| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 313 - 20 de fevereiro a 5 de março de 2006
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Pesquisadora do IG, que é bióloga e advogada, ressalta
a importância de mediar as tensões e de impor sanções

O aquecimento global sob
a ótica da política e do direito

MANUEL ALVES FILHO

Nicia Beatriz Barbin e Luci Hidalgo Nunes: "Relação do homem com a natureza passou da dependência para a dominação" (Foto: Antoninho Perri)Embora ainda haja controvérsias entre os cientistas acerca do contínuo aquecimento global do planeta, que seria provocado pelo efeito estufa, alguns fenômenos que parecem manter relação com essa possível mudança climática têm se intensificado nos últimos anos. Um dado que ajuda a sustentar essa hipótese vem da Nasa. Segundo a agência espacial americana, 2005 foi o ano mais quente já registrado na Terra desde 1890, data que marcou o início das medições. Acontecimentos desse tipo chamam a atenção da opinião pública mundial e são normalmente analisados sob a ótica de algumas áreas importantes, como a geografia e a meteorologia, para ficar em dois exemplos. Ocorre, porém, que a busca por soluções para os problemas criados pela ação do homem é uma tarefa que não cabe apenas a esses campos. Também é uma missão da política e do direito, ciências que dispõem de mecanismos coercitivos capazes de criar obrigações, como destaca a bióloga e advogada Nícia Beatriz Cruz Barduchi Barbin em dissertação de mestrado recém-defendida no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.

Análises são restritas às questões físicas

A inter-relação das questões climáticas com o direito e a política ainda é um tema pouco explorado pela academia, conforme admite Nícia e sua orientadora, a professora Luci Hidalgo Nunes. O mesmo ocorre, segundo elas, no que toca aos debates, nos mais variados âmbitos e fóruns, sobre as medidas efetivas para enfrentar as implicações decorrentes da mudança do clima. “De modo geral, as pessoas e até mesmo os especialistas restringem as análises às questões físicas. Estas são essenciais, mas está cada vez mais claro que há um outro componente importante a ser considerado: a atividade humana. O homem também precisa ser visto como um elemento da atmosfera”, afirma a docente.

O trabalho de Nícia, prossegue a professora Luci, ocupou-se de estabelecer essa conexão, de uma maneira muito bem fundamentada. Na dissertação, a autora demonstra que a relação do homem com a natureza passou por transformações com o decorrer do tempo. “Ela deixou de ser de dependência e passou a ser de dominação”, explica. Justamente por isso, defende a bióloga e advogada, é preciso criar mecanismos que norteiem esse vínculo. É aí que entram a política e o direito. A primeira, diz a autora da dissertação, funciona como mediadora das tensões e interesses presentes quando o assunto é a preservação ambiental. “O segundo tem função coercitiva. O direito define sanções para o cumprimento das obrigações. Assim, se o homem gera problemas para a natureza, ele também tem como lançar mão de instrumentos para resolvê-los”.

Um exemplo de como a política e o direito, associados a outras ciências, podem contribuir para o enfrentamento dessas questões é o Protocolo de Kyoto, acordo firmado por 141 países, sendo 30 deles industrializados. No documento, os signatários assumem o compromisso de reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2), gás que contribui para o efeito estufa, em 5,2%, tendo como padrão os níveis de 1990. A meta é alcançar o resultado no período de 2008 a 2012. A despeito de os Estados Unidos, nação considerada a maior poluidora do planeta, não terem aderido ao tratado, a iniciativa é meritória, no entender de Nícia. “O protocolo cria, por exemplo, os créditos de carbono, mecanismo que tem incentivado vários países a investir de forma conseqüente no controle das emissões atmosféricas. Embora os Estados Unidos não sejam signatários do acordo, alguns estados e empresas norte-americanas abraçaram essa causa. Curiosamente, a primeira Bolsa do Clima do mundo funciona em Chicago”, observa.

Tuvalu – Nícia Barbin reconhece, entretanto, que as questões climáticas ainda enfrentam sérios obstáculos no plano internacional, notadamente por causa dos interesses envolvidos. Não é fácil colocar numa mesma mesa de negociação as demandas de Tuvalu, um pequeno estado-arquipélago localizado no Pacífico, entre a Austrália e o Havaí, e o país comandado por George W. Bush. “Por isso o advento do Protocolo de Kyoto representou um marco. As pessoas e as nações precisam exercitar a negociação e estabelecer prioridades. Os interesses maiores devem vir na frente”, acrescenta. Nota importante: em virtude da elevação do nível do mar, que seria um dos resultados do aquecimento global, Tuvalu corre sério risco de submergir nos próximos anos. Diante dessa iminência, a Nova Zelândia já se comprometeu em receber os tuvaluanos caso o pior aconteça. “É uma atitude humanitária, mas que não resolve o problema. Se o território de Tuvalu desaparecer, parte da sua história e cultura também terá fim”, pondera Nícia.

No Brasil, a situação não é muito diferente. De acordo com a bióloga e advogada, a inter-relação do clima com a política e o direito começa a dar os primeiros passos. Para a professora Luci Nunes, embora represente algum avanço, também é possível notar uma certa “artificialidade” nesse esforço. “Ainda precisamos amadurecer essa questão”, afirma. De uma forma geral, analisa Nícia, o diálogo entre os especialistas (geólogos, geógrafos, meteorologias, engenheiros, advogados etc) permanece complicado. O mesmo acontece com os gestores públicos, nas esferas municipal, estadual e federal. Muitos se mostram mais preocupados em fazer prevalecer suas idéias do que em alcançar um consenso por meio do qual estabeleceriam medidas mais efetivas em favor da preservação ambiental.

Mesmo diante desse quadro, a autora da dissertação se diz otimista quanto ao futuro. Nícia Barbin pensa que o homem é capaz de promover arranjos inteligentes para resolver os seus problemas. “Creio que isso é perfeitamente possível. Só precisamos que os atores envolvidos nessa questão exercitem a negociação e passem a falar a mesma língua. Mas tem um ponto importante. Esse processo não pode demorar muito. Nós já estamos sentindo os efeitos das alterações climáticas. A sociedade não pode permanecer imóvel, à mercê de novas catástrofes naturais”, alerta. Os tuvaluanos certamente assinariam embaixo desta declaração.


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