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A chave da diversidade
Banco de dados reúne informações sobre
espécies arbóreas da floresta pluvial atlântica

Ainda persistiam alguns pontos obscuros sobre o conhecimento da floresta pluvial atlântica que, em grande parte, foram desvendados pela ecóloga Roberta Macedo Cerqueira em sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Biologia (IB). Ela descobriu que não a chuva e sim variáveis espaciais como altitude, latitude e longitude foram os únicos fatores a influenciar na maior ou menor diversidade das espécies arbóreas. “Conforme aumentava a altitude na floresta pluvial, a diversidade aumentava. Quando diminuía a latitude, a diversidade também diminuía, o mesmo ocorrendo com a longitude”, observa a pesquisadora.

Ao relacionar os valores de diversidade de cada fragmento com algumas variáveis ambientais como chuva, umidade, temperatura, altitude e latitude, Roberta verificou qual delas estava associada ao aumento ou diminuição da diversidade. Ela julgava que a precipitação fosse, talvez, o principal fator. Não foi.

Entre os achados da doutoranda, ficou claro que a região Sudeste tinha a maior diversidade de espécies arbóreas da floresta pluvial atlântica. Particularmente o Espírito Santo e o Rio de Janeiro foram os locais com as manchas de vegetação que possuíam a maior riqueza e diversidade, a priori presentes na bacia do Rio Doce, no Estado do Espírito Santo. As áreas com as menores diversidades estavam na região Sul como um todo, sobretudo no Paraná, ao redor dos 25o de latitude.

Essas conclusões foram possíveis graças a um banco de dados gerado por Roberta, reunindo informações a respeito de espécies arbóreas em um levantamento efetuado do Nordeste ao Rio Grande do Sul, que inclui toda a região de ocorrência da floresta pluvial atlântica. Esta base retratou o período de 1946 a 2007, num total de 126.238 árvores de 2.168 espécies em 449 gêneros de 100 famílias, em 139 tabelas fitossociológicas (amostras). O objetivo principal da tese, orientada pelo professor Fernando Roberto Martins, docente do IB, foi descrever padrões de diversidade da floresta pluvial atlântica e tentar entender quais variáveis ambientais estariam influenciando a variação dos valores de diversidade.

Segundo a ecóloga, há anos os alunos do professor Fernando vêm desempenhando a meticulosa tarefa de montar um banco de dados dessas formações arbóreas, cada qual avaliando um período. A maior parte dos dados, conta ela, foi coletada por Veridiana Vizoni Scudeller, abrangendo os anos de 1946 a 2000. Agora, este trabalho vem sendo atualizado e se presta a desvendar a diversidade brasileira.

O levantamento de Roberta incluiu o nome das espécies, a localidade (onde cada espécie ocorria) e a quantidade de indivíduos de cada espécie. Muitas vezes, expõe a ecóloga, o que se sabe a respeito das florestas são fatos mais pontuais, como o estudo da Mata Atlântica, em São Paulo, por exemplo. Mas o que está acontecendo nas florestas como um todo? A sua ideia, conta, era ver o estado da arte acerca da floresta pluvial atlântica em toda sua área de extensão, por isso o valor desse banco de dados.

Tarefa
O que a ecóloga fez foi calcular o índice de heterogeneidade de Shannon, uma das medidas de diversidade mais usadas no mundo. Ela calculou a diversidade em cada uma das amostras (diversidade alfa) e também para toda a floresta pluvial atlântica (diversidade beta). Os valores da diversidade alfa permitiram investigar como variáveis do clima e do espaço poderiam influir na variação da diversidade em cada local. Os valores da diversidade beta permitiram investigar a contribuição de cada gênero ou família para a diversidade total da floresta pluvial atlântica.

Esse trabalho possibilitou também encontrar as regiões brasileiras ou Estados que possuíssem a maior diversidade de espécies arbóreas. “O resultado foi que os maiores valores de diversidade alfa ocorrem na região central da floresta estudada (entre o norte do Estado de São Paulo e o sul da Bahia) e diminuem tanto em direção ao nordeste quanto em direção ao sul.”

A ausência de resposta da diversidade alfa às variáveis climáticas e sua forte associação com variáveis do espaço indicam que a diversidade da floresta pluvial atlântica muda muito de um lugar para outro. Indicam também que o conjunto de espécies arbóreas de cada local deve ter sido originado muito mais por causa de processos aleatórios (como migração e extinção de espécies) ao longo da história evolutiva do que de filtros impostos pelas características do ambiente. Trocando em miúdos, os fatores históricos seriam muito mais relacionados à formação dessa floresta que os fatores climáticos atuais, pondera a autora da tese. Assim, é muito provável que as oscilações do clima passado entre períodos glaciais e interglaciais tenham desempenhado um papel muito importante na geração da diversidade da floresta pluvial atlântica.

