| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 215 - 2 a 8 de junho de 2003
.. Leia nessa edição
::Capa
::Pouco investimento em P&D
::Controle de doença de granja
::Lei de Inovação
::Assentamentos na cadeia
produtiva
::Imigração italiana pós-guerra
::Rótulos que omitem informações

::Ambiente de trabalho

::Nanociêcia
::Unicamp na imprensa
::Painel da semana
::Oportunidades
::Teses da semana
::Newton da Costa
::Legião microbiana
 

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Artigo



Por que as empresas são menos
propensas a investir em P&D no Brasil

RUY DE QUADROS CARVALHO

Há consenso em vários segmentos sociais e em diferentes níveis de governo de que um dos principais problemas para a ampliação da capacidade de geração de inovações tecnológicas no Brasil é o débil engajamento das empresas industriais e de serviços com atividades tecnológicas. De acordo com as informações da PINTEC/IBGE, o setor industrial despendeu cerca de 3,7 bilhões de reais em P&D interno e cerca de 630 milhões de reais em P&D contratado externamente, no ano de 2000. Somados, esses valores corresponderam a 0,37% do PIB brasileiro naquele ano. Embora se valendo de fonte distinta (base ANPEI) e, portanto, a rigor não comparável, esse valor não representa variação substancial em relação ao que foi apurado pelo MCT para o ano de 1999 (0,33% do PIB) e publicado no Livro Verde de Ciência, Tecnologia e Inovação. Essa mesma publicação indicou que, em 1998, na Austrália o gasto em P&D das empresas correspondia a 0,7% do PIB, enquanto que, na Coréia do Sul, o gasto equivalente era de 1,8%.

Este artigo procura discutir alguns dos fatores determinantes da pequena participação das empresas privadas brasileiras em atividades de P&D, internas ou contratadas. É resultado da visão desenvolvida pelo autor com base em sua atividade de pesquisa junto a empresas e associações empresariais. A atuação do poder público nessa questão exige a compreensão adequada da conduta das empresas, já que há uma racionalidade para o seu comportamento atual e é importante evitar tratar o problema a partir da busca dos "culpados".

Os principais fatores que determinam a baixa propensão das empresas brasileiras para realizar dispêndios em P&D são de duas ordens: de um lado, fatores ligados à gestão macroeconômica, e que afetam as decisões de investimento em geral; de outro, fatores de ordem microeconômica e mais permanentes. Os condicionantes de ordem macroeconômica são os mais freqüentemente apresentados pelas empresas e entidades empresariais para justificar o baixo investimento em atividades tecnológicas, em especial em P&D. Eles dizem respeito à instabilidade associada aos problemas do setor externo, que se refletem na flutuação acentuada do real. A instabilidade econômica acentua o risco já elevado do investimento no desenvolvimento de novas tecnologias e dificulta o planejamento de longo prazo; este é um requisito desse tipo de investimento, cujo retorno é tipicamente de longa maturação. Além disso, a condução da política econômica frente à instabilidade externa tem se baseado na sustentação de taxa de juros elevada. Isto termina por elevar substancialmente o custo de capital para o investimento em P&D, mesmo nas linhas preferencias da Finep e de outras agências. Por sua vez, o alto custo do capital e a dependência de insumos importados de maior complexidade tecnológica comprimem a rentabilidade operacional das empresas, o que limita as possibilidades de auto-financiamento.

Evidentemente os problemas dessa ordem afetam o investimento de uma forma geral, não apenas o dispêndio em P&D. No entanto, o investimento em desenvolvimento de tecnologias é mais sensível a eles (em comparação, por exemplo, com a substituição de equipamentos), devido ao seu maior risco. As empresas que investem sistematicamente em P&D preferem alongar seu prazo de desembolso e se auto-financiar integralmente (em que pesem as limitações do auto-financiamento) - o que explica a não utilização plena pelas empresas do volume de crédito disponível para financiar projetos de desenvolvimento tecnológico. Nesse sentido é importante sustentar a iniciativa do MCT, deslanchada no ano passado, de utilização de recursos do Fundo Verde-amarelo para subsidiar a redução dos juros (equalização) de projetos de desenvolvimento tecnológico considerados prioritários.

Independentemente da gestão de juros, câmbio e do ambiente macroeconômico, o risco elevado e o longo prazo de maturação do investimento no desenvolvimento de novas tecnologias são características que oneram esse tipo de investimento. No sentido de compensar esse viés e estimular o investimento privado, a maior parte dos países industrializados adotam dois tipos de programas de financiamento à P&D das empresas, com ônus para fundos públicos. Uma modalidade são os programas de incentivos fiscais à P&D, à maneira da Lei 8661/93. Incentivos fiscais à P&D têm aplicação horizontal e beneficiam sobretudo grandes empresas, que tendem a pagar mais impostos. A outra modalidade são os programas de financiamento direto às empresas, sendo que, na experiência internacional, a maior parte deles assume a forma de "encomendas tecnológicas", em que o poder público contrata e subsidia parcialmente pesquisas de interesse público realizadas por empresas. Este tipo de instrumento é mais seletivo e adequado para estimular o alcance de objetivos setoriais de desenvolvimento tecnológico e para a promoção da P&D em pequenas e médias empresas. Nesse sentido, os dois tipos de programas - incentivos fiscais e financiamento direto - representam ferramentas de atuação complementares, atingindo alvos distintos.

No Brasil, a única experiência recente de financiamento à P&D privada com ônus público se deu através da Lei 8661/93. Esta no entanto só foi efetiva entre os anos de 1994 e 1998, uma vez que a Lei 9532/97, que a modificou, reduziu seus benefícios a ponto de torná-la inócua. A resposta do setor privado, no período de vigência efetiva da lei, foi positiva, com uma relação de R$ 10,00 de investimento privado para cada R1,00 de renúncia fiscal. As limitações da Lei 8661 do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico não decorreram do instrumento incentivo fiscal em si, mas à abordagem muito ampla e liberal do que podia ser considerado atividade tecnológica para efeito de incentivo. Nesse sentido, considera-se que o instrumento deve ser resgatado, com uma abordagem mais restrita, de forma a incentivar efetivamente o desenvolvimento de novas tecnologias pelas empresas. Por outro lado, se for apoiada pelo atual governo e aprovada no Congresso, a Lei de Inovação permitiria viabilizar a contratação de "pesquisa de interesse publico" junto a empresas privadas, instrumento que seria importante para viabilizar a participação das empresas no alcance dos objetivos dos Fundos Setoriais.

Mais difíceis de contornar são os problemas de natureza microeconômica que estão relacionados com a conformação histórica da estrutura produtiva brasileira. Em primeiro lugar, a implantação limitada dos setores intensivos em tecnologia na estrutura industrial e de serviços brasileira constitui importante determinante para entender a dimensão diminuta das atividades de P&D desenvolvidas no Brasil. Enquanto os setores produtores das tecnologias de informação e comunicação chegam a dar conta de até 25% do produto industrial nos países mais desenvolvidos, eles são inferiores a 10% do PIB industrial no Brasil. Ora, a baixa presença de setores de alta tecnologia na estrutura produtiva cobra seu preço não apenas no crescente déficit na balança comercial e de serviços desses setores, mas também no volume da P&D realizada pelo setor privado, uma vez que se trata de setores intensivos em P&D. Evidentemente a implantação de indústrias produtoras de tecnologias de informação é uma questão primordialmente de política industrial. No entanto, como a localização desse tipo de investimento é bastante condicionada pela capacitação tecnológica e pelo ambiente de estímulo à P&D presentes no país que pretende atraí-lo, é fundamental a articulação da política industrial com a política de CT&I em busca desse objetivo.

Em segundo lugar, a extensa internacionalização dos setores intensivos em tecnologia e dos setores intermediários contribui para a relativa debilidade da P&D empresarial brasileira. Não obstante as empresas multinacionais, em média, realizem esforço tecnológico mais intenso do que as empresas nacionais (o que é confirmado pelas informações da PAEP/SEADE), há que se considerar que a pesquisa tecnológica nova realizada por essas empresas tende a ser feita em suas matrizes e não nas subsidiárias. Muito embora isto varie de acordo com a estratégia de cada corporação, e embora hoje a tendência de internacionalização da P&D abra perspectivas para que as empresas multinacionais venham a enraizar mais suas atividades de P&D em suas subsidiárias (sobretudo se motivadas por políticas dirigidas a esses objetivos), a situação como se coloca hoje implica que as principais atividades de P&D das empresas multinacionais que atuam no Brasil, nos setores mais intensivos em P&D, sejam realizadas fora do País. As atividades que aqui são realizadas têm mais a ver com D - adaptação e desenvolvimento de produto - do que com P - pesquisa tecnológica. Estender o escopo dessas atividades, para que aumentem seu volume total e incluam uma maior proporção de P é um dos desafios de uma moderna política tecnológica.

Finalmente, mas não menos importante, é necessário enfatizar a questão da fragilidade das pequenas e médias empresas nacionais nas principais cadeias de difusão e produção de conhecimento do setor produtivo. É verdade que têm crescido as atividades das empresas de base tecnológica, especialmente as que se derivaram da pesquisa universitária. Mas as pesquisas têm mostrado que seu peso econômico é ainda limitado. Diferentemente de países em que o peso da engenharia de produto e processo realizada nas PME é decisivo para a competitividade das cadeias produtivas como um todo (a Alemanha é um bom exemplo, nesse sentido), no Brasil as PMEs constituem o elo fraco da cadeia, mesmo em termos da simples difusão tecnológica, apresentando deficiências acentuadas quanto à capacidade financeira, tecnológica e gerencial. Nesse sentido, um ponto bastante enfatizado pelas empresas é a necessidade de se criarem mecanismos que levem a informação tecnológica - oportunidades tecnológicas, disponibilidade e preço de novas tecnologias, etc - às pequenas e médias empresas, um tipo de serviço extremamente incipiente e limitado no Brasil.

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