| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 330 - 17 a 30 de julho de 2006
Leia nesta edição
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Aparências enganam
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As aparências enganam

SANDRA NEGRAES BRISOLLA
ELZA DA COSTA CRUZ VASCONCELLOS

Sandra Negraes Brisolla é professora associada do Departamento de Política Científica e Tecnológica do IG. Elza da Costa Cruz Vasconcellos é professora associada do Departamento de Eletrônica Quântica do IFGW.(Foto: Antoninho Perri)No caderno Fovest da Folha de S. Paulo de 27 de junho, deparamo-nos com a matéria de capa “Eles & elas” com o seguinte subtítulo: “Nas universidades estaduais paulistas, homens lideram em número de aprovação, apesar de mais mulheres fazerem o vestibular”. Como estamos neste momento realizando um projeto cujo título é “A mulher e seu lugar na comunidade científica”, com apoio do CNPq, e acabamos de escrever um texto a ser apresentado no VI Congresso Ibero-americano de Ciência, Tecnologia e Gênero, em Zaragoza (Espanha), em setembro próximo, pareceu-nos adequado fornecer algumas informações com o objetivo de esclarecer certas questões que estão por trás das estatísticas.

Inscreveram-se para o exame vestibular da Unicamp, para concorrer a suas três mil e poucas vagas, 49.606 candidatos em 2006, sendo 24.898 mulheres, correspondentes a 50,2% do total. Foram matriculados 3.032 alunos, sendo 1.243 mulheres, ou 41% do total. Daí não se deduz que as mulheres estavam menos preparadas que os homens para o exame vestibular. O exame da composição de cursos oferecidos e das vagas oferecidas em cada curso permite concluir que persiste ao longo do tempo um perfil sexuado dos cursos de graduação, que explica porque, apesar do número de inscritos do sexo feminino no vestibular ser superior ao dos homens, a composição por gênero das matrículas é predominantemente masculina. Isso se deve à presença relativamente maior da oferta de vagas em cursos tradicionalmente masculinos.

Essas carreiras têm geralmente maior remuneração média e são postos de trabalho hierarquizados, de comando. Essas características, que tradicionalmente marcaram os postos masculinos no mercado, assim como a proximidade com o trabalho no “chão de fábrica”, dificultam a entrada de mulheres nesses cursos, por motivos diversos. Desde razões culturais, que associam a prática nessas atividades a capacidades e gestos masculinos, até verdadeiros preconceitos impregnados em vários setores da população, que creditam às mulheres a incapacidade de inteligência espacial (necessária para carreiras de engenharias) de raciocínio lógico, que dificultariam supostamente seu aprendizado de matemática avançada (importante também na computação e em outras carreiras exatas) e até barreiras objetivas que se apresentam no mercado de trabalho, que transcendem o preconceito dos executivos, representadas por instalações físicas inadequadas para o exercício, por mulheres, dessas profissões nos laboratórios e áreas das fábricas onde elas não são encontráveis com facilidade.
Por outro lado, não é desprezível o percentual de responsabilidade que deve ser atribuído à atitude de jovens que estão iniciando uma carreira, ao mesmo tempo em que estão se afirmando como mulheres e, embora não o admitam expressamente (talvez nem para si mesmas), temem afastar, com escolhas de carreiras conhecidas como “masculinas”, possíveis parceiros para a aventura da vida, cuja importância não pode ser minimizada, principalmente nessa faixa etária.

Gênero e área acadêmica – Estudos recentes sobre o exame vestibular da Unicamp, realizados pela equipe de pesquisadores responsáveis pela Comissão Permanente do Vestibular (Comvest) e suas relações com o desempenho acadêmico dos alunos, entre outras variáveis, têm revelado que entre os estudantes de graduação (tal como ocorre com a pós-graduação, por motivos semelhantes) a composição por gênero dos matriculados no primeiro ano na Universidade têm predomínio de alunos do sexo masculino.

Os dados fornecidos por esses estudos mostram também, com clareza, que essa participação por gênero está estreitamente vinculada à composição por área acadêmica, não só dos alunos, mas, antes disso, das vagas à disposição dos inscritos no exame vestibular (veja tabela nesta página).

Dos 60 cursos oferecidos pela Unicamp, as mulheres são maioria em 26, e os homens nos 34 restantes. Mas a diferença não está só no número de cursos. Nos 11 cursos mais masculinos (com menos de 17% de mulheres entre os alunos de graduação), as mulheres representam, em média, pouco mais de 10% dos alunos. Esses cursos, por outro lado, absorvem quase a quarta parte dos alunos matriculados na graduação da Unicamp (24,1%).

Por outro lado, há sete cursos onde predominam as mulheres amplamente; os homens são menos de 17% do total. Nesses 7 cursos, os homens são 7% do total (20/286), mas as matrículas nesses cursos representam apenas 9,4% do total da Unicamp, não afetando a composição por gênero dos ingressantes na mesma medida em que o fazem os cursos “mais masculinos”.

Pode-se afirmar, portanto, que o predomínio de alunos do sexo masculino na Unicamp deve-se à composição das vagas por curso, sendo oferecidas mais vagas em carreiras onde a presença masculina é tradicionalmente dominante.
Verifica-se essa afirmação, também, pela relação entre o número de inscritos e o número de matrículas por curso, por gênero. Dos 60 cursos, cerca de 50 não apresentam diferença sensível na relação entre matrículas e inscritos (equivalente à relação candidato/vaga) por gênero. Em 9 delas existe alguma diferença, em cursos que somam 353 alunos, representando 11,6% do total de matrículas.

A evolução da participação da mulher tem sido positiva, na ocupação de postos mais valorizados no mercado de trabalho e isso se nota na tendência do número de alunas nos cursos da Universidade, que vem crescendo mais que o dos alunos.

(Foto: Antonio Scarpinetti)Um caso particular – O estudo detalhado da relação entre o desempenho de alunos de graduação admitidos no período 1994-1997 na Unicamp com a situação econômica e social e a educação de primeiro e segundo graus, que foi realizado por pesquisadores vinculados à organização do Vestibular da Unicamp (Comvest), levou também em consideração a variável gênero. Este estudo foi efetuado por professores das áreas de física, matemática, estatística e ciências da computação, e por pessoal do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), mas o foco do estudo era o fato do aluno ter feito estudos anteriores em escola pública ou privada, além de variáveis como a renda e a educação dos pais (veja “Alunos da escola pública têm melhor desempenho”, Jornal da Unicamp, edição 327). Essa base de dados será explorada por nossa pesquisa dentro do enfoque aqui privilegiado de mulher em ciência.

Neste momento, no entanto, já se pode adiantar algum resultado referente às informações coletadas diretamente para o Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, cruzando a variável gênero com o rendimento acadêmico dos alunos durante o curso.

Quando se comparam os coeficientes de rendimento (CR) dos alunos do IFGW por gênero, em cada ano, observa-se que o coeficiente de rendimento médio das mulheres é 2,1% maior do que o coeficiente de rendimento médio dos homens, no período 1972-2005. Isso pode ser interpretado, na verdade, como uma equivalência no aproveitamento dos alunos, quando comparado por gênero, no IFGW, pois a diferença é pequena e até agora restrita a uma unidade acadêmica, o que não permite generalizar. De qualquer forma, o objetivo desta constatação é refutar o argumento corrente de que as mulheres teriam mais dificuldades para a apreensão de conceitos nas áreas exatas e tecnológicas. O dado é importante porque, apesar da amostra ser pequena e não ser aleatória, dá indícios de que as mulheres que escolhem cursos nas ciências exatas não encontram dificuldades para acompanhá-los, pois seu rendimento ao longo do curso é semelhante ao dos colegas homens.

Este exercício numérico tem como objetivo simplesmente apresentar informações consistentes no sentido de combater estereótipos que afastem as mulheres das carreiras exatas e tecnológicas. O país precisa de homens e mulheres para dar o salto necessário para superar suas carências educacionais para participar de forma mais eficiente e mais hierarquizada na sociedade do conhecimento.

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