| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 330 - 17 a 30 de julho de 2006
Leia nesta edição
Capa
Aparências enganam
Cartas
Cérebro da criança
Pré-natal
Instituto de Química
Mandarim 33
Arcos dentais
Mesopredadores
Alterações diastólicas
Qualificação de professores
Cátedra
Painel da semana
Teses
Livro da semana
Unicamp na mídia
Portal Unicamp
Eneq
Habitantes da rua
 

3

Em temática inédita, livro reúne vivência de especialistas em desenvolvimento neurológico infantil

Como evolui o
cérebro da criança

As professoras Maria Valeriana Leme de Moura-Ribeiro e Vanda Maria Gimenes Gonçalves: reunindo artigos de profissionais envolvidos com a pesquisa e a prática (Foto: Antoninho Perri) Com um único traço de guache em “Menino” (1950), Portinari consegue traduzir toda a energia transmitida por uma criança mental e fisicamente saudável. O desenho que reproduzimos nessa página ilustra a primeira seção do livro “Neurologia do desenvolvimento da criança”, que consegue abordar num único volume o desenvolvimento neurológico da infância à adolescência, em suas várias etapas: genética, embriológica, biológica, psicológica, neuromotora, auditiva, visual e comportamental, entre outras. O livro foi organizado pelas professoras Maria Valeriana Leme de Moura-Ribeiro e Vanda Maria Gimenes Gonçalves, que também estão entre os autores dos 29 artigos do volume, 24 deles de professores, médicos e pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.

Obra oferece fundamentos amplos e atuais a profissionais da saúde

“Tenho segurança de que a temática do livro é inédita não só no Brasil como na América do Sul. Traz quase 30 anos de trabalhos reunidos numa obra essencialmente brasileira, um marco inédito na área das neurociências”, afirma Maria Valeriana de Moura-Ribeiro, professora titular de Neurologia Infantil do Departamento de Neurologia da FCM e professora associada do Departamento de Neuropsiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.

“O livro fornece fundamentos amplos e atuais para que estudantes e profissionais da área saúde – neurologistas infantis, pediatras, neunatologistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, assistentes sociais e enfermeiros – compreendam a progressiva organização neural em crianças, facilitando assim o diagnóstico e o tratamento”, acrescenta Vanda Gonçalves, que é professora livre-docente de Neurologia Infantil da FCM.

No Brasil, a preocupação com o desenvolvimento neurológico da criança data da década de 1940, quando o professor Antonio Frederico Branco Lefèvre iniciou a padronização da avaliação neurológica dos recém-nascidos na USP, em São Paulo. De lá para cá, muitos médicos e pesquisadores iniciaram estudos sobre a evolução da criança nascida normal, em comparação com recém-nascidos apresentando problemas de baixo peso, prematuridade ou distúrbios na escolaridade.

Maria Valeriana vem abraçando o tema desde 1972, a partir do doutorado na USP de Ribeirão Preto, bastante influenciada pelos trabalhos do Lefèvre e do seguidor deste, professor Aron Diament. “Meu grande interesse está no aspecto neuroanatômico funcional, com filigranas de conhecimentos sobre a estrutura e a ultra-estrutura cerebral. E, em cima disso, estudando as características da avaliação neurológica do recém-nascido a termo (37 a 40 semanas gestacionais)”, explica.

Sobre os recém-nascidos a termo já se acumulou um bom conhecimento no decorrer dos anos. Ultimamente, os especialistas passaram a priorizar os estudos para avaliação do desenvolvimento neurológico dos chamados prematuros, mesmo porque eles são cada vez mais numerosos, diante dos avanços da medicina e notadamente dos cuidados de berçário.

Privilégio – A professora Vanda Gonçalves foi aluna de Maria Valeriana em Ribeirão Preto e teve o privilégio de trabalhar com Antonio Lefèvre na década de 70. “Lefèvre foi o pioneiro da semiologia neurológica da criança brasileira, muito sintonizado com os trabalhos europeus. Ele defendeu sua primeira tese da área em 1949 e ganhou discípulos que atuam em pólos como São Paulo, Campinas, Botucatu, Ribeirão Preto e em vários outros estados brasileiros. Apesar dos aprimoramentos, os fundamentos de Lefèvre são reconhecidos até hoje e ocupam grande parte do livro”, conta Vanda, ela própria criadora de uma linha de pesquisa inserida nos cursos de pós-graduação da Unicamp.

A professora Maria Valeriana observa que os capítulos de “Neurologia do desenvolvimento da criança” resultam do afloramento das idéias de pesquisadores altamente motivados com o tema. “O livro é composto, sim, por muitos autores, mas o aspecto inédito é que todos realizaram trabalhos de mestrado, doutorado e pós-doutorado em neurologia do desenvolvimento, reunindo inclusive conhecimentos clínicos”, justifica.

Em relação a esta peculiaridade, Vanda Gonçalves cita como exemplo o capítulo do livro escrito pela geneticista Iscia Lopes-Cendes, livre-docente da FCM da Unicamp, que para tratar dos determinantes genéticos da cognição e do desenvolvimento cerebral fez uma revisão dos trabalhos publicados desde 1850 até 2005. “Tivemos o cuidado de reunir profissionais com experiência e maturidade para uma abordagem que inclui vivência, história e relatos antigos e atuais”, assinala.

Neurologia do desenvolvimento da criança Maria Valeriana Leme de Moura-Ribeiro Vanda Maria Gimenes Gonçalves Páginas: 486 Preço: R$ 139 Editora RevinterO cérebro – No caso do recém-nascido a termo, o peso do cérebro no dia do nascimento tem entre 300 e 330 gramas, aproximadamente. Com 1 ano, a massa encefálica será triplicada a 900 gramas, crescendo em ritmo bem mais lento até os 1.500 gramas da fase adulta. “Portanto, o primeiro ano de vida é importantíssimo. O cérebro do recém-nascido é relativamente frágil, com conteúdo aquoso bastante grande. Depois, conforme vai chegando a 1 e 2 anos, esse conteúdo aquoso é substituído por proteínas, lipoproteínas e aminoácidos. Ocorre progressiva diferenciação da estrutura e também da ultra-estrutura: mielininização, características da célula nervosa e da célula de sustentação; o cérebro se diferencia nas interconexões nervosas e do ponto de vista bioquímico e enzimático”, esclarece a professora Maria Valeriana.
Este crescimento no primeiro ano, entretanto, está sujeito a agressões que podem comprometer o cérebro, a exemplo de infecções como meningite e encefalite, traumas, desnutrição e doenças metabólicas e genéticas. A professora Vanda Gonçalves afirma que essas modificações anatômicas no cérebro da criança a termo têm repercussão muito visível e passível de medida. “O desenvolvimento neurológico da criança pode ser medido por meio das escalas de avaliação. No Brasil são padronizados o exame neurológico do recém-nascido e o exame do lactente, desenvolvidos pelos professores Lefèvre e Diament, mas a grande maioria dos instrumentos que complementam essa avaliação é de escalas internacionais, que não foram adequadas ao país. Daí, a necessidade de extremo cuidado quando esta avaliação é feita com instrumentos padronizados em outros lugares”, pondera.

Experiência – Na opinião de Vanda, a experiência do profissional é o mais importante em meio aos diagnósticos com escalas, exames neurológicos e interface com outros examinadores da saúde. “Na suspeita de um desvio da normalidade, o médico corre o risco de pedir algum exame invasivo, criando expectativa na família, quando deveria esperar mais um pouco mais pelo desenvolvimento de uma função. Por outro lado, se houver mesmo uma lesão, não se deve protelar o exame. É quando entra e experiência do examinador. Às vezes, uma criança precisa ser examinada a cada dia ou semana – por exemplo, quando o perímetro craniano começa a crescer acima do esperado – antes da indicação de uma cirurgia. A hidrocefalia tem desdobramentos”, alerta.

Vanda Gonçalves informa que não se pode perder o período onde se tem a maior quantidade de circuitos neurais disponíveis, período que passa muito do primeiro ou segundo ano de vida, dependendo da função. Na área visual, o pico de circuitos neurais anatômicos vai desde o pré-natal até o sétimo ou oitavo mês de vida. A partir daí, a programação genética leva à eliminação de neurônios menos adequados e sinapses. “Diminui a quantidade para se ter maior qualidade dos circuitos que permanecem. Se quisermos perceber o melhor momento, isso deve ser feito antes de oito meses, apesar dessa janela se estender até os 5 ou 11 anos”, finaliza.

Toque de arte

A professora Maria Valeriana Leme de Moura-Ribeiro explica que o termo Neurologia surgiu no século XVII, utilizado pelo médico irlandês Thomas Willis na obra em latim “Celebri Anatome” (1664). Willis iria se tornar ministro da igreja protestante, mas acabou deslocado para atuar como iniciante religioso junto a feridos da guerra civil na Inglaterra, quando passou a estudar o que seriam os primórdios da neurologia. “Mas, mesmo antes, artistas da Renascença já olhavam a criança com suas peculiaridades neurológicas, registrando-as em suas pinturas. Nesse sentido, outro aspecto a ser valorizado no nosso livro é a somatória de conhecimentos paralelos em termos de arte, ele une arte e neurodesenvolvimento”, ressalta.

Quase todos os módulos do livro são abertos com uma reprodução artística, como na seção 2 – “Bases estruturais do neurodesenvolvimento” –, que traz um desenho em pena e tinta de Leonardo da Vinci, “Feto no útero” (1510-1512). “Reproduzimos apenas parte de um grande quadro exposto no Castelo de Windsor, onde Da Vinci desenha óvulo, feto e características do útero, deixando sua marca registrada que são as anotações escritas em espelho (da direita para a esquerda), a fim de evitar falsificações”, observa Maria Valeriana.

A professora, que se comove com “Menino” de Portinari da seção 1, folheia o livro até a seção 5 – “Maturação neurofisiológica do sistema nervoso central” – para mostrar “Leda e o cisne” (1508), pintura a óleo de Cesare da Sesto, cujo detalhe que interessa exige uma lente. “As atenções são para Leda, mas a seus pés vemos uma criança rolando, outra praticamente engatinhando e, uma terceira, que tem uma malformação na coluna que o pintor, um aluno de Da Vinci, disfarçou como se fosse uma asinha de anjo”, descreve. A última seção – “Neuroimagem e desenvolvimento” – é ilustrada com a radiografia da mão da esposa de Wilhelm Roentgen, obtida em 1895 pelo fotógrafo inglês para marcar a virada de século com o início da radiologia. Sim: e a professora Maria Valeriana permitiu-se uma “corujice”, compondo com o rosto de seu neto, João Pedro, a fotomontagem que ilustra a capa do livro.

 


SALA DE IMPRENSA - © 1994-2005 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP