| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 317 - 27 de março a 2 de abril de 2006
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Datação geológica
 

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Pesquisador do IFGW desenvolve datação geológica inédita com uso de epídoto

Do ínfimo grão mineral à

abertura do Oceano Atlântico

PAULO CÉSAR NASCIMENTO

O epídoto, mineral axtraído da Serra da Mantiqueira e, no detalhe, traços de fissão que permitem registros termocronológicos. (Foto: Antoninho Perri/Divulgação)Um grão de mineral mil vezes menor que o milímetro repousa em uma lâmina de microscópio no laboratório do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. Através de lentes que ampliam o objeto em até mil vezes, o físico Eduardo Curvo consegue olhar para o passado. Os inúmeros sulcos que ele observa na superfície polida da lasca rochosa são a manifestação de um fenômeno ocorrido há 201 milhões de anos no período Mesozóico, também conhecido como a era dos répteis, quando dinossauros ainda habitavam a Terra. A idade também remete à época de abertura do Oceano Atlântico e de separação dos continentes sul-americano e africano.

 O prodígio é possível graças a uma inédita datação geológica com uso de epídoto – mineral encontrado em abundância em fraturas e falhas geológicas – desenvolvida pelo pesquisador para a sua tese de doutorado, orientada pelo professor-doutor Julio Cesar Hadler Neto. Os resultados do estudo de Eduardo Curvo se inserem nos esforços da geofísica na busca de minerais capazes de permitir datações cada vez mais antigas e resgatam o potencial do epídoto para o registro de manifestações termocronológicas.

 Minerais, em geral, contêm urânio como impureza. Os átomos desse elemento químico decaem por fissão espontânea, ou seja, o núcleo atômico se divide e os dois fragmentos originados desse processo produzem um desarranjo na estrutura do mineral, formando uma região de instabilidade denominada traço latente. Os traços latentes são continuamente produzidos no mineral com o fluir do tempo.

 Na década de 60, descobriu-se que, se o mineral é exposto a uma substância química adequada, os traços são aumentados a ponto de serem observáveis ao microscópio óptico. O número de traços fósseis na superfície corresponde à idade do mineral. Estudos posteriores demonstraram também que os traços de fissão são sensíveis a tratamentos térmicos, sofrendo um encurtamento quando submetidos a temperaturas altas e por longos períodos de exposição, em um processo denominado annealing.

O físico Eduardo Curvo, do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia: um olhar para o passado através do microscópio. (foto: Antoninho Perri/Divulgação)Petróleo – A distribuição dos comprimentos dos traços espontâneos produzidos durante a vida geológica do minério contém informações sobre sua história térmica, que é um parâmetro importante em alguns estudos geológicos, como na prospecção petrolífera, já que os hidrocarbonetos (composto binário de carbono e hidrogênio) do mineral transformam-se em petróleo quando submetidos a uma temperatura entre 60 e 125 graus centígrados por um determinado período. Por isso, um dos métodos de prospecção de jazidas é a investigação do traço de fissão.

 Por causa dessa propriedade, a apatita é o mineral mais estudado até o momento, inclusive pelo Grupo de Cronologia criado no IFGW por César Lattes e atualmente integrado por Julio Hadler Neto, Pedro Iunes, Sandro Guedes, Carlos Tello, Pedro Moreira, Rosane Palissari e Sérgio Roberto de Paulo. A reconstrução de histórias térmicas de apatitas tem revelado, contudo, que os traços de fissão previamente existentes apagam-se (ou fecham-se, no jargão dos especialistas) do mineral na presença de temperaturas superiores a 120 graus centígrados pelo período de um milhão de anos.

 “Portanto, se ocorreu um evento geológico com temperatura igual ou superior a essa, nesse intervalo de tempo, há um reinício da história térmica que estava sendo gravada no mineral. Essa limitação tem levado à busca de outros minerais capazes de proporcionar informações sobre temperaturas mais altas, entre os quais o epídoto”, afirma Eduardo Curvo.

Meteoritos e vulcões – Além de possuir alta temperatura de fechamento, por volta de 630 graus centígrados, o epídoto é encontrado em zonas de falhamento. Datar reativações geológicas das falhas, ou mesmo as próprias falhas, seria de grande valia para o estudo de eventos geológicos, como o surgimento de montanhas e a compactação de bacias, explica o pesquisador. Erupções vulcânicas e choques de meteoritos ocorridos há milhões de anos na superfície terrestre também poderiam ser datados com maior precisão.

 Isso fez com que, na década de 70, a comunidade científica envolvida com traços de fissão se voltasse para o mineral. Os experimentos, contudo, foram abandonados na década seguinte por causa de algumas dificuldades encontradas, como a variação do conteúdo de urânio entre grãos da mesma amostra, os diversos tipos de imperfeições nos cristais do mineral e a variação da forma dos traços com a face observada. Também não havia concordância quanto a um ataque químico que revelasse traços em todas as amostras de epídoto.

 Coube a Curvo o mérito de retomar, há seis anos, os estudos com o mineral em âmbito mundial, durante a elaboração de sua dissertação de mestrado, conseguindo a primeira datação passados 20 anos dos últimos registros. Na época, utilizando amostras de epídoto da região de Brejuí (RN), ele obteve a primeira datação brasileira, com idades próximas de 550 milhões de anos (com um erro para mais ou para menos de 74 milhões de anos), relacionadas ao período chamado de orogenia brasiliana, referência ao princípio da formação tectônica do futuro território brasileiro.

 Na tese de doutorado concluída no final de 2005, a proposta foi validar os resultados em amostras de epídoto de outra região, a Serra da Mantiqueira, formação geológica datada da era Cretácea – período em que os dinossauros atingiram seu auge e também conheceram a sua extinção – com quase três mil metros de altitude, ao longo das divisas dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

 Eduardo Curvo também desenvolveu um novo critério de mensuração da densidade dos traços, conseguindo aprimorar a eficiência de contagem dos sinais e da reconstrução da histórica térmica. Nesse estudo, o valor médio das idades foi 201 milhões de anos, com margem de erro de 15 milhões. Em experiências conduzidas por outros cientistas a datação com apatita chegou a 127 milhões (erro de 10 milhões) e com o zircão a 369 milhões (erro de 15 milhões) de anos.

 “Os resultados das idades da apatita, do epídoto e do zircão extraídos da Serra da Mantiqueira indicam a importância de se utilizar os três minerais concomitantemente para a obtenção de registros geocronológicos ainda mais precisos”, observa Eduardo. Auxiliado na coleta e análise laboratorial das amostras por geólogos da Unesp de Rio Claro, ele teve apoio financeiro da Capes e da Fapesp para desenvolver a pesquisa.

O procedimento experimental

Em julho de 2004, o físico Eduardo Curvo coletou quinze porções de rocha da região da Serra da Mantiqueira. Desses, foi possível extrair nove amostras de epídoto em grãos, as quais foram montadas em resina epóxi, polidas, atacadas quimicamente e enviadas ao Reator Nuclear do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, para serem submetidas a irradiação com a finalidade de revelar os traços dos quais se extrai a informação sobre a história térmica do mineral.

Os sulcos são revelados pela ação de uma substância reagente que entra através da intersecção do traço com alguma falha no cristal ou com algum outro traço que cruze a superfície. Quando os sinais estão pouco aparentes, como no caso das rochas recolhidas pelo pesquisador da Unicamp, é necessário irradiar as amostras com íons em um acelerador de partículas. Os traços dos íons, neste caso, fazem o papel dos traços de fissão que atravessam a superfície de polimento. Ou seja, o reagente ataca os traços confinados a partir dos traços dos íons, aumentando sensivelmente o número de sinais revelados.

 Em outra etapa do trabalho, Eduardo induziu em laboratório o processo de annealing ou recozimento dos traços de fissão em epídoto, simulando o fenômeno em fornos especiais com tempos de aquecimento de 10, 100, 1000 horas e temperaturas entre 340 e 850 graus centígrados.

 “Sabia-se, por meio de experimentos anteriores, que traços fósseis do epídoto de Brejuí sofriam annealing total com um tratamento térmico de 750 graus centígrados por 24 horas. Assim, antes de se estruturar os tempos e as temperaturas a serem utilizados para a obtenção das novas taxas de fechamento dos traços de fissão no mineral da Serra da Mantiqueira, foi realizado, também com traços fósseis das amostras, um aquecimento preliminar de 548 graus centígrados por 11 horas. Esse aquecimento apresentou uma redução de densidade de traços. Baseado nessa informação foram estruturados os tempos e as temperaturas a serem utilizados no experimento”, relatou Eduardo Curvo.

 Os resultados obtidos, utilizando-se o modelo proposto pelo Grupo de Cronologia do IFGW, conduziram a uma zona de annealing parcial com limites de 411 e 544 graus centígrados para o intervalo de tempo de um milhão de anos. Esses valores a colocam acima das zonas correspondentes para a apatita e para o zircão.

 “Isso significa que o epídoto é um mineral mais refratário que a apatita e que o zircão, ou seja, os traços de fissão contidos no epídoto são mais resistentes a aquecimentos e permitem registros termocronológicos mais antigos”, esclarece o cientista. O método permite comparar traços fósseis de fissão natural na rocha com sinais produzidos artificialmente e informar o período em que a atividade natural ocorreu.

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