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O mínimo poderia ter
deixado de ser um
sonho de uma noite de verão




CLAUDIO SALVADORI DEDECCA

Claudio Salvadori Dedecca é professor do instituto de Economia da UnicampEsta é uma versão modificada do ensaio concluído no início de abril passado, com o objetivo de subsidiar os debates sobre o reajuste do salário mínimo em 2004. Ele levou em conta os termos da proposta discutida pelo Governo Federal naquele momento, que acabou pautando a decisão final anunciada na antevéspera do 1º de maio.

O motivo principal que justificou sua elaboração é a relevância de uma política de salário mínimo para a distribuição de renda e para o crescimento. Ademais, a proposta aqui apresentada é totalmente compatível com a gestão responsável das contas públicas.

O abandono da política de valorização do salário mínimo em 2004 pode ter significado a perda de um dos últimos instrumentos nas mãos do governo em favor de um crescimento dentro dos limites de 3.5% para o ano. Mantida a perspectiva atual, é grande a possibilidade de o produto nacional crescer abaixo de 2% em 2004, bem como se amplia o risco de o país conhecer pelo segundo ano uma queda da renda per capita.

Nos meses de março e abril, o reajuste do salário mínimo ganha centralidade na agenda política brasileira. Definido seu novo valor, o tema entra em regime de hibernação por 11 meses.

Até recentemente, o debate sobre o tema era polarizado, por um lado, pela posição que considerava que uma elevação substantiva do poder de compra do salário mínimo não apresentaria maiores restrições e, por outra, por aquela que apontava essas como o maior entrave para a adoção da política. Hoje, o consenso é mais amplo. Há o reconhecimento generalizado que tais restrições existem e que, portanto, a valorização do salário mínimo depende do equacionamento das mesmas.

O atual consenso explicita um problema de ordem lógica. Se as restrições existem e elas são relevantes, não há possibilidade de uma elevação rápida e intensa do salário mínimo. Propostas de duplicação ou de fixação de seu valor em um determinado patamar, em um curto espaço de tempo, não são viáveis. Cabe reconhecer, portanto, que a política de valorização do salário mínimo é mais complexa.

A recuperação do salário mínimo depende, portanto, de uma política que reconheça as restrições existentes que as equacione adequadamente. Ademais, que transforme a questão do salário mínimo em um tema presente sistematicamente na agenda econômica e social do governo, do Congresso e da sociedade brasileira. Para que ela cumpra esses propósitos é que se estabeleça certa previsibilidade sobre a evolução futura do salário mínimo, para que o governo tenha alguma estratégia para o enfrentamento de seus impactos sobre o orçamento público e o setor privado avalie suas implicações sobre seu nível de custo.

É premente a necessidade de definição de uma política de longo prazo para a elevação do poder de compra do salário mínimo que supere as restrições existentes e que transforme a discussão sobre sua política de valorização em um processo recorrente para a sociedade brasileira.

Cabe afirmar em alto e bom som que não haverá política de salário mínimo consistente sem crescimento do nível de atividade econômica e da produtividade e que o aumento do salário mínimo é parte indutiva do próprio crescimento. Em suma, é preciso pensar a política do salário mínimo como política de renda em um contexto de ações públicas em favor da expansão sistemática da demanda efetiva e da justiça social. É o espírito que sustenta esta proposta.

Cabe perguntar: por que não definir uma política de valorização do salário mínimo que leve em conta o desempenho da economia brasileira? Por que não se pode adotar uma meta para a evolução do salário mínimo, que dê previsibilidade para o governo e o setor privado?

O ponto inicial de sua formulação leva em conta aquilo que os economistas aprendem nos cursos introdutórios de sua graduação. Todos os manuais de economia aceitam que a evolução dos rendimentos do trabalho deve ser compatível com aquelas do produto e da produtividade. Por que não incorporar esse pressuposto para estabelecer a cada ano o reajuste básico do salário mínimo?

Seria razoável garantir que o salário mínimo acompanhasse os aumentos estimados do produto e da produtividade para o ano. Esse critério é compatível com todos os pressupostos da teoria econômica clássica. Ademais, ele não teria, ainda segundo essa mesma teoria, efeito inflacionário. E, por fim, ele seria incontestavelmente justo socialmente.

Esse critério poderia ser adotado como uma política de consenso entre governo, Congresso e sociedade. Além disso, poderia se estabelecer a cada ano, nos meses de fevereiro e março, que o governo discutisse com o Congresso um aumento adicional que considerasse as perspectivas econômicas e políticas. Esse aumento poderia ser negociado socialmente em fóruns semelhantes aos estabelecidos pelas iniciativas do Conselho de Desenvolvimento Social ou do Fórum Nacional do Trabalho. Um aumento adicional mais elevado poderia ser adotado em um contexto econômico ou político mais favorável.

No quadro abaixo, é encontrada a taxa anual estimada de crescimento do Produto Interno Bruto; a taxa anual estimada de elevação da produtividade e uma estimativa de aumento adicional – denominado aumento real acordado.

Nesse exercício, é considerada uma aceleração do crescimento da produtividade e do aumento real acordado para taxas mais elevadas de crescimento do produto. É razoável supor que um desempenho mais ponderável do produto esteja relacionado à recuperação da taxa de investimento e, portanto, de uma maior produtividade permitida pela incorporação de gerações mais novas de máquinas e equipamentos, por escalas mais eficientes e por perspectivas de ganhos sustentados de renda.

Também, o melhor desempenho deve abrir espaço para a negociação de um aumento real acordado mais significativo que acelere a tendência de valorização do salário mínimo, em face dos maiores possibilidades de lucro na atividade econômica privada e de arrecadação na esfera pública.

Segundo esse exercício, o salário mínimo real, em 2010, equivaleria a 2,5 vezes de seu poder de compra atual. Esse movimento exigiria um aumento real, em relação ao desempenho do produto e da produtividade, de 5% a.a até 2006 e de 7% a.a. entre este ano e 2010. Não se pode considerar elevado esses valores, se tomadas as taxas reais de remuneração financeira que o país vem suportando.

Mas analisemos um pouco melhor o efeito dessa política sobre a evolução da massa de rendimentos. Para tanto, é preciso assumir algumas hipóteses básicas em relação ao efeito do reajuste do salário mínimo sobre a estrutura de rendimentos.

No caso dos rendimentos de aposentadoria, adota-se a hipótese que o reajuste do salário mínimo se reproduz por toda a estrutura. Isto é, o aumento de 11% em 2004 determinaria uma elevação do gasto com aposentadoria de igual magnitude. Para os rendimentos do trabalho, é considerado que o efeito do reajuste do salário mínimo decresce para as remunerações mais elevadas. Ele seria de 11% para aqueles que recebem até dois salários e decresceria progressivamente, sendo de 6% para os que auferem rendimentos superiores a dez salários mínimos. O efeito aqui considerado corresponde àquele genericamente denominado mecanismo de mercado, que tende a não reproduzir para toda a estrutura aquele aumento de remuneração observado na base.

Isto não impediria que as negociações coletivas garantissem aumentos mais expressivos para toda a estrutura de remuneração de uma categoria. Fato que somente poderia ser possível se as empresas de tal categoria tivessem condições de suportar.


Também, considera-se que o aumento do salário mínimo se difundiria para as remunerações de trabalhadores não-assalariados ou com contrato de trabalho não-regulamentado. Assume-se aqui que o salário mínimo é o farol das remunerações do mercado de trabalho, independentemente do tipo de relação de trabalho.

Consideradas essas hipóteses, a simulação realizada com os dados da PNAD mostra que um aumento de 11% para o salário mínimo implicaria acréscimos de: 10,1% na massa total de aposentadorias e pensões; 8,2% na massa total de rendimentos dos ocupados. O aumento da massa total de aposentadoria e pensões seria inferior ao observado para o total de contribuições diretas para a previdência.

A decisão sobre a intensidade de elevação da massa total de rendimentos dependeria, a cada ano, da posição de se assumir um aumento real acordado mais elevado. Nesse contexto, se colocaria no centro da discussão a possibilidade de utilizar a política do salário mínimo como um instrumento de distribuição de renda, ao induzir uma evolução mais acelerada de seu poder de compra, em comparação àquelas do produto e da produtividade.

Em suma, a massa total de rendimentos cresceria 8,2% para uma elevação total do produto e da produtividade da ordem de 6,9% em 2004-2005. Explicita-se, portanto, que essa política de valorização do salário mínimo tenderia a não ter impactos sobre a evolução da massa total de rendimentos que pudessem alimentar o processo inflacionário, aceitando-se os pressupostos da ortodoxa sobre o assunto.

Ademais, poderia o governo por meio de políticas industrial e agrícola, buscar enfrentar possíveis tensões inflacionárias, lançando mão, portanto, para combatê-las de outros instrumentos que rompam a exclusividade hoje dada à taxa de juros básica.


Mas, ainda assim, poderia se argumentar que o gasto com aposentadoria cresceria 10,1%, isto é, 3 pontos acima do incremento total do PIB e da produtividade. Apesar de efetivo, esse aumento teria um impacto real menos intenso.

A elevação de 10,2% dos gastos com aposentadoria e pensões representa somente 15% da variação total da massa de rendimentos e 21% da massa total de rendimentos do setor formal. Ademais, o incremento da massa total de benefícios equivale a 86% da massa total de contribuições sociais diretas para a previdência. Esse porcentual deve obrigatoriamente cair se levadas em conta as demais contribuições sociais (Cofins, CSLL, CPMF e outras existentes).

Hoje, o impacto do aumento do salário mínimo sobre os gastos da previdência pode ser financiado pela maior massa de contribuições. A evolução do mercado de trabalho ditará a validade ou não dessa condição no futuro. Ate 2020, a participação da população em idade ativa, entre 10 e 65 anos, continuará crescendo. Isto é, se a economia tiver condições de sustentar o crescimento e a geração de emprego, há possibilidade de a evolução das contribuições continuar sendo mais favorável que o gasto previdenciário. É óbvio que a vigência dessa condição exige reversão do quadro de baixo crescimento e de contração do mercado formal de trabalho prevalecente no país desde 1990.

Dois outros aspectos, ao menos, devem ser ainda contemplados. O primeiro diz respeito à capacidade dos governos municipais em arcarem com o maior gasto de folha de salários e aposentadorias. Sem dúvida, essa é uma restrição real que deve ser equacionada, pois, ao contrário, a política do salário mínimo poderá agravar a crise fiscal dos municípios. Duas vias de enfrentamento poderiam ser buscadas: o crescimento econômico como instrumento de aumento da arrecadação e uma redução dos elevados e crescentes encargos financeiros que recaem sobre os municípios.

O outro refere-se aos efeitos da política sobre as empresas de menor tamanho, que, em geral, são mais intensivas em mão-de-obra e que possuem uma menor capacidade competitiva. Dois caminhos, dentre outros, poderiam ser buscados. O primeiro por meio de uma política industrial e de mecanismos de financiamento que reduzam os encargos financeiros e os riscos de modernização tecnológica dessas empresas. O outro seria uma compensação às pequenas e médias empresas através do imposto de renda ou alguma outra tributação exclusive as contribuições sociais. Essa medida poderia ser utilizada, inclusive, para induzir a maior formalização do mercado de trabalho.

Essa compensação poderia não significar queda de arrecadação para o governo, pois o aumento do salário mínimo implicaria maior demanda efetiva e, portanto, maior volume de contribuição tributária.

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