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6-7



Vazio regimental abre caminho
para a primeira grande crise

CAPÍTULO 20

Jornal acusa o reitor de governar com “punho de ferro”
e chama
Zeferino de “senhor de baraço e cutelo”

EUSTÁQUIO GOMES


Damy e Zeferino no meio do canteiro de obras que era o campus no início da década de 70: amizade ainda intacta (Fotos: Acervo Histórico do Arquivo Central (Siarq))ANOTÍCIA DA EXONERAÇÃO de Fausto Castilho da direção do instituto caiu como uma bomba no ninho de filósofos, sociólogos, lingüistas, antropólogos e cientistas políticos. Os economistas já estavam prevenidos e deram a situação como boa: apenas trataram de não demonstrar seu contentamento. Para os demais, no entanto, aquilo soou como golpe, embora não houvesse nada que regimentalmente impedisse Zeferino de fazer o que fez. Para começar, a Unicamp não tinha regimento próprio – vinha usando o estatuto da USP “no que coubesse” – e o anteprojeto de estatuto preparado por Friedrich Brieger estava bem guardado na gaveta do reitor. E como também não havia eleições internas, não se cogitava de mandatos. Zeferino considerava como dele todos os cargos diretivos.

É ilustrativo o curto diálogo que com ele manteve o sociólogo Manoel Tosta Berlinck, no início de 1972, quando este foi convidado a assumir o posto de Castilho provisoriamente ocupado por Ferdinando Figueiredo. Berlinck, ao constatar o espinheiro em que se metia, e já sonhando com um futuro em que seria somente professor da Unicamp, desabafou:

— Sei que estou aqui para resolver uma questão institucional. Quero um mandato.

Zeferino só não foi completamente ríspido porque atenuou o tom de voz:

— Mandato, não. Aqui quem manda sou eu.

Gleb Wataghin descerra placaque dá  seu nome ao Instituto de FísicaDa mesma forma que admitia professores e funcionários passando ao largo dos concursos, também exonerava ou demitia sem muita cerimônia, bastando que um contrato vencesse ou que seu interesse por um servidor diminuísse. Para complicar, os contratos de professores na Unicamp valiam só por dois anos, podendo ser renovados ou não de acordo com a conveniência, o humor ou a qualidade das relações entre contratante e contratado. Não havia carreira docente e, como também não havia fóruns de deliberação nos institutos e faculdades, era impossível realizar concursos para provimento de cargos. Os contratos eram feitos em regime jurídico indefinido, nem celetista nem estatutário. Em suma, havia uma situação de forte instabilidade e o medo das rescisões inesperadas estava presente em cada um, mesmo que, em princípio, cada caso devesse passar por um trâmite interno que incluía um conselho técnico, o reitor e o Conselho Diretor.

Zeferino considerava essa informalidade contratual necessária naquele estágio de formação da universidade, pois com tantas cabeças trazidas de tantos lugares em condições excepcionais – justificava – era preciso confiar ao tempo a tarefa de dizer quais tinham se adaptado a seu projeto. O contrário disso seria engessar o projeto e congelar a instituição nascente. Até que soubesse com quem a instituição podia contar, ele, Zeferino, seria o estatuto.

Essa situação, mais até do que a questão do mandato do reitor, estava no centro da preocupação dos descontentes. Não faltou mesmo quem preferisse demitir-se para evitar, mais adiante, a humilhação de não ter seu contrato renovado. Foi o caso do diretor do Hospital das Clínicas, Gustavo Murgel, e, dois anos antes, do físico Luiz Guimarães Ferreira, que enviara um ofício explosivo a Zeferino acusando a Unicamp de não ter política salarial, de burlar a lei de contratos e de criar cargos de direção para pessoas que não tinham ninguém para dirigir ou orientar. E informava que seu grupo, aviltado e desgastado, considerava a possibilidade de bater em retirada:

— Ou Campinas tem lugar para este grupo sem inferiorizar seus elementos, ou pretende comprar bananas e neste caso eu sugiro o Ceasa.*

Zeferino entre o governador Sodré e Cerqueira Leite; atrás, o prefeito de Campinas, Orestes Quércia O vazio regimental da Unicamp chegou ao conhecimento público no início de 1972, quando a imprensa de Campinas noticiou a demissão de quatro professores do Instituto de Matemática, reduto de Rubens Murillo Marques. A instabilidade trazida pela prisão de Murillo, sua exoneração da direção do instituto, a demora da nomeação de um novo diretor e velhas diferenças internas vinham minando o terreno do Departamento de Estatística havia meses. Insatisfeitos, os quatro professores se declararam demissionários. Instalou-se uma situação confusa em que Murillo acusava os professores de inviabilizar a ministração de seus cursos e estes acusavam Zeferino de antedatar o ofício rescisório e de demiti-los oficialmente. O fato é que, em 10 de março, com o ano letivo já em curso, as vagas dos quatro demitidos ainda não haviam sido preenchidas. Esperava-se a chegada do novo diretor, Ubiratan D’Ambrósio, para que a situação fosse resolvida. Enquanto isso, a crise ameaçava alastrar-se para outras unidades porque a Matemática, sendo um instituto central, recebia todos os alunos dos quatro primeiros semestres. Centenas de estudantes estavam sem aulas de estatística. Sentindo-se lesados, os demissionários foram à Justiça e deram publicidade ao assunto através do Diário do Povo, o jornal local que tinha como proprietário José Augusto Roxo Moreira, inimigo declarado de Zeferino. De resto, diziam que Zeferino ameaçara enquadrá-los na Lei de Segurança Nacional.

O jornal passou a tratar o episódio no contexto de uma crise mais ampla e dedicou ao assunto uma série de artigos desfavoráveis a Zeferino. Começou denunciando a existência na universidade de “altos funcionários que, sob as vistas complacentes e estimulantes do reitor, devendo residir em Campinas, permanecem em São Paulo deleitando-se em viagens entre uma cidade e outra em veículos do Estado”. Qualificava de “servidores com vocação turística” a parte do gabinete da reitoria que trafegava diariamente pela rodovia Anhangüera, buscando atingir também, provavelmente, os economistas que serviam ao secretário estadual da Fazenda Dilson Funaro. Referia-se à Universidade de Campinas, que não tinha ainda seis anos de vida, como um feudo a serviço do “mandonismo pessoal” de seu reitor:

Pois não é ali que lavra, há anos, uma crise que mais nítida se torna quando a negam os que a embalam nos braços, movidos pela fúria do autoritarismo, pela vaidade indissimulável, pelo vedetismo das piores conseqüências?**

Sessão de homenagem a Gleb Wataghin no Instituto de Física em 1971. Na primeira fila, da direita para a esquerda, Murillo Marques, Damy e Cerqueira LeiteO artigo, não assinado, relata que na turbulência provocada pelo vazio regimental da Unicamp houve, a partir de julho de 1969, “um momento de esperança” quando foram fixados por decreto prazos para a aprovação do regimento geral e dos regimentos dos institutos e faculdades”. Mas essa esperança, prossegue o articulista anônimo,

logo se desvaneceu, pois o prazo para a aprovação do regimento geral – do qual os outros dependem – expirou em outubro de 1969. Depois dessa data, o reitor tem impedido através de toda sorte de manobras de bastidores que o Conselho Diretor discuta e aprove o anteprojeto elaborado por uma comissão de alto nível eleita pelo próprio Conselho. O anteprojeto se encontra há dois anos nas mãos do reitor, que o engavetou, na condição de presidente do Conselho.

Ressalta o jornal que, para suprir a ausência de leis internas, o reitor vinha “recorrendo cada vez mais a portarias que eram o sucedâneo do Regimento Geral, invadindo áreas de competência do Conselho, dos diretores de instituto e faculdades e dos colegiados”. Assim, estavam em suas mãos desde a matrícula dos alunos até a distribuição e aplicação do orçamento. “Como nas gastas oligarquias de outros tempos, na universidade o senhor reitor é o dono absoluto de baraço e cutelo”, opina o articulista invisível.

Governando a instituição com punho de ferro, desrespeitando as normas estabelecidas sem qualquer preocupação, estaria a Universidade de Campinas, pela ação do sr. Reitor, sendo transformada aos poucos num campo de descontentes.

Suspeitando que o jornal estivesse sendo municiado por fontes internas, dada o rebuscamento da linguagem e a especificidade dos argumentos, Zeferino tratou de recorrer a seus aliados na imprensa para retrucar à altura.*** No Correio Popular havia um, o editor-chefe Carlos Tontoli, que integrava o Conselho Diretor como representante da comunidade externa. Enquanto o Diário do Povo tratava de demolir a reputação do reitor, o Correio cuidou de fortalecê-la. É assim que os leitores do Correio são informados de que “o professor Zeferino Vaz será o conferencista oficial das comemorações do aniversário da Revolução na Escola Preparatória de Cadetes”. No dia 21 o mesmo jornal publica um artigo fortemente laudatório de Francelino F. S. Piauí intitulado “Zeferino Vaz, o semeador de universidades”.

Tampouco no campus faltou mobilização para neutralizar o que se supunha fosse uma investida externa de inimigos internos. Cerqueira Leite, por exemplo, contestou prontamente o Diário quando foi arrolado entre os que apoiavam a substituição do reitor. Encaminhou uma carta de esclarecimento ao dono do jornal, Roxo Moreira, negando a reportagem e refutando as críticas de inoperância que o jornal fazia ao reitor. Terminou convidando Roxo a visitar o campus para ver de perto “o dinamismo e a quantidade de pesquisas em andamento”. Roxo negou-se a publicar a carta sob o argumento de que o jornal não havia falado mal de Cerqueira. Essa curiosa reação de Roxo teve como conseqüência a publicação da carta como matéria paga no jornal concorrente, por iniciativa de Zeferino, e um abaixo-assinado dirigido ao Diário do Povo, com a assinatura de 36 professores do Instituto de Física, em apoio ao reitor.

Zeferino sabia que enquanto a polêmica se restringisse à imprensa de Campinas seu prestígio nos círculos de poder nada sofreria. Além disso, na imprensa em geral, a correlação de forças pesava a seu favor. No Estadão ele contava com a amizade segura de Roque Spencer e a lealdade do repórter Roberto Godoy, que também atuava como seu assessor de imprensa. E na Folha havia ninguém menos que Cerqueira Leite, conselheiro do jornal e interlocutor privilegiado de Otávio Frias de Oliveira. Não por acaso, no dia 26, este jornal paulistano estampava extensa reportagem mostrando a Unicamp como uma “usina de pesquisas” e atribuindo a Zeferino “um novo estilo” de administrar. Era a resposta graúda, contundente, ampla, a uma rusga de província.

As forças do pequeno Zefa estavam, de fato, intactas. Isso explica por que, meses depois, quando o deputado estadual Del Bosco Amaral, do MDB, veio a Campinas para interpelar o ministro da Educação sobre a legalidade do mandato de Zeferino e “a situação de crise em que estava mergulhada a Unicamp”, Jarbas Passarinho respondeu:

— Conheço de longa data o professor Zeferino Vaz e sua obra. Não vejo razões que levem o reitor a deixar seu posto. Por sorte Zeferino não é meu subordinado, pois se o fosse eu o colocaria no cargo definitivamente.


* Luiz Guimarães Ferreira trocou a Unicamp pela USP no final de 1970. Em 1990, voltou à Unicamp como professor concursado, religando-se à área de física do estado sólido.

** Diário do Povo de 14 de março de 1972.

*** Em depoimento ao autor, o jornalista e vereador Romeu Santini, chefe de redação do Diário do Povo em 1972, admitiu que os artigos não-assinados contra Zeferino chegavam ao jornal já editados e titulados. Sua autoria era desconhecida da redação. O próprio dono da empresa, Roxo Moreira, mandava compô-los.

CAPÍTULO 21

Rebeldes discutem reforma. Mandarim põe as cartas na mesa

Zeferino usa renovação de contrato como arma para livrar-se de seus desafetos

Roxo Moreira, proprietário do Diário do Povo na década de 70: inimigo declarado de Zeferino, abriu as páginas do jornal a seus críticos (Foto: Neldo Cantanti - RAC Diário do Povo)ADEPOSIÇÃO DE Fausto Castilho da direção das Ciências Humanas forneceu uma causa concreta aos descontentes que afiavam armas em torno do mandato de Zeferino. Era preciso detê-lo de algum modo: todos sabiam que, vencido o contrato de Castilho com a universidade – o que se daria no início de 1972 – Zeferino seria fortemente tentado a não renová-lo.

O que não sabiam era quanto eram fundados seus temores. Quando chegou às mãos do reitor o relatório de atividades de Castilho, em que este postulava um novo período a serviço da universidade, Zeferino fingiu cumprir a liturgia e enviou-o à instância competente (a Comissão de Ensino) para análise e parecer. Enquanto corria o processo, autorizou João Manuel a buscar discretamente, onde quer que fosse, um acadêmico de primeira linha para ocupar a direção do instituto. Pensou-se primeiro no sociólogo Juarez Brandão Lopes, que não aceitou porque era amigo de Castilho. Os lingüistas e cientistas sociais tinham preferência pelo historiador José Roberto do Amaral Lapa, então na Faculdade de Filosofia de Marília. Mas prevaleceu o nome de Manoel Tosta Berlinck, doutor em sociologia urbana pela Universidade de Cornell e professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Era o preferido dos economistas. Trazido a Campinas para ser apresentado ao chefe, Berlinck colocou uma condição:

— Reitor, topo o seu convite. Mas só venho depois de o senhor ter resolvido a situação no IFCH.

— Me dê um mês, respondeu Zeferino.

Levou três, pois a situação não era simples. As bandeiras levantadas pela dissidência – Castilho, Damy, Pinotti, Parada, Murgel, Brieger, Martins Filho – eram simpáticas a muitos docentes e não haveria de faltar quem lhes desse razão. Afinal postulavam um projeto institucional que incluísse, como em toda universidade consolidada, uma carreira docente que lhes desse um mínimo de garantia de emprego, a departamentalização dos institutos e faculdades e a implantação de seus fóruns internos de decisão acadêmica e administrativa – as congregações. Mas, à boca pequena, também questionavam o custo das obras do campus e, de forma subjacente, a questão do mandato.

Nem sempre o grupo conseguia ater-se à calmaria desses argumentos. Para os que se julgavam com a cabeça a prêmio, começava a ser fundamental caracterizar a ilegalidade da permanência de Zeferino no cargo. Houve um momento em que isso pareceu não apenas possível como também provável: foi quando no Conselho Estadual de Educação tramitou um parecer favorável à rotatividade e o assunto entrou, ao menos momentaneamente, na pauta de problemas do governador. Em alguns círculos chegou-se a pensar que o reitor realmente cairia.

Até mesmo Friedrich Brieger, que pouco freqüentava as reuniões da dissidência, confidenciou ao médico imunologista Humberto de Araújo Rangel:

— O Zeferino é bom para criar, mas péssimo para manter. A universidade ganharia com sua saída.

Palestra na Faculdade de Ciências Médicas. Na primeira fila, da esquerda para a direita, Negreiros de Paiva, Walter Hadler e Bernardo Beiguelman Os mais céticos, entretanto, sabiam que dificilmente o governo daria a universidade por implantada em menos de seis ou sete anos. E isto significaria ter um reitor pro tempore engastado no poder até sua compulsória, que ainda estava longe. Damy, contrariado com o adesismo de alguns e a indiferença de muitos, passou a ir às reuniões regimentais munido de um enorme gravador. Alguns se melindraram com esse procedimento: achavam que Damy expressava uma desconfiança ofensiva para com seus pares. Uma sessão da Câmara Curricular quase termina em briga de braço porque Castilho, ao defender o uso do gravador, acabou levantando a voz com Murillo. Não fosse a intervenção do médico Carlos Eduardo Negreiros de Paiva, Murillo teria avançado contra Castilho. No Instituto de Física, Cerqueira Leite, já então diretor, também estrilou quando viu a engenhoca ligada durante uma reunião interna. Houve bate-boca. O desentendimento entre ambos, que já não era novo, aprofundou-se. Damy acusava Cerqueira de carrear para a área de raios cósmicos os recursos destinados à área nuclear, inviabilizando assim seu plano de trazer para a Unicamp um acelerador de partículas. Cerqueira achava que a pesquisa nuclear não estava nem nunca estivera nos planos do instituto, já que nem mesmo Damy, quando podia fazê-lo, não se empenhara em montar uma equipe nesse sentido.

A Zeferino, é claro, interessava manter sua infantaria em ação, mas preferia ficar fora das discussões periféricas e evitar o confronto direto com o grupo dissidente, sobretudo com Damy, cujo prestígio moral ele conhecia e respeitava. Mas quando soube que o deputado Francisco Amaral, do MDB de Campinas, tinha ido ao ministro Jarbas Passarinho para expor “a situação de crise institucional da Unicamp”, atribuiu ao grupo a paternidade dessa diligência. Mais irritado ainda ficou no dia 15 de fevereiro, quando soube que um deputado estranho à região, o mesmíssimo Del Bosco Amaral, com base política em Santos, se abalara do litoral para vir interpelar o ministro Jarbas Passarinho no aeroporto de Viracopos, em Campinas, sobre a legalidade de seu mandato. Del Bosco tinha vindo na esteira de uma notícia publicada em O Estado de S. Paulo e que alardeava, pela primeira vez num órgão de alcance nacional, o descontentamento de um grupo de professores com “o golpismo que representa a permanência de Zeferino Vaz à frente da reitoria da Unicamp”. O deputado fora informado da visita do ministro a Campinas pelo jornalista Ethevaldo Siqueira, autor da notícia. Mesmo sem ter sabido ainda que, naquela mesma semana, Castilho estivera na Assembléia Legislativa para inteirar Del Bosco do caso, a pedido deste*, Zeferino desabafou a Murillo:

— O Fausto está mesmo decidido, hein. Sabe que o pessoal do SNI quer a ficha dele? Acho que vou passar.

Murillo o teria dissuadido. Nesse ínterim chegou às mãos de Zeferino o parecer da Comissão de Ensino sobre a renovação do contrato de Castilho. O parecer considerava o relatório “do professor Castilho excepcionalmente bom, comparado a outros relatórios”. A comissão afirmava que a produção intelectual do professor Castilho constituía “um padrão dos mais elevados”, contribuindo “de maneira eficaz para projetar o nome de seu instituto e de nossa universidade no país e no exterior”. Ia mais longe: “Como o professor Castilho já apresentou ao reitor a sua tese de livre-docência, proponho que na renovação de seu contrato seja promovido à posição a que teria direito”, isto é, à de professor livre-docente.

O parecer subiu ao gabinete com a aprovação unânime da Comissão. Gravemente, antes da votação, Brieger, o presidente, alertara para a “importância histórica” da decisão em face do “mal-entendido” existente entre o reitor e Castilho. O caso tinha seu didatismo. Era opinião geral que Zeferino não teria coragem de contestar um documento unânime de pessoas que, como ele, eram pioneiras na instituição.

Tiveram uma surpresa. Zeferino não apenas contestou cada item do parecer como fez tábula rasa da reputação acadêmica de seu desafeto. Num arrazoado de 13 páginas, reduziu a zero os méritos de Castilho como organizador da área de Ciências Humanas. E terminou qualificando o parecer redigido por Brieger de “um amontoado de absurdos”.**

A situação ficou tensa. Os signatários da ata mantiveram sua posição e o assunto foi encaminhado numa cuba de água fervente para análise e deliberação do Conselho Diretor. Em 27 de março, dia anterior à reunião extraordinária convocada para essa finalidade, Zeferino convocou cada conselheiro em particular. A cada um explicou suas razões para não manter Fausto Castilho nos quadros da universidade. Leu trechos do dossiê que mandara preparar contra ele, qualificou-o de “elemento desagregador” e terminou dizendo que, como tudo aquilo se transformara progressivamente numa guerra – guerra, asseverava, declarada por Castilho contra a hierarquia de valores –, era preciso escolher entre um e outro: ou o reitor ou o diretor que ele roubara ao gabinete do prefeito Faria Lima, quatro anos antes. Os conselheiros deixaram a reitoria com expressão compungida, mas persuadidos de que desautorizar o reitor naquele momento equivalia a pôr em risco o projeto inteiro; e que, se o fizessem, estariam cometendo suicídio político e acadêmico.

A Damy, Zeferino começou por lembrar que seu contrato acabaria dentro de mês e meio, e que estava disposto a propor sua renovação naquela mesma reunião. Damy entendeu isso como uma tentativa de barganha e, no fundo, uma ameaça. Recusou:

— Desculpe, mas não posso aceitar. As renovações dependem de parecer e aprovação. Não vou fugir à regra e vou preparar meu relatório.

Zeferino tornou-se sentimental, lembrou-lhe a amizade de longa data e disse que não havia motivo para animosidades. Damy respondeu, seco, que os amigos do reitor deviam receber o mesmo tratamento que dispensava a todos. E saiu de cara amarrada. Logo depois subia a escada da reitoria o advogado e lingüista Carlos Franchi brandindo uma carta assinada por vários professores em que se pedia clemência para Castilho. Franchi encontrou um Zeferino de ar contrafeito, mas calmo o suficiente para tratá-lo com cordialidade:

— Acho humano o que vocês estão fazendo, mas o documento é inútil.

— Inútil por quê, reitor?

E Zeferino, introduzindo um cigarro na piteira:

— As cartas já estão na mesa. (E.G.)


* Depoimento de Del Bosco Amaral ao autor.

** “Aos membros da Comissão de Ensino”, documento datado de 14/2/1972.

Continua na próxima edição.

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