| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 215 - 2 a 8 de junho de 2003
.. Leia nessa edição
::Capa
::Pouco investimento em P&D
::Controle de doença de granja
::Lei de Inovação
::Assentamentos na cadeia
produtiva
::Imigração italiana pós-guerra
::Rótulos que omitem informações

::Ambiente de trabalho

::Nanociêcia
::Unicamp na imprensa
::Painel da semana
::Oportunidades
::Teses da semana
::Newton da Costa
::Legião microbiana
 

11

Criador da Lógica
Paraconsistente doa seu arquivo pessoal à Unicamp


Newton da Costa, ou
a matemática com arte


LUIZ SUGIMOTO

Newton da Costa durante conferência na Universidade de Torum, na Polônia, em 1976: teoria de sua autoria está disseminada hoje em várias áreas do conhecimento O professor Newton Carneiro Affonso da Costa, senhor afável e conversador cuja vivacidade esconde os 73 anos de idade, é um dos matemáticos mais citados internacionalmente. "Fizeram um levantamento das citações e devo estar em terceiro ou quarto", diz, sem pingo de presunção. Ele é o mentor da "Lógica Paraconsistente", teoria publicada há exatos trinta anos e na época considerada uma pesquisa abstrata, quiçá com aplicações na filosofia, mas que hoje está disseminada por toda a área tecnológica, da computação e robótica à engenharia de produção, extrapolando para a medicina.

O currículo de Newton da Costa não merece economia de espaço. Graduado engenheiro civil e matemático pela Universidade Federal do Paraná, onde lecionou por 14 anos, veio para o Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) nos tempos de Zeferino Vaz (1968-69). Participou da criação e até hoje é membro assíduo do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE). Ele chama de filhos os mestres e doutores que formou para integrar a nata desta área de conhecimento. Na USP foi professor do Instituto de Matemática e Estatística de 1970 a 1985, e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas de 1985 até a aposentadoria. Atualmente, leciona filosofia na Universidade Federal de Santa Catarina.

Da Costa calcula que suas estadas no exterior somam pelo menos uma década, atuando como conferencista e professor em instituições renomadas dos Estados Unidos, França, Itália, Espanha, Austrália, México e Argentina, entre outras. Em meio a inúmeros prêmios, ele guarda o Jabuti em Ciências Exatas, a Medalha da Ordem do Pinheiro do governo paranaense, o Moinho Santista e a Medalha Nicolau Copérnico da Universidade de Torun, na Polônia.

Solicitado a falar sobre sua vida, Newton da Costa desfaz de imediato a apreensão quanto ao abuso de erudições e conceitos matemáticos incompreensíveis para nós mortais. "Para mim, a matemática é uma disciplina que requer certo tipo de talento, como a pintura, a escultura ou mesmo o futebol", afirma, descomplicando a entrevista. "Gosto da matemática que não usa cálculos. A tendência da matemática moderna é substituir os cálculos por idéias. Ela é fundamentalmente um jogo de idéias", prossegue.

Sendo assim, o professor confirma declaração recente de que quase todo problema pode ser resolvido com raciocínio e, por isso, costuma andar de um lado para outro, fazendo rabiscos, até que lhe venha a luz. "Estudar é uma fração do trabalho intelectual do matemático. Ele precisa pensar; se não pensa, nunca vai realizar algo de novo", acrescenta. A imagem de suas andanças pela sala, porém, não deve ser associada ao estereótipo que se faz de matemáticos, físicos e outros estudiosos que nos parecem alheios à vida terrestre: "Como em toda profissão, existem os que vivem no mundo da lua e os que têm o pé na terra. Em minhas veias corre sangue alemão, dinamarquês, francês e português, o que me deu hábitos europeus, como o de cumprir horários e aquilo que se promete. Isso é típico de quem tem o pé no chão".

Olhando ao redor - Se as declarações parecem mais de um pensador e menos de um matemático, é porque Newton da Costa nunca se desligou das ciências humanas, desde os tempos em que assistia às aulas do tio Milton Carneiro, professor de história da filosofia na Federal do Paraná, e com ele lia os grandes filósofos. "Sempre me interessei especialmente por filosofia da ciência. A mim não interessa apenas fazer matemática, interessa entender o que significa fazer matemática", filosofa. E, aos que vêem antagonismo entre as duas áreas de conhecimento, o professor prevê que certos aspectos da matemática finita, principalmente a lógica, certamente se tornarão fundamentais nas ciências humanas. "Lacan, que todos citam e muitos criticam, dizia que a lógica é essencial para a psicanálise, que no fundo faz uma análise lógica da linguagem do paciente", exemplifica.

Por outro lado, a fim de oferecer exemplos de matemática na vida prática, o professor limita-se a olhar ao redor. "Este hotel foi erguido com a matemática, cálculos de estabilidade das construções que o engenheiro usa a toda hora. Faraday estudou a eletricidade e o magnetismo, motivando Maxwell a utilizar uma matemática muito interessante e original para meados do século 19, desenvolvendo equações que tratam do campo eletromagnético. Pouco depois, Hertz comprovaria a existência da onda eletromagnética. A partir dessas descobertas criaram o rádio, o telégrafo sem fio, a televisão etc", ensina.

