Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 278 - 28 de fevereiro a 6 de março de 2005
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Aquecimento global
 

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Unicamp e Embrapa acabam de concluir estudo
que projeta cenários para cinco culturas agrícolas

Pesquisa antevê efeitos
do aquecimento global

MANUEL ALVES FILHO

Hilton Silveira Pinto e Eduardo Assad: cenário traçado. (Foto: Antoninho Perri)Ao mesmo tempo em que entrava em vigor o Protocolo de Kyoto, no último dia 16 de fevereiro, pesquisadores da Embrapa Informática Agropecuária e do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp concluíam uma pesquisa pioneira sobre as conseqüências do aquecimento global, causado pelo efeito estufa, para cinco importantes culturas agrícolas perenes no Brasil. De acordo com o cenário traçado pelos especialistas, café, arroz, feijão, milho e soja terão suas áreas de cultivo reduzidas praticamente pela metade assim que a temperatura média da Terra estiver 5,8 graus Celsius acima da atual, situação prevista para ocorrer num prazo de 50 a 100 anos. O objetivo do trabalho, que já está à disposição dos interessados no site www.agritempo.gov.br/cthidro, é alertar as autoridades públicas e a comunidade científica para a necessidade da adoção de medidas que evitem o que pode vir a ser uma tragédia para a agricultura e a economia do país.

O estudo foi dividido em duas partes. A primeira, concluída em meados de 2003, cuidou apenas do café. O produto foi escolhido para iniciar o trabalho em razão da sua importância econômica, pois responde por cerca de 5% do PIB do agronegócio nacional (cerca de R$ 20 bilhões), e porque faz uma espécie de representação de outras culturas perenes. Na ocasião, os especialistas estabeleceram um modelo de predição que permitiu projetar os possíveis impactos das mudanças climáticas sobre aquele produto agrícola. Foram considerados, para tanto, dados gerados por diversos organismos, entre eles os próprios centros que coordenaram a pesquisa. Assim, os cientistas analisaram informações como produtividade, área plantada, tipo de solo, volume de chuvas, entre outras.

Foram utilizados, ainda, prognósticos feitos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, cuja sigla em inglês é IPCC. De acordo com o órgão, a temperatura média da Terra deve aumentar até 5,8 graus Celsius entre os próximos 50 e 100 anos. Ressalte-se que, atualmente, já há pesquisadores considerando esta previsão tímida. Cientistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, falam em um aquecimento da ordem de até 11 graus Celsius no período. De toda forma, ao cruzarem os dados elencados, os especialistas da Unicamp e da Embrapa conseguiram prever, de forma gradual e por meio de mapas e gráficos, como o café será afetado caso essas condições sejam confirmadas. A conclusão não poderia ser mais preocupante. Conforme o estudo, com a temperatura 5,8 graus Celsius mais quente do que a atual, o café simplesmente desapareceria dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás.

A tendência, conforme o diretor-associado do Cepagri, Hilton Silveira Pinto, é que as plantações de café sejam transferidas cada vez mais para o Sul. "Se as previsões de aquecimento se confirmarem, no futuro nós vamos tomar café produzido na Argentina", afirma. A migração deverá ocorrer, diz o especialista, porque as plantas "buscarão" uma espécie de equilíbrio climático em regiões consideradas frias atualmente. Validado o modelo de predição com o café, os pesquisadores passaram a analisar as demais culturas. Infelizmente, os resultados das simulações foram igualmente preocupantes. De acordo com o pesquisador da Embrapa Informática e coordenador da pesquisa, Eduardo Assad, à medida que a ferramenta simula uma elevação de temperatura, menor se torna a área passível de cultivo desses produtos (confira mapas).

No caso do arroz, o acréscimo de apenas 1 grau Celsius na temperatura do planeta faria com que a área cultivável, com plantio em data adequada, caísse de 4,8 milhões para 4,6 milhões de quilômetros quadrados. No pior dos cenários considerados, com 5,8 graus Celsius a mais, a área seria reduzida para somente 3 milhões de quilômetros quadrados. Em relação ao feijão, milho e soja, os resultados obtidos pelo estudo não foram muito diferentes. De acordo com Assad, com a temperatura alcançando o limite máximo tomado para análise, as áreas aptas para a produção dessas culturas ficam drasticamente reduzidas, algumas delas em mais de 50%, como o caso da soja, que passaria dos 3,4 milhões de quilômetros quadrados atuais para algo em torno de 1,2 milhões de quilômetros quadrados, quando plantada nas datas mais adequadas. "Isso seria uma tragédia para o país, pois traria importantes impactos econômicos e sociais", afirma o pesquisador da Embrapa Informática.

Entenda-se como impactos econômicos e sociais a descapitalização dos agricultores, o desabastecimento do mercado, a elevação do preço dos produtos e o crescimento do desemprego em toda a cadeia formada pelo agronegócio, apenas para ficar nos exemplos mais pronunciados. Assad e Silveira Pinto destacam que esse tipo de predição não é um mero exercício de futurologia. Concebida com extremo rigor científico, a ferramenta constitui um valioso instrumento para auxiliar no planejamento de ações com capacidade de reverter ou pelo menos minimizar os problemas que podem advir do aquecimento global. Para os especialistas, essas medidas têm basicamente dois objetivos: a mitigação e a adaptabilidade, com maior ênfase para esta última.

Na opinião de Assad, o Brasil não poderá prescindir dos avanços proporcionados pela biotecnologia. A busca por plantas mais resistentes ao calor, por exemplo, será condição indispensável para que o país não tenha a sua produção agrícola comprometida. "Possivelmente, a nossa melhor alternativa estará nos organismos geneticamente modificados", arrisca. A esta medida, acrescenta Silveira Pinto, deverão ser somadas outras, como a substituição de culturas em determinadas regiões e a ampliação da irrigação. O cenário está traçado. Restam agora duas opções: enfrentar os desafios com competência ou encarar os possíveis reflexos do aquecimento do planeta como uma fatalidade. A pesquisa conjunta da Embrapa e Cepagri consumiu cerca de R$ 250 mil. Os recursos vieram do fundo setorial CT-Hidro/CNPq, Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e Finep, também vinculado ao MCT.

Entenda o protocolo de Kyoto

O que é?

É um acordo internacional que estabelece metas de redução de gases poluentes para os países industrializados. O protocolo foi finalizado em 1997, baseado nos princípios do Tratado da ONU sobre Mudanças Climáticas, de 1992.

Quais as metas?

Países industrializados se comprometeram em reduzir, até 2012, as suas emissões de dióxido de carbono a níveis pelo menos 5% menores do que os que vigoravam em 1990. A meta de redução varia de um signatário para outro. Os países da União Européia, por exemplo, têm de cortar as emissões em 8%, enquanto o Japão se comprometeu com uma redução de 5%. Alguns países que têm emissões baixas podem até aumentá-las.

As metas estão sendo atingidas?

O total de emissões de dióxido de carbono caiu 3% entre 1990 e 2000. No entanto, a queda aconteceu principalmente por causa do declínio econômico nas ex-repúblicas soviéticas e mascarou um aumento de 8% nas emissões entre os países ricos. A ONU afirma que os países industrializados estão fora da meta e prevê para 2010 um aumento de 10% em relação a 1990. Segundo a organização, apenas quatro países da União Européia têm chance de atingir as metas.

Por que os Estados Unidos ficaram de fora do acordo?

O presidente George W. Bush retirou-se das negociações sobre o protocolo em 2001, alegando que a sua implementação prejudicaria a economia do país. O governo Bush considera o tratado “fatalmente fracassado”. Um dos argumentos é que não há exigência em relação aos países em desenvolvimento, para que também diminuam suas emissões. Bush disse ser a favor de reduções por meio de medidas voluntárias e novas tecnologias no campo energético.

Kyoto vai fazer uma grande diferença?

A maioria dos cientistas que estudam o