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Portas da exclusão
Tese de doutorado desenvolvida no IE analisa
as transformações ocorridas no circuito imobiliário



Tese de doutorado desenvolvida pela arquiteta e urbanista Mariana Fix, apresentada ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp, promove profunda investigação em torno das transformações sofridas pelo circuito imobiliário no Brasil a partir do advento da globalização. No trabalho, orientado pelo professor Wilson Cano, a autora constata que o segmento perdeu o caráter eminentemente mercantil e passou a responder à lógica financeirizada. “Essa transformação coloca novos problemas para os movimentos sociais, assim como para o pensamento crítico sobre a questão urbana. O aumento da capacidade do capital de impor seus requerimentos modifica a estrutura dos conflitos e apresenta novos desafios à luta pelo direito à cidade, ou seja, à luta para que a paisagem urbana responda a critérios universais, no campo dos direitos sociais”, analisa a pesquisadora.

Mariana Fix tem estudado o tema desde a graduação, feita na USP. No mestrado e doutorado, ela esmiuçou a participação dos diversos agentes envolvidos no circuito imobiliário. As investigações ofereceram subsídios para a produção de dois livros: São Paulo cidade global – Fundamentos financeiros de uma miragem (Boitempo), no qual reflete sobre o surgimento da “nova São Paulo”, analisando as conexões entre capital imobiliário e financeiro, e Parceiros da exclusão, da mesma editora, no qual aborda a questão da exclusão de moradores das classes média e baixa do novo centro financeiro de São Paulo, propiciada por projetos executados em parceria pelo poder público e a iniciativa privada.

Conforme a pesquisadora, a partir de meados do século XIX, o crescimento das cidades, a diversificação econômica e a consequente formação de um mercado de trabalho urbano abriram novas frentes de investimentos, como a construção de casas e vilas operárias. Assim, o urbano passou a ser uma frente de valorização do capital. Entretanto, como a demanda por habitação era atendida apenas em parte por fazendeiros, comerciantes, industriais e trabalhadores, o segmento abriu-se para investimentos de capitais excedentes tanto nacionais quanto internacionais.

Durante bom tempo, pontua a autora da tese, esse circuito imobiliário permaneceu como órbita reservada das elites brasileiras. Nos anos 1990, as políticas de estabilidade monetária, a abertura econômica, as privatizações e a desregulamentação de diversos setores inseriram o Brasil na globalização. O segmento, porém, manteve-se como campo privilegiado dessas elites. Inicialmente, o setor imobiliário não acompanhou a internacionalização de outros setores e permaneceu sob o comando do capital nacional mercantil. “No início do governo Lula, o volume de recursos direcionados ao circuito imobiliário cresceu significativamente, por meio de medidas tomadas pelo Ministério das Cidades. Fluxos contínuos de financiamento contornaram o problema da instabilidade econômica e propiciaram ao circuito certo alargamento, superando algumas das limitações impostas pelo autofinanciamento”, detalha Mariana Fix.

Como consequência, muitas empresas abriram capital na Bolsa de Valores e se capitalizaram. O aumento na escala financeira foi acompanhado por mudanças nas estratégias das empresas, como o lançamento de novos produtos, a criação de marcas especializadas no “segmento econômico” e a expansão do alcance territorial das empresas, na direção das cidades médias e de outros estados. Tal processo, afirma a arquiteta, já encontrava seu limite quando emergiu a crise financeira nos Estados Unidos, em 2007. “Entretanto, a crise foi utilizada como pretexto para o lançamento do pacote habitacional Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que funcionou como uma espécie de operação de salvamento do setor. Isso recuperou o valor das ações das empresas que haviam liderado as perdas na Bolsa no início da crise”, esclarece. O MCMV impulsionou, ainda, um conjunto de empesas que estavam em processo de concentração e centralização de capital pela via financeira. “Em outras palavras, o circuito imobiliário passou a responder diferentemente aos fluxos de crédito, às políticas urbanas e às lutas sociais”.