Segundo ela, nos períodos glaciais, havia diminuição da temperatura na superfície e atmosfera terrestres, resultando na expansão dos mantos de gelo continentais e polares, provocando regressão do mar e climas secos na América do Sul. Nos períodos interglaciais, a temperatura voltava a subir. O nível do mar também subia, e a maior parte da América do Sul voltava a ter climas úmidos. “A floresta pluvial atlântica se retraía ou se expandia de acordo com essas oscilações climáticas, e esses processos alternados de fragmentação com isolamento de populações e depois novamente coalescência devem ter sido muito significativos na geração da diversidade e na composição das espécies em cada local.”

Quando a floresta úmida se retraía, o cerrado se expandia, e vice-versa, de forma que teria havido intensa troca de linhagens entre o cerrado e a floresta pluvial atlântica. Um dos locais onde a vegetação pluvial persistiu, mesmo na época em que o clima estava muito seco, foi a região do Vale do Rio Doce, devido à presença do rio, que fez com que o clima não fosse tão adverso. Assim, aquelas espécies que precisavam de mais água (higrófilas) conseguiram sobreviver.

Outra descoberta da pesquisadora – no capítulo destinado a famílias, gêneros e espécies – foi que apenas 17 famílias constituíram quase 70% de todas as espécies arbóreas da floresta pluvial atlântica e que a família que apresentou a maior diversidade foi Myrtaceae. Foi com surpresa que ela fez essa constatação ao longo do seu levantamento.

Características
A floresta pluvial atlântica é típica de regiões litorâneas, ensina a ecóloga. Dentro do domínio da Mata Atlântica, ela é chamada de floresta ombrófila densa ou floresta pluvial atlântica. Essa formação ocorre desde o Rio Grande do Sul até o Nordeste. Contudo, as maiores manchas (fragmentos), diz, estão no Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo.

Ocorre que a floresta pluvial no Nordeste já foi deveras devastada e hoje em dia restam apenas poucos fragmentos espalhados pela paisagem. No Sudeste, notam-se os maiores contínuos dessa formação. Ela foi quase que totalmente degradada e sobraram pequenos pedaços de vegetação. De coletas e levantamentos feitos nesses fragmentos é que surgem os bancos de dados, esclarece a autora da tese.

Ela juntou relatos de diferentes autores com todos os dados sobre esse tipo de floresta e os compilou. Esse instrumento, informa, fornece uma visão geral sobre uma determinada formação florestal. “São Paulo e Rio de Janeiro são as mais reconhecidas pela sua grande diversidade”, sugere.

Uma das principais características da floresta avaliada é que nela chove muito, e as chuvas são distribuídas no decorrer do ano, por isso chama-se ombrófila (que significa “amigo da chuva”). Como ela ocupa uma estreita faixa ao longo do litoral, a cordilheira atlântica (representada pela Serra Geral no sul, Serras do Mar e da Mantiqueira no sudeste e formação barreiras no nordeste) exerce um papel muito destacado na geração das chuvas: o ar carregado de umidade, vindo do mar, é barrado pela cordilheira atlântica e é obrigado a subir. Ao subir, resfria-se, e o vapor de água se condensa, formando nuvens que provocam chuvas o ano todo, denominadas chuvas de convecção forçada.

Roberta recorda que dois tipos de clima prevalecem nessa formação: até São Paulo o clima é tropical (quente) e ao sul é subtropical (influenciado pela massa polar atlântica). Já os tipos de relevo mais comuns são as serras, como a Serra do Mar, a da Mantiqueira e a Geral. Em todas essas serras há a floresta pluvial. No Nordeste, ocorrem as chapadas e os tabuleiros, que podem se localizar mais próximos ou mais distantes do mar e que têm alturas variáveis. Nesses relevos, a floresta pluvial atlântica ocorre em encostas que recebem chuvas de convecção forçada, contudo nem todas as encostas provocam esse tipo de chuva.

A devastação, afirma a ecóloga, tem causado muita preocupação para os especialistas, principalmente por se desconhecer o que existe atualmente e pela dificuldade em identificar onde está a maior diversidade. Em consequência, ações de conservação são dirigidas para o que é mais visível, embora haja técnicas que permitem recuperação em toda área de ocorrência da floresta pluvial atlântica. Saber como a diversidade se distribui no espaço e quais variáveis a influenciam é inestimável para aplicar medidas preservacionistas e escolher as técnicas adequadas de recuperação e manejo, porque a diversidade muda de um local para outro, esclarece.

Publicação

Tese:
“Padrões de variação de diversidade alfa na floresta pluvial atlântica brasileira”
Autora: Roberta Macedo Martins
Orientador: Fernando Roberto Martins
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: CNPq





 
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