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Especialista defende aprimoramento e ampliação das políticas públicas para que cheguem a todos que precisam

Os 18 milhões que continuam com fome pedem reavaliação dos programas sociais

A professora Ana Maria Segall Corrêa: “Os moradores da área rural, mesmo que tenham renda menor, lançam mão de estratégias para incrementar a dieta”. (Fotos: Antonio Scarpinetti)A despeito da ampliação dos programas sociais do governo federal nos últimos anos, um contingente expressivo da população brasileira ainda não está sendo alcançado por esse tipo de política pública. Uma das conseqüências dessa situação é que aproximadamente 18 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar (IA) no país, ou seja, não têm acesso à comida em qualidade e quantidade suficientes para a sua manutenção. Destas, 14 milhões se encontram em condição de insegurança alimentar grave – o que em linguagem popular significa que passam fome em algum período do mês, sejam elas crianças ou adultos. Os dados são da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), divulgada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O levantamento, o primeiro do gênero no país, foi realizado a partir de metodologia desenvolvida por especialistas da Unicamp e de outras três instituições de pesquisa.

Resultados do Bolsa Família não podem ser aferidos ainda

Os números apurados pela PNAD acerca da dimensão da insegurança alimentar no Brasil indicam a necessidade de reavaliação dos programas sociais mantidos pela União, de acordo com a médica epidemiologista e professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Ana Maria Segall Corrêa. Segundo ela, que coordenou a análise técnica dos resultados da pesquisa para o IBGE, os dados deixam claro que algo precisa ser feito em favor daqueles que ainda são castigados ou ameaçados pela fome. “Duas alternativas que não podem deixar de ser consideradas são o aperfeiçoamento e a ampliação das ações já existentes, visto que muita gente ainda não é beneficiada pelas políticas públicas em vigor”, afirma.

Nem o principal programa de transferência de renda mantido pelo governo federal, o Bolsa Família (BF), tem conseguido fazer frente ao problema da fome no país, que atinge com maior prevalência as regiões Norte e Nordeste, conforme a PNAD. O Bolsa Família, informa o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), alcança atualmente 11 milhões de famílias, cuja renda mensal por pessoa varia de menos de R$ 60,00 a R$ 120,00. Estas recebem entre R$ 15,00 e R$ 95,00 por mês. Ocorre, porém, que o levantamento do IBGE aponta que 15% dos domicílios que recebem dinheiro de algum programa social do governo apresentam insegurança alimentar grave. “Nesse caso, é possível que o teto estabelecido para o Bolsa Família, por exemplo, não seja o mais indicado. Além disso, essas iniciativas emergenciais são importantes, mas não podem ser as únicas. Ainda carecemos de políticas de geração de emprego e renda mais efetivas”, acrescenta a professora Ana Segall.

Uma das vantagens da metodologia empregada pelo IBGE para medir o grau de IA no Brasil, explica a docente da Unicamp, é que ela não leva em conta apenas a renda das famílias. Embora seja um indicador importante, esta deve ser considerada junto com outros fatores, como o padrão de consumo da população. Ao se avaliar apenas os rendimentos das pessoas, diz a epidemiologista, corre-se o risco de não apurar com precisão a dimensão da insegurança alimentar. Isso acontece porque determinadas famílias com maior nível de renda podem ter mais dificuldade de acesso a alimentos do que outras com menor disponibilidade de dinheiro. “Os moradores da área rural, onde a renda tende a ser menor, às vezes lançam mão de estratégias para incrementar a dieta, como o plantio de produtos para consumo próprio, o que não acontece com tanta freqüência na zona urbana, onde a renda normalmente é maior”, esclarece.

A professora Ana Segall espera que os índices de IA que emergiram da PNAD sirvam de linha de base para a análise mais aprofundada das políticas públicas na área social. “Nós não sabemos como estava a situação anteriormente, pois não dispúnhamos desse tipo de dado. Portanto, ainda não dá para aferir se a expansão do Bolsa Família e a unificação dos programas sociais do governo federal trouxeram avanços significativos no combate à fome. Essa análise só será possível a partir de uma segunda pesquisa, pois precisamos de um parâmetro para comparação. Por enquanto, só é possível identificar que, por mais que tenham sido positivas, essas ações são passíveis de aperfeiçoamento, dado que ainda temos muita gente passando fome no país”.

A metodologia – A pesquisa suplementar da PNAD que traçou o perfil da IA no Brasil foi realizada em 2004, mas só foi divulgada em maio deste ano. A metodologia empregada pelo IBGE, denominada Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), nasceu em 2003, a partir da necessidade de criar um instrumento de coleta de informação capaz de promover o acompanhamento e a avaliação da política de erradicação da fome adotada pelo governo brasileiro. O projeto, sob a coordenação de uma equipe da Unicamp, reuniu pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, da Universidade Federal da Paraíba e da Universidade de Brasília. Contou, ainda, com a participação de Rafael Pérez Escamilla, do Departamento de Nutrição da Universidade de Connecticut, dos Estados Unidos, que atuou como professor visitante da Unicamp, graças a uma bolsa concedida pela Fapesp.

A idéia inicial, que mais tarde mostrou-se acertada, era validar um questionário desenvolvido pelo United States Department of Agriculture (USDA), criado justamente para medir situações de segurança e insegurança alimentar. A metodologia já havia sido testada e validada em países da África e Ásia. “O que nós fizemos foi encontrar a melhor maneira de adaptar esse instrumento à realidade brasileira”, explica a professora Ana Segall. Essa adequação seguiu duas etapas, uma qualitativa e outra quantitativa. Os trabalhos foram desenvolvidos em quatro cidades: Campinas, João Pessoa, Manaus e Brasília, selecionadas para representar contextos econômicos, sociais e culturais diferentes.

Essas atividades foram precedidas de três seminários promovidos na sede da Organização Pan-Americana de Saúde (OPS), em Brasília, organismo que custeou o projeto juntamente com o Ministério da Saúde. Participaram das discussões representantes dos órgãos financiadores, bem como dos então ministérios de Promoção e Assistência Social, de Ciência e Tecnologia e Especial de Segurança Alimentar. A fase qualitativa de validação foi composta por quatro painéis de especialistas, seguidos de encontros de grupos focais com representantes das comunidades das cidades tomadas para estudo. “Nessa fase, nós fizemos uma revisão geral do instrumento do USDA. Discutimos estratégias de aplicação e analisamos a adequação dos indicadores sociais, demográficos e de consumo alimentar. Além disso, avaliamos cada uma das perguntas, modificando a linguagem e as opções de resposta. Nossa maior preocupação era que a população entendesse os conceitos e as palavras-chave”, esclarece a médica epidemiologista.

Em Campinas – Ao final da primeira etapa, ficou definido que o questionário conteria 15 perguntas. No segundo estágio, envolvendo a validação quantitativa, os especialistas optaram por lançar mão de amostras intencionais de domicílios, selecionados para representar quatro estratos sociais diferentes: classe média, média baixa, pobre e muito pobre. As entrevistas foram feitas por nutricionistas, estudantes de nutrição, enfermagem, engenharia agrícola e engenharia de alimentos devidamente treinados e supervisionados. Ao final dos trabalhos, os pesquisadores concluíram que o instrumento mostrou-se eficaz para medir o grau de segurança e insegurança alimentar, pois reunia características importantes que iam desde a fácil compreensão das perguntas por parte da população até a alta validade na apuração da situação alimentar das famílias.

Antes de ser utilizada pelo IBGE, a EBIA foi testada em Campinas, também em 2003. Um inquérito populacional aplicado junto a 847 famílias da cidade mostrou que um contingente importante da população tinha padrão alimentar inadequado, quer seja quantitativo ou qualitativo. O levantamento apontou que entre as famílias com ganho médio total abaixo de um salário mínimo, 26,1% haviam experimentado, nos três meses que antecederam a pesquisa, insegurança alimentar severa, o que significa que seus membros, com alguma freqüência, passaram fome no período. Em outras palavras, a dieta habitual dessas pessoas era insuficiente para lhes garantir uma vida saudável.

CONCEITOS

Segurança Alimentar:
Ocorre quando não há problema de acesso aos alimentos em termos qualitativos ou quantitativos e não há preocupação que os alimentos venham a faltar.

Insegurança Alimentar Leve:
Ocorre quando há preocupação com a falta de alimentos no futuro próximo e quando ocorrem arranjos domésticos para que os alimentos durem mais.

Insegurança Alimentar Moderada:
Ocorre quando há o comprometimento da qualidade da alimentação, buscando manter a quantidade necessária. Neste nível de insegurança, inicia-se a redução da quantidade de alimentos entre os adultos.

Insegurança Alimentar Severa:
Ocorre quando há a restrição da quantidade de alimentos, levando à situação de fome entre adultos e crianças.

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