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                    A guinada do rebanho
 Historiador mostra papel 
                      de revista no redirecionamento do pensamento católico
   A 
                    revista A Ordem teve papel importante na reformulação do pensamento 
                    político-social católico no Brasil, iniciada na década de 
                    1930, de acordo com o historiador Alexandre José Gonçalves 
                    Costa. Na tese “Teologia e política: A Ordem e a atualização 
                    do discurso político-social católico no Brasil, 1931-1958”, 
                    Costa estuda essa publicação para analisar o debate que afetou 
                    a Igreja desde o século 19 acerca das instituições e dos valores 
                    difundidos pela Revolução Francesa. Redigida por leigos que 
                    buscavam a restauração espiritual de intelectuais católicos, 
                    a revista, segundo o pesquisador, surge no início da década 
                    de 1920, como veículo principal de expressão do Centro Dom 
                    Vital, fundado por Jackson de Figueiredo (1821-1928) sob o 
                    patrocínio do então arcebispo do Rio de Janeiro, D. Sebastião 
                    Leme (1882-1942), com a finalidade de reverter o que era percebido 
                    como a “descristianização da sociedade brasileira”, particularmente 
                    de suas elites, que haviam aderido ao positivismo, ao evolucionismo 
                    spenceriano (proposto por Herbert Spencer - Inglaterra,1820-1903) 
                    e, quando não, ao indiferentismo religioso.  A 
                    tese mostra que houve no período estudado um movimento de 
                    afastamento dos fascismos e de defesa de uma concepção autoritária 
                    de sociedade para a aproximação da democracia e defesa de 
                    seus valores. De acordo com Costa, os intelectuais católicos 
                    responsáveis por essa transição eram ligados ao filósofo e 
                    pensador católico francês Jacques Maritain (1882-1973) e constituíam 
                    o núcleo mais importante pela atualização do pensamento político-social 
                    católico no Brasil de meados do século 20. Era esse grupo, 
                    formado na maioria por advogados, médicos, engenheiros, professores 
                    que buscavam nas cátedras das instituições públicas de ensino 
                    sua principal fonte de sustento, que promovia a aproximação 
                    à democracia na década de 1940.
 Entre as obras de Maritain 
                    que teriam influenciado os intelectuais católicos estão Humanismo 
                    Integral e Cristianismo e Democracia, que foram as referências 
                    para o afastamento dos governos autoritários e aproximação 
                    da democracia. De acordo com Costa, as atitudes adotadas por 
                    Maritain, inclusive sua postura crítica da Guerra Civil Espanhola 
                    como uma “guerra santa”, também tiveram influência na mudança 
                    de postura dos intelectuais.  Na opinião de Costa, a reformulação 
                    do pensamento político católico na década de 1940 atualizou 
                    a posição da Igreja no âmbito político e social da época, 
                    além de dar origem a um forte movimento de democracia cristã, 
                    principalmente na Europa, e contribuir para o movimento da 
                    redemocratização do pós-guerra no Brasil.  De 
                    acordo com o pesquisador, a Segunda Guerra Mundial foi fundamental 
                    para a mudança de posição da Igreja, que, durante boa parte 
                    da década de 1930, nutria simpatia por líderes reacionários 
                    como Mussolini, na Itália, Franco, na Espanha, e Salazar, 
                    em Portugal. A mudança de discurso teve início somente no 
                    período entre 1942 e 1943, quando é possível, a partir do 
                    estudo feito por Costa, observar uma postura crítica e um 
                    distanciamento em relação aos regimes autoritários ibéricos. 
                    No Brasil, segundo o pesquisador, o distanciamento da revista 
                    em relação a Getúlio Vargas inicia-se em 1944, quando o Estado 
                    Novo dava sinais de esgotamento. Ao divulgar a obra de Maritain, 
                    os intelectuais de A Ordem polemizavam com os intelectuais 
                    católicos que ainda se opunham à atualização e insistiam em 
                    afirmar a afinidade política da Igreja Católica com os líderes 
                    reacionários.
 Na opinião de Costa, a secularização 
                    empreendida pelos estados modernos, que implicou a separação 
                    entre religião e Estado e a perda de espaço da religião da 
                    esfera pública, forçou a Igreja a trabalhar não só por sua 
                    sobrevivência, mas também pela conquista contínua de um espaço 
                    significativo de ação que lhe permitisse reunir e conduzir 
                    seus fieis. “Esse trabalho possui uma dimensão política tanto 
                    na sua relação com a sociedade quanto na sua relação com o 
                    Estado. Podemos dizer que ela solta seus militantes à direita 
                    e, à esquerda, seus “conservadores” e seus “progressistas”, 
                    sem que isso comprometa irremediavelmente a instituição com 
                    algum projeto político secular”, enfatiza. Ele acrescenta 
                    que, entre conservadores e progressistas, se institui um espaço 
                    de mobilidade política no qual a igreja busca ampliar seus 
                    espaços no mundo atual. Divergências Costa nega que tenha havido 
                    conflitos na produção da revista na década de 1930, mas existiram 
                    divergências, posições nuançadas sobre quais seriam os inimigos 
                    principais a combater. Na década de 1940, segundo ele, todos 
                    se tornam maritainianos e, a partir de 1945, se engajaram 
                    na Resistência Democrática e na UDN. Já na década de 1950, 
                    foi esboçada uma divisão entre um grupo liderado por Alceu 
                    Amoroso Lima e outro sob a liderança de Gustavo Corção.  Para 
                    o autor, a atualização do discurso católico tratada na tese 
                    teve um papel importante em seu tempo, inclusive ajudando 
                    a preparar o terreno para o Vaticano II, mas depois disso 
                    foi superada por outras atualizações do catolicismo. “É fato 
                    que no Brasil não tivemos consolidado um Partido da Democracia 
                    Cristã, apesar de o pensamento maritainiano ter influenciado 
                    muitos políticos que tiveram e têm, até hoje, um papel relevante 
                    nos destinos do país”.
 A liberdade que a Igreja concede 
                    a seus fieis é a primeira explicação para compreender as trajetórias 
                    individuais de lideranças católicas brasileiras que no século 
                    20 transitaram de um ponto a outro do espectro político, na 
                    opinião de Costa. “Em não se tratando de verdades dogmáticas 
                    e morais, são livres para se posicionarem nas outras questões. 
                    Desta forma, os deslocamentos ficariam por conta do ‘temperamento’ 
                    individual, expressão cara a Alceu de Amoroso Lima”, ressalta. 
                   Os deslocamentos foram manifestações 
                    de divisão entre os fieis, pois muitos católicos mantiveram-se 
                    “neutros”, outros seguiram a maré política, muitos permaneceram 
                    conservadores, alguns aderiram ao progressismo e ainda houve 
                    os que ficaram entre dois movimentos, porém, nenhum deixou 
                    de ser acolhido pela Igreja. Vale lembrar, segundo Costa, 
                    que o trabalho está focado em lideranças políticas católicas 
                    que se fizeram presença no Brasil do período estudado, cujos 
                    pronunciamentos estavam impregnados de uma determinada concepção 
                    do significado de ser católico no mundo. “Eles traziam consigo 
                    a longa história do périplo do corpo místico do Cristo no 
                    século”, declara. Ele ressalta que quando Gustavo 
                    Corção ou Alceu Amoroso Lima divulgavam pareceres sobre a 
                    situação brasileira, não o faziam apenas como indivíduos que 
                    vivenciavam uma época e um lugar, mas falavam também em nome 
                    de uma tradição de respostas à indagação do significado de 
                    “ser cristão no mundo sem ser do mundo”. “Para o cristão, 
                    a necessidade da vida presente, sua interferência no espaço 
                    público por meio da ação e da palavra é limitada no que respeita 
                    a um projeto futuro de humanidade porque ela vincula-se à 
                    percepção da transitoriedade das coisas terrenas, já que está 
                    imbuída da certeza de que o mundo acabará”, acentua.  Peregrinos Costa explica a postura do 
                    cristão como uma situação de “estrangeiro”, que está de passagem 
                    e tem sua esperança lançada num futuro que está fora do século 
                    em que vive. Esta situação de passagem, a partir de Paulo, 
                    implica o apostolado universal que orienta a “anunciar a boa 
                    nova a todos, convocá-los a se tornarem peregrinos”. Uma vez 
                    institucionalizada a lida pela salvação, assegurado o lugar 
                    privilegiado ao fim do império romano, e tendo a sua disposição 
                    o braço armado do Estado para executar o que lhe era vetado 
                    pelo mandamento, a Igreja sofre o grande abalo provocado pelos 
                    “famigerados três Rs” – Renascimento, Reforma e Revolução. A secularização também agiu 
                    na produção de um conhecimento que pretendia aliviar a canseira 
                    humana, motivando a confiança na capacidade humana de gerir 
                    seu próprio destino e construir um futuro melhor. “E foi nessa 
                    ideia que alguns da Igreja, com a proposta de garantir a permanência 
                    no século da modernidade, correram a elaborar um projeto de 
                    futuro para a humanidade, a fim de atribuir algum sentido 
                    de progresso no século capaz de atenuar a ideia do mundo como 
                    lugar da dor”, acrescenta o historiador. Segundo ele, aí reside a origem 
                    da moderna divisão política no interior da Igreja, divisão 
                    que se torna mais complexa com a consolidação da ordem burguesa, 
                    o abandono por parte da burguesia de alguns valores que ela 
                    havia representado quando de sua ascensão, a irrupção das 
                    massas e o advento dos movimentos socialistas. O historiador 
                    observa que entre “integristas” (que pretendem restaurar a 
                    integridade da religião) e “modernistas” se institui um espaço 
                    de mobilidade política no qual a Igreja busca forjar um lugar 
                    no mundo moderno, às vezes próxima ao exílio, às vezes próxima 
                    ao reconhecimento desse mundo como prefigura do reino.  Para Costa, as diferenças 
                    entre as duas posições não encobrem o fato de que o antimodernismo 
                    católico está na origem do catolicismo social, movimento reivindicado 
                    pelos progressistas católicos do século 20 como de sua linhagem, 
                    visto como força de progresso de importante papel histórico. 
                    “Sempre atentos à advertência de Roberto Romano de que não 
                    se pode ‘esquecer que o discurso da Igreja é teológico-político’, 
                    discurso articulado a partir de um sistema de representações 
                    e de uma linguagem próprios com os quais transfigura simbolicamente 
                    a realidade, pareceu-nos um ponto de partida rico em possibilidades 
                    pensar as trajetórias díspares das lideranças católicas no 
                    Brasil do século 20 como emblemáticas, como figuras do modo 
                    como a Igreja forja sua presença no mundo moderno”, pontua. 
                      Publicação Tese “Teologia e política: 
                    A Ordem e a atualização do discurso político-social católico 
                    no Brasil, 1931-1958”Autor: Alexandre José Gonçalves Costa
 Orientadora: Izabel Andrade Marson
 Financiamento: Fapesp
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