A maior criação - A lógica paraconsistente trata de sistemas de informação onde há inconsistências, explica Newton da Costa. "Por exemplo: ao organizar um banco de dados em medicina, você entrevista muitos especialistas, reúne milhares de dados e põe no banco. Evidentemente vão aparecer informações contraditórias, pois para um médico certo sintoma pode representar uma doença e, para um segundo médico, outra. E você tem que manipular isto. Se utilizar a lógica clássica, que não consegue tratar de informações contraditórias de modo cômodo, o sistema explode. A lógica paraconsistente impede que, ao manipular informações contraditórias, você seja conduzido a uma trivialização do sistema".

A Unip, em São Paulo, já criou uma cadeira de lógica paraconsistente em engenharia de produção, e na Politécnica ela também é ensinada para engenheiros. "Um conceito absolutamente teórico, da alta estratosfera, que há trinta anos ninguém achava que teria futuro, está servindo à filosofia, à matemática, à engenharia, em todos os cantos, especialmente no Brasil e Japão. Eu, que comecei tudo isso, já consigo acompanhar a literatura mundial".

"Show do milhão" - Há três anos, o Instituto Clay de Matemática anunciou o prêmio de US$ 1 milhão para cada solução de sete problemas importantes abertos da matemática. "P=NP?" é o enigma com o qual estão envolvidos Newton da Costa e o professor Francisco Doria. "Clay é um milionário norte-americano. Para ganhar o prêmio, a pessoa precisa escrever um artigo e publicá-lo numa revista científica internacional, sem que seja contestado pelo período de dois anos. Creio que já demos uma boa contribuição para a vencer este desafio", afirma.

Advertindo que precisaria de pelo menos uma hora para oferecer ao leigo um enunciado palatável para a questão "P=NP?", o matemático informa apenas que ela se relaciona com a computação. Mas ele nos conforta, ressaltando que são problemas inacreditavelmente complicados. "A ‘hipótese de Riemann’, outro problema incluído no desafio, já dura mais de cem anos, sem que grandes matemáticos conseguissem resolvê-lo. Cedo ou tarde o farão. Mas até agora ninguém ganhou o milhão".


Em defesa dos centros de pensamento

O professor Newton da Costa doou o arquivo pessoal para o Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE), no ano passado. São aproximadamente 10 mil itens, entre correspondências acadêmicas trocadas com pesquisadores brasileiros e do exterior, manuscritos em grande parte inéditos, artigos citando seu trabalho, recortes de jornais e separatas. O material está recebendo tratamento arquivístico antes de ser disponibilizado ao público.

Da Costa esteve na Unicamp na última semana de maio, como presença obrigatória nas comemorações dos 25 anos do CLE, uma das melhores iniciativas concretizadas no país, em sua opinião. "Temo apenas que, como todas as coisas boas, o Centro seja efêmero. Até me espanta que ainda esteja aqui. Se surge um bom pesquisador na genética, seu trabalho recebe apoio; quando ele se aposenta, acaba a genética na instituição. É preciso uma planificação para até 50 anos. Espero que a Unicamp dê apoio ao CLE, já pensando nos pesquisadores e funcionários que vão substituir os atuais. Nós passamos e somente as grandes instituições permanecem ou deveriam permanecer", afirma.

O matemático insiste que destruir centros de pensamento é uma atitude estúpida. Por um lado, lembra Nehru, primeiro-ministro indiano, para quem seu país era tão subdesenvolvido que não podia se dar ao luxo de não apoiar a pesquisa básica em todos os setores. Por outro lado, recorda uma época em que lecionou em Buenos Aires: Um daqueles generais disse: "nós aqui na Argentina e na América Latina somos muito espertos, deixamos que o hemisfério norte pense e nós aplicamos".

Cético em relação aos governantes, o veterano professor ouve como falácia o discurso de que antes é necessário cuidar da pobreza para depois desenvolver as universidades. "É preciso atacar os dois problemas simultaneamente. Se a educação não for sistematicamente arrumada, o Brasil vai ser sempre o país do futuro. A gente acende a luz inventada por Edson, escova os dentes com a escova Tech americana, toma o leite da Nestlé suíça, vê a televisão Mitsubishi japonesa, vai para o trabalho num Volks alemão. Será que o brasileiro não tem condições de inventar nada?", questiona. Quanto a seu ceticismo, justifica: "Quando garoto, gostava muito de Freud, que dizia: "sempre pensei o pior a respeito de todo mundo, inclusive de mim mesmo, e nunca me enganei"".

Mas, não é por desacreditar do mundo ou por cansaço, que Newton da Costa fez de Florianópolis o seu retiro. Apenas vê a cidade como boa opção para a velhice: "Não agüento mais metrópoles como São Paulo, estou velho, e acho que agora posso ajudar uma universidade boa, nova e arejada como a Federal de Santa Catarina. A praia fica a poucas quadras de casa e posso fazer footing à noite. Além disso, meus filhos moram lá. Chega uma certa idade em que somente os filhos te aturam".


SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP