definitivamente implantado no governo Fernando Henrique Cardoso, trouxe mudanças significativas, como o controle da inflação em uma casa decimal, além de um amplo programa de privatizações e fusões.

Com a estabilização monetária e a abertura econômica, os consumidores tornaram-se mais exigentes com relação a preços e qualidade de produtos e serviços, ao mesmo tempo em que eles passaram a contar com o poder de escolha diante da grande quantidade e variedade de produtos importados.

Inês Mandelli observa que o país saiu de uma cultura de lucros altíssimos e ganhos no mercado financeiro para uma cultura de lucros baixos, ganhos pela produtividade e redução de custos. “As pequenas empresas não estavam preparadas para essas mudanças, ficando mais suscetíveis à vontade dos clientes, à concorrência e à nova conformação do mercado em geral”.



 
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