Dentro dessa nova configuração, o capital financeiro abriu vias de comunicação entre os vários estratos e segmentos do setor imobiliário. Praticamente todas as grandes empresas passaram a atuar no já citado “segmento econômico”, mesmo aquelas antes especializadas em empreendimentos de alto luxo. “Trata-se de uma invenção político-imobiliária que impõe, com seu aparente triunfo, a derrota de lutas sociais por uma produção da cidade não-mercantil, com qualidade arquitetônica e urbana definidas segundo outros parâmetros. A urbanização sem cidade é a forma de expansão do capital financeiro no espaço urbano”, critica a pesquisadora.

Ainda sobre o MCMV, Mariana Fix entende que o programa articula um problema social real e importante, a falta de moradias, aos interesses capitalistas. “O programa responde a problemas de acumulação, injetando recursos no circuito imobiliário, e de legitimação, ao responder à pressão das lutas sociais por habitação e emprego. Em síntese, o Minha Casa, Minha Vida alçou a habitação a ‘problema nacional’ de primeira ordem, mas o definiu segundo os critérios do capital, dos negócios e da política eleitoral. O programa alimenta um circuito que procura maximizar os ganhos por meio de operações especulativas com a terra. Na falta de uma política fundiária, a tendência é que parte dos fluxos de capitais viabilizada com o aumento do crédito seja capturada na forma de renda da terra”.

Diante de tantas transformações, prossegue Mariana Fix, os movimentos sociais que atuam na defesa do direito à habitação e do direito à cidade estão sendo confrontados por novas questões. “O movimento pela moradia passou a disputar terra para seus projetos com as empresas imobiliárias, com a desvantagem de não contar com um departamento jurídico poderoso para viabilizar a aprovação dos empreendimentos. Movimentos de luta pelo direito à cidade, que reivindicam o uso dos espaços vazios e ociosos de das áreas centrais, com boa infraestrutura, correm o risco de ficar falando sozinhos com a expansão do modelo de urbanização sem cidade, como os grandes conjuntos habitacionais horizontais produzidos dentro do programa MCMV”.

Questionada sobre a efetividade e pertinência das chamadas “políticas de revitalização” conduzidas nas áreas centrais de médias e grandes cidades brasileiras, a arquiteta considera que essas iniciativas geralmente não partem dos problemas intrínsecos da população que vive nessas áreas, mas sim de modelos urbanísticos que tratam a cidade como negócio. “Um exemplo é a concessão urbanística da Nova Luz, que concede a uma empresa o direito de explorar um trecho [45 quarteirões] no Centro de São Paulo e ser remunerada pelos ganhos que obtiver na operação. O motor desse modelo é a valorização imobiliária. O termo revitalização tem, desse modo, um caráter ideológico e encobre o fato de que existe, sim, muita vida nos centros urbanos, embora talvez não seja a desejada pelos que estão preocupados com a recuperação do preço da terra. Para estes, é importante atrair pessoas ‘do tipo certo’”.

Outro aspecto que tem conexão com esse modelo de expulsão de indesejáveis é a intensificação da construção de núcleos habitacionais nas franjas das cidades, ou seja, distantes dos centros comerciais e financeiros. Com isso, são mantidos os vazios urbanos, cujos terrenos não cumprem a função social determinada pela Constituição. Tal lógica também obriga o poder público a estender a infraestrutura para uma área além da necessária. O resultado dessa equação é o aumento do tempo e dos custos de deslocamento da população até o trabalho, escola ou lazer. “A aplicação dos instrumentos urbanísticos que permitiriam enfrentar essas distorções depende, contudo, da luta social em cada município. A dificuldade de aplicá-los, no caso dos vazios urbanos, depende do poder social dos seus proprietários, muitas vezes fortemente representados nas câmaras municipais. Se era difícil aplicar os instrumentos de combate à especulação quando o enfrentamento era com o capital mercantil, a dificuldade é ainda maior quando os antigos donos do poder se associam ao capital financeiro”, adverte Mariana Fix.

Publicação

Tese: “Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil”

Autora:
Mariana Fix

Orientador:
Wilson Cano

Unidade:
Instituto de Economia (IE)

 






 
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