.. Leia nessa edição
Capa
Artigo
Comentário
Ferramenta para o ensino
Cancer: alerta da Unicamp
Levedura "Inteligente"

Reformas: Octavio Ianni

Alimentação de idosas
Pessoas "interditadas"
Anomalias craniofaciais
Unicamp na Imprensa
Painel da Semana
Teses da Semana
Ceset desenvolve tijolos
O "genoma artístico"
 

8

Tese analisa processos
de pessoas “interditadas”

Inspirado na novela A Interdição, de Balzac (1799-1850), durante três anos o antropólogo Alexandre Zarias vasculhou os arquivos do Palácio da Justiça e cartórios de Campinas, consultou processos, acompanhou outros em fase de tramitação, além de participar de audiências de interrogatórios e perícias psiquiátricas. Ele queria entender como é que se pode privar um indivíduo de exercer certos direitos civis, como votar ou ter conta em banco. É o que a justiça classifica de pessoa interdita ou interditada, ou seja, aquela que já não tem mais capacidade para gerir seus próprios recursos, como receber heranças ou os benefícios do INSS, por exemplo.

“O propósito do meu trabalho foi tentar compreender como as instituições – família, justiça e medicina – discutem os significados da doença do indivíduo que se pretende interditar. O grande problema da interdição não é estudar quais são as doenças que geram esse tipo de processo, mas sim analisar a forma pela qual a família, a justiça e a medicina compreendem, constroem e atribuem determinado tipo de doença a uma pessoa”, explica Alexandre.

Ao todo, foram mais de mil registros de interdições consultadas. Desse universo, Zarias selecionou 100 processos, usando 40 para desenvolver seu estudo. Sua investigação concentrou-se em seis indivíduos – três homens e três mulheres. No estudo desses casos são exemplificados os conflitos mais comuns entre a medicina, a justiça e a família, a partir da história de vida dessas pessoas classificadas como interditadas.

Em alguns casos, segundo o pesquisador, existem conflitos entre a justiça e a medicina, principalmente quando está em jogo a necessidade ou não de proclamar a interdição. Diz que o pedido para que a pessoa seja interditada deve, sempre, partir de familiares ou do Ministério Público. A interdição funciona como uma ferramenta utilizada pela família para que ela possa cuidar dos bens do interdito, como receber os benefícios do INSS, por exemplo. “Caso contrário, esse benefício não poderá ser concedido”, diz Alexandre.

Arquivamento – O pesquisador é autor da dissertação Negócio Púbico e Interesse Privado: análise dos processos de interdição, apresentada recentemente no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), sob a orientação da professora Heloisa André Pontes. Segundo explica Zarias, o processo de interdição compreende três suposições: se o interditando é “incapaz” para os atos da vida civil; se ele é doente de fato e, por último, nos casos em que a “doença” que apresenta é a causa da sua incapacidade para desenvolver qualquer tipo de atividade civil. “Assim, durante as três fases do processo (petição inicial, interrogatório e perícia), pode-se chegar a algumas imposições”, diz Zarias.

Por exemplo: o interditando não é doente, e, portanto, é “capaz”’; o interditando é considerado doente mas também é capaz; o interditando é doente e, por isso, absolutamente “incapaz” ou relativamente incapaz. Nessa última situação, fica caracterizada a interdição. Nas demais, o processo é arquivado e a “capacidade civil” do indivíduo não sofre qualquer modificação, isto é, a pessoa não é interditada. Mas o pesquisador explica que essas três imposições variam conforme as bases processuais.

“Pode-se concluir que na interdição nem todo doente é ‘incapaz’, mas todo indivíduo ‘incapaz’, total ou relativamente, é um doente”, argumenta Zarias. Como é de praxe, antes de proferir a sentença, o juiz deve ouvir o perito, que pode ou não aceitar o seu parecer e decidir pela interdição ou arquivamento do processo. Em função do perfil dos indivíduos que vão ser interditados, a justiça e a medicina atuam basicamente de duas maneiras distintas: como agências de encaminhamento (os interditados já possuem histórico clínico e necessitam de declaração de incapacidade civil para o recebimento do INSS, para citar apenas um exemplo); e como agências de controle. Nesse caso, geralmente os interditandos não possuem histórico clínico, pertencem a uma classe social mais elevada e durante a tramitação do processo é que a doença será consagrada institucionalmente, ou seja, “é na justiça que a pessoa torna-se ‘doente’ ”, argumenta o pesquisador.

“Embora a declaração da interdição signifique uma supressão de parte dos direitos civis, como votar, dirigir, movimentar contas bancárias, não há nenhum mecanismo legal que os impeça de realizar tais coisas”, ressalta Zarias. Isso significa que a vigilância da vida da pessoa interditada é exercida pela própria família.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP