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Pesquisadores estudam mecanismos que
desencadeiam surdez de origem genética
CBMEG investiga ação de gene que pode tornar pessoas mais suscetíveis à perda de audição

MANUEL ALVES FILHO

A professora Edi Sartorato, coordenadora das pesquisas: “Ainda existem diversas perguntas sem respostas” (Fotos: Antoninho Perri)A surdez é uma das deficiências sensoriais mais comuns no Brasil. Estima-se que entre duas e sete crianças em cada mil nascidas no país apresentem, em menor ou maior grau, algum tipo de perda auditiva. Estudos desenvolvidos por pesquisadores do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp procuram desvendar novos aspectos relacionados a um tipo específico de surdez, a de origem genética. Atualmente, uma equipe coordenada pela professora Edi Sartorato investiga o mecanismo de ação de um gene que, ao que tudo indica, tornaria as pessoas mais suscetíveis à perda de audição. “Assim que compreendermos melhor como esse gene atua, maiores as chances de desenvolvermos métodos que possibilitem diagnósticos mais precisos e precoces da alteração”, afirma a cientista.

O grupo coordenado pela professora Edi Sartorato vem investigando os aspectos genéticos relacionados à surdez desde 1999, graças a um projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). De lá para cá, os pesquisadores registraram vários avanços, mas também verificaram que há muito que se aprender nessa área. “Ainda existem diversas perguntas sem respostas”, admite a pesquisadora. De acordo com ela, o gene, unidade fundamental da hereditariedade, é composto pelo DNA nuclear e pelo DNA mitocondrial. O primeiro, como o próprio nome sugere, encontra-se no núcleo da célula. O segundo, por sua vez, está localizado nas organelas celulares, as chamadas mitocôndrias. O DNA é que produz as proteínas importantes ao funcionamento adequado do organismo humano.

Ocorre, porém, que determinadas mutações no DNA mitocondrial podem tornar os indivíduos mais suscetíveis à surdez. A deficiência auditiva pode ser “ativada”, conforme demonstram alguns estudos, caso a pessoa faça uso de um grupo de antibióticos, os aminoglicosídeos. “Quando ocorre a mutação genética, o RNA ribossômico [componente primário dos ribossomos, responsáveis pela produção de proteínas para as células] fica ‘parecido’ com o RNA ribossômico da bactéria que se pretende combater com os antibióticos. Dessa forma, a droga acaba por interferir também no RNA da mitocôndria, aumentando dessa forma a suscetibilidade do indivíduo à surdez”, explica a professora Edi Sartorato.

Pesquisadoras em laboratório do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética: estudos tiveram início em 1999Mas esse tipo de correlação não é tão simples de ser estabelecida, como faz questão de advertir a pesquisadora. Segundo ela, existem casos de pessoas que apresentam a mutação genética e que fizeram uso de aminoglicosídeos, mas não registraram qualquer perda de audição. Essa situação é classificada pelos especialistas de “penetrância incompleta”. “Um dos nossos desafios é saber o motivo dessa variabilidade”, resume a pesquisadora do CBMEG. Ela explica que as evidências científicas apontam que, além da questão genética, outros elementos podem concorrer associativamente para o surgimento da surdez, tais como os fatores ambientais e os genes nucleares modificadores, os quais modulam a expressão fenotípica relacionada a essas alterações.

Ainda que não seja fácil provar que o uso de aminoglicosídeos por parte dos indivíduos portadores da mutação genética ajude a ampliar a suscetibilidade à surdez, reforça a professora Edi Sartorato, existem pistas que indicam para essa possibilidade. Ela cita o caso de um paciente que a procurou apresentando um quadro de surdez súbita. Ao analisar o histórico dessa pessoa, que era portadora da mutação genética, a cientista descobriu que ela havia utilizado um medicamento administrado pela via nasal que continha aminoglicosídeos em sua formulação. “Não é possível assegurar com 100% de certeza que essa tenha sido a causa da surdez súbita, mas seria muita coincidência. Por isso é importante que continuemos investigando essas possíveis interações, pois assim poderemos orientar os indivíduos que sejam portadores desse tipo de mutação genética a fazer uso de forma controlada e excepcional desse grupo de antibióticos”, pondera.

A literatura, informa a pesquisadora do CBMEG, já estabeleceu a correlação entre um determinado tipo de mutação genética, a A1555G, e o uso de aminoglicosídeos no que se refere ao surgimento da surdez. Tal mutação, acrescenta a professora Edi Sartorato, é relativamente freqüente na população mundial. Na Europa, por exemplo, ela está presente em um de cada 500 indivíduos. “No Brasil, ela tem menor importância. Entretanto, aqui nós temos identificado outra mutação, a A827G, que parece ser mais freqüente em nossa população. Vamos iniciar uma pesquisa com pessoas com audição normal para checar em que nível está essa incidência”, adianta.

De acordo com ela, esse tipo de pesquisa é fundamental, pois a população brasileira é única, tendo em vista a sua herança genética. “Nossas mitocôndrias não são, evidentemente, européias. Nossa origem é mais africana. A mutação A1555G, por exemplo, foi descrita em chineses. Ou seja, é indispensável que identifiquemos como os brasileiros se comportam em relação a essas questões, visto que temos nossas especificidades genéticas”. Atualmente, prossegue a professora Edi Sartorato, o laboratório coordenado por ela faz, de forma rotineira, diagnósticos de variadas doenças genéticas. Uma delas é a Neuropatia Ótica Hereditária de Leber, atividade que vem sendo desenvolvida em colaboração com a professora Andréa Trevas Maciel-Guerra, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da própria Unicamp.

Recentemente, aliás, a imprensa divulgou o caso de uma família brasileira, moradora do Espírito Santo, composta por cerca de 300 indivíduos. Vários deles apresentam uma mutação genética que os tornam suscetíveis à doença de Leber. Ocorre que o caso está sendo estudado por cientistas estrangeiros, em razão de os exames genéticos terem sido remetidos pelos médicos para centros de diagnóstico do exterior. “Isso me surpreendeu muito, uma vez que fazemos esse tipo de diagnóstico rotineiramente em nosso laboratório, a um custo extremamente baixo. Uma das conseqüências de um caso como esse é que estamos perdendo a chance de pesquisar e de publicar os resultados das investigações, além é claro de ajudar no tratamento dessas pessoas”, lamenta a professora Edi Sartorato.

 

 
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