Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 274 - de 24 de novembro a 5 de dezembro de 2004
Leia nessa edição
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Diário da Cátedra
Brito na Fapesp
Luz no risco de novo apagão
Pancada na classe média
Democracia brasileira
Prêmio: cooperação científica
Formatura: 7 espetáculos
Produção de insulina
Painel da semana
Teses da semana
Unicamp na mídia
Contaminação da água
Pecados da carne
 

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Economista e engenheiro mecânico analisam
possibilidade de colapso no fornecimento de energia elétrica

Jogando luz sobre
o risco de novo apagão



MANUEL ALVES FILHO


Nas últimas semanas, uma celeuma instalou-se em alguns segmentos das esferas pública e privada, chegando a ganhar as páginas de importantes jornais brasileiros e do exterior. O motivo do burburinho foi a previsão feita por diferentes especialistas ligados ao setor elétrico de que o Brasil correria o risco de enfrentar um novo apagão até 2008, caso não sejam efetuados investimentos pesados nas áreas de geração e distribuição de energia. O aumento da demanda, no caso, teria relação com a retomada do crescimento econômico. Como seria de se esperar, as opiniões em torno do assunto mostraram-se divididas. Para tentar jogar um pouco mais de luz sobre as discussões, sem trocadilho, o Jornal da Unicamp ouviu dois especialistas, um economista e um engenheiro mecânico, que analisaram a possibilidade da ocorrência de um eventual desabastecimento.

Especialistas apostam em desabastecimento até 2008

Para o professor Edgard Antonio Pereira, do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, o debate em torno do risco de um novo apagão trata-se, na verdade, de uma falsa questão. No seu entender, o Brasil não deverá passar pelo problema do desabastecimento de energia elétrica simplesmente porque não gerará demanda para tanto. Os sinais emitidos pelo Banco Central (BC), responsável pela política monetária nacional, vão no sentido da reversão da expectativa de um crescimento econômico elevado ao longo dos próximos anos, conforme o economista. “Ora, se o país vai crescer timidamente, o consumo de energia deverá seguir a mesma tendência”, explica.

O professor Edgard Antonio Pereira, do IE: "Se o país vai crescer timidamente, o consumo de energia deverá seguir a mesma tendência"De acordo com Pereira, o que acontece em relação ao setor energético é uma “inversão de causalidade”. Não se trata, diz, de manter um bom grau de segurança em torno oferta, mas sim da demanda. Ao calibrar a sua política com base no controle da inflação, prossegue o docente do IE, o BC deixa de privilegiar o crescimento. Este, aliás, passa a ser visto como um fator de pressão sobre aquela. Tal opção do governo, não raro, desestimula o investimento, uma vez que não existe garantia de que haverá demanda suficiente para a possível ampliação da oferta. Ou seja, a insegurança quanto à demanda é que gera problema de oferta e não o contrário, insiste o economista. “A polêmica em torno do apagão só serve para justificar a ação do governo, que a meu ver está equivocada”.

Pereira afirma que a distribuição da capacidade produtiva do país é assimétrica, variando conforme o segmento da economia. Assim, eventuais restrições ao processo de crescimento tendem a ser setorializadas. O mesmo vale para a expansão dessa capacidade, que obedece a realidades diferenciadas. Há áreas, explica o docente do IE, que podem se expandir com investimentos marginais, de pequena escala. Outras, porém, exigem recursos de maior envergadura. A tarefa de identificar e dimensionar os possíveis estrangulamentos e de estabelecer os variados graus de investimento, na concepção o economista, cabe ao governo em conjunto com o setor produtivo. “Trata-se, portanto, de uma questão microeconômica e não macroeconômica, como o BC quer fazer crer”, sustenta.

O professor Secundino Soares Filho, da FEEC: "Quando apenas um órgão define um único cenário, todos são obrigados a trabalhar com essa perspectiva"Em boa parte dos casos, analisa Pereira, é possível expandir a capacidade produtiva com investimentos marginais. Em relação ao setor elétrico, os recursos mais vultosos deverão ser aplicados no segmento da geração, ainda dominado por empresas estatais. Um marco essencial dentro da questão elétrica, aponta Pereira, é o leilão de energia programado para acontecer até o final do ano. Será, segundo ele, uma grande negociação envolvendo a chamada “energia velha”, na qual as distribuidoras se comprometerão a comprar a produção dos próximos 15 anos. “É o tipo de medida que traz segurança ao gerador, pois permite um melhor planejamento. Em outras palavras, a capacidade produtiva pode ser ajustada à demanda programada”, acrescenta.

Na opinião do economista, o governo deveria inverter o foco e empregar a política econômica também para atingir boas taxas de crescimento, e não exclusivamente metas inflacionárias. O Banco Central dos Estados Unidos, assinala Pereira, adota um modelo que combina os dois objetivos. “A política do Banco Central do Brasil funciona como um desacelerador da economia. Vamos rumar para 2005 com o freio de mão puxado. As conseqüências desse modelo não devem ser nada boas. Se o país não cresce, o mesmo ocorre com o emprego, com a renda e com a arrecadação. A conjugação desses fatores normalmente desemboca no aumento de impostos, para que o Estado possa fazer frente às demandas sociais”, prevê o docente do IE.

Professor prega
descentralização das avaliações

O sistema energético brasileiro opera com uma folga razoável atualmente. Dos cerca de 80 GW de potência instalada, 50 GW são efetivamente gerados. Destes, 7 mil MW sobram nas usinas. As hidrelétricas representam 85% da capacidade instalada e respondem por 92% da produção nacional. De acordo com o professor Secundino Soares Filho, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, o crescimento da demanda por energia nos próximos anos é uma incógnita. “É muito complicado fazer essa projeção. O comportamento do consumo depende de uma série de variáveis, que vão do desempenho da economia brasileira ao preço do petróleo no mercado internacional, passando pelas conseqüências da guerra no Iraque”, explica.

Conforme Soares Filho, o país conta atualmente com várias obras em andamento nas áreas de geração e transmissão de energia. Ocorre, porém, que quanto maior é a folga do sistema, mais os investidores colocam o pé no freio. O professor da FEEC diz não ter informações sobre o ritmo atual dos empreendimentos, pois normalmente decorre um tempo razoável entre a eventual desaceleração de uma obra e a tomada de conhecimento dessa situação por parte do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), entidade de direito privado responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica nos sistemas interligados brasileiros.

A previsão de que o Brasil poderá enfrentar o problema do desabastecimento em 2008, segundo Soares Filho, está baseada justamente nas projeções feitas pelo ONS, que retirou da sua análise as obras que estão atrasadas. “Como não dá para ter uma idéia precisa do cronograma oficial dos empreendimentos, é difícil saber se esse exercício de futurologia é razoável ou não”, afirma. Nesse aspecto, o especialista da Unicamp defende a descentralização das avaliações e decisões envolvendo o setor elétrico. “Se outros agentes também participassem dessas tarefas, certamente teríamos visões diferentes acerca da mesma questão. As decisões, nesse caso, seriam tomadas com base em vários cenários. Quando apenas um órgão define um único cenário, todos são obrigados a trabalhar com essa perspectiva, mesmo que não acreditem muito nela”.

Ainda sobre a dificuldade de se fazer um prognóstico realista acerca do eventual aumento da demanda por energia elétrica, Soares Filho afirma que as deliberações tomadas num quadro recheado de incertezas trazem consigo um risco inerente. “Mesmo as melhores decisões, nesse caso, podem não acarretar um resultado tão bom”. A ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, afirmou recentemente que só haverá risco de falta de energia se o governo não fizer o seu papel, como licitações e construções de usinas de forma sistemática. “O risco de apagão não existe até 2010”, disse. Segundo ela, as projeções do governo são feitas para um prazo de aproximadamente cinco anos, tempo necessário para a construção de uma usina geradora.

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