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No tempo em que se ensinava com giz e saliva, surge
a Faculdade de Engenharia Mecânica voltada a pesquisas de ponta

A mecânica de um
ensino diferenciado

MANUEL ALVES FILHO

Análise de retrovisores no Departamento de Projeto Mecânico, com os professores Milton Dias Júnior e Robson Pederiva, em 1988 (Foto: Antoninho Perri)Em 1967, poucos meses após o lançamento da pedra fundamental da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ocorrido em outubro de 1966, o reitor Zeferino Vaz esforçava-se para começar a dar forma ao seu projeto de construir uma escola de ensino superior que fosse modelar para o Brasil. A missão, considerada uma excentricidade por alguns, requeria a colaboração de diversos segmentos da sociedade para que pudesse ser executada. Graças à articulação com o setor produtivo da região, que se ressentia de profissionais qualificados, o médico parasitologista encontrou o apoio necessário para a instalação da Faculdade de Engenharia de Campinas (FEC), embrião da atual Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM). Estava dado, assim, um importante impulso para a consolidação da instituição que viria a contribuir decisivamente para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.

Mecânica traz mesma história da Elétrica até virar unidade em 1989

A proposta de criação da FEC havia sido apresentada meses antes ao Conselho Estadual de Educação, que a aprovara. Conforme Zeferino Vaz, a implantação da unidade ajudaria a promover a regularização da vida científica, didática e administrativa da Unicamp. Ao tomarem conhecimento da novidade, diretores de indústrias instaladas na região de Campinas trataram de entrar em contato com a Comissão Organizadora da Universidade. Queriam informar que o setor industrial necessitava com urgência de engenheiros qualificados. Na oportunidade, os empresários disseram que cogitavam fundar uma Escola de Engenharia própria, num edifício dotado de modernos equipamentos e que estava sendo usado até então para oferecer cursos técnicos. Segundo o empresariado, se a Unicamp assumisse o encargo de formar bons profissionais, a indústria estava disposta a fornecer a infra-estrutura necessária.

Formandos de 1989 da Faculdade de Engenharia Mecânica: ensino diferenciado (Foto: Antoninho Perri)A Comissão Organizadora entendeu que a oferta dos industriais era perfeitamente compatível com o projeto da Unicamp de proporcionar ensino de alto nível aos estudantes. Assim, foi firmado um termo de cooperação estabelecendo que as empresas colocariam à disposição da Universidade suas instalações tanto para o cumprimento de estágios, quanto para o ensino regular de disciplinas específicas. Além disso, ficou acertado que a indústria colaboraria para a formação do corpo docente do que viria a ser a FEC, visto que contavam em seus quadros com profissionais altamente preparados, alguns com passagens por universidades da Europa e Estados Unidos.

Ainda como parte do acordo, definiu-se que os primeiros cursos seriam os de Engenharia Mecânica e Engenharia Elétrica. Ao todo, seriam geradas 120 vagas na primeira série – 40 em 1967 e 80 no ano seguinte. Por fim, as duas partes entenderam ser conveniente criar uma comissão técnico-consultiva para cada especialização, como forma de assegurar a efetiva participação da indústria. A Comissão Organizadora recomendou em seguida que fosse escolhido um nome de peso para a direção da futura faculdade. Coube ao professor Marcelo Damy de Souza Santos, físico nuclear, indicar para o cargo o general José Fonseca Valverde, engenheiro militar e professor da Escola Técnica do Exército. PhD por Stanford, Valverde respondia também pela chefia do Departamento de Eletricidade da PUC do Rio de Janeiro.

Celso Arruda, primeiro diretor da FEM (Foto: Antoninho Perri)Aulas fora – A despeito do apoio do setor produtivo, a FEC enfrentou adversidades no seu início. Em algumas oportunidades, o improviso é que assegurava o andamento das atividades. Os primeiros estudantes contavam, por exemplo, com carteiras suficientes para todos, falha que acabou sendo corrigida pelas indústrias. Os departamentos de Elétrica e Mecânica, instalados inicialmente no casarão onde hoje está o Colégio Técnico de Campinas (Cotuca), na rua Culto à Ciência, contavam, cada um, com uma pequena sala e três ou quatro mesas. Nem mesmo o currículo escapou das adaptações. Houve até um regime de trimestres letivos em lugar dos semestres.

Algumas aulas práticas eram realizadas fora de Campinas em virtudade da falta de laboratórios. A primeira turma do curso de Engenheria Mecânica tinha que se deslocar de ônibus para outras cidades, como Pirassununga, onde dava seqüência ao aprendizado teórico. Diante de tantas dificuldades e improvisações, houve quem não acreditasse que o projeto de Zeferino Vaz pudesse vingar. Certa feita, em plena aula, um dos professores comunicou aos estudantes que estava deixando a Unicamp porque já não suportava mais tanta precariedade. “Não temos estrutura e estamos no meio do nada. Isso aqui não tem futuro”, teria dito. Os problemas não se resumiam às questões acadêmicas. Havia também o clima pesado imposto pela ditadura.

O atual diretor Anselmo Eduardo Diniz em laboratório (Foto: Antoninho Perri)Sob o comando de Valverde, que gostava de exibir o revólver que carrega na pasta, a FEC viveu tempos difíceis, principalmente no que toca à livre manifestação de professores e estudantes. Ainda assim, estes encontravam meios de burlar o patrulhamento da repressão e promover reuniões e atos de resistência, que contavam com a participação de representantes de outros segmentos da Universidade. Na FEC, que posteriormente foi transferida para um barracão no campus de Barão Geraldo, um dos pontos de encontro era a “área do cafezinho”, contígua a um jardim, freqüentada também pelo pessoal das humanidades.

Todos iguais – Ali, todos eram iguais: professores, alunos e funcionários. Até mesmo Zeferino Vaz costumava freqüentar o local, como forma de tomar contato com as mais recentes discussões travadas pela comunidade. Falava-se sobre tudo durante o cafezinho: da situação política do país às novas produções da música popular brasileira, passando evidentemente pela própria bebida. A grande transformação da FEC deu-se com a saída do general Valverde da sua direção. No lugar do militar assumiu o professor Theodureto Henrique Arruda de Faria Souto, que convidou Manoel Sobral Júnior, pesquisador reconhecido internacionalmente, para chefiar o Departamento de Engenharia Elétrica.

Conta-se que a vinda de Sobral Júnior para a Unicamp deu-se mais por razões familiares que profissionais. Radicado nos Estados Unidos à época, o cientista teria relutado inicialmente em aceitar a proposta. A esposa dele, ao contrário, queria retornar ao país para se juntar novamente aos parentes. “Ou você volta para o Brasil ou voltarei sozinha”, teria dito. O ultimato teria sido o argumento definitivo para que desembarcasse na Universidade. Com a aposentadoria de Theodureto Souto, Sobral Júnior o sucedeu na direção da FEC. O pesquisador tinha uma visão diferente do que deveria ser uma boa escola de Engenharia.

Luiz Fernando Trindade em pesquisa sobre oferta de eletricidade (Foto: Antoninho Perri)Para ele, a faculdade necessitava de um corpo docente profissional, ou seja, de especialistas que se dedicassem em tempo integral às atividades de ensino e pesquisa. Desse modo, decidiu demitir praticamente todos os professores. Somente dois deles foram mantidos, visto que possuíam o título de doutor. Em seguida, saiu à procura de profissionais que se encaixassem no modelo desejado. Alguns dos novos professores da FEC vieram do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de onde haviam sido expurgados por pressão da ditadura. A esta altura, as atividades de ensino e pesquisa já alcançavam um padrão de excelência bastante satisfatório. Nos primeiros anos da década de 70, com a pós-graduação em pleno funcionamento, a FEC firmou convênios com organismos estaduais e federais, iniciativa que trouxe importantes recursos para faculdade e significativos avanços para o conhecimento brasileiro. Em 1975, foi criado o terceiro departamento, o de Engenharia Química.

Emancipação – Com a completa instituicionalização da FEC, em meados da década 80 a comunidade entendeu que o Departamento de Engenharia Elétrica deveria ser transformado em faculdade. A proposta foi levada ao Conselho Diretor da Unicamp, similar ao atual Conselho Universitário (Consu), que a aprovou em 27 de maio de 1986, no mandando do reitor Paulo Renato Costa Souza, mais tarde ministro da Educação. Dessa forma, os outros dois departamentos, que também analisavam a conveniência de se “emanciparem”, foram igualmente elevados à categoria de faculdade. O processo, conforme alguns dos envolvidos, foi conduzido com serenidade. No caso da Engenharia Mecânica, a implantação efetiva deu-se em 1989, sendo seu primeiro diretor o professor Antonio Celso Fonseca de Arruda, candidato único na ocasião.

A partir desse novo contexto, a agora denominada Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) empreendeu esforços adicionais para se diferenciar ainda mais de escolas cujo ensino estava fortemente baseado em dois únicos recursos: giz e saliva. Como resultado desse trabalho, e da maior aproximação em relação ao setor produtivo, os laboratórios existentes foram melhor aparelhados e outros foram criados. Novas linhas de pesquisa foram instituídas, o que possibilitou o avanço do país em setores importantes, como os de novos materiais e petróleo, para ficar em apenas dois exemplos.

Atualmente, a FEM ocupa uma área de 14 mil metros quadrados. Dispõe de 40 laboratórios, distribuídos por sete departamentos: Energia, Engenharia de Fabricação, Engenharia de Petróleo, Engenharia de Materiais, Engenharia Térmica e de Fluidos, Mecânica Computacional e Projeto Mecânico. A faculdade oferece 100 vagas anualmente em seus dois cursos de graduação (Engenharia Mecânica e Engenharia de Controle e Automação). A FEM ainda coloca à disposição dos interessados programas de pós-graduação em Engenharia Mecânica, Engenharia de Petróleo, Planejamento Energético, além do Mestrado Profissional.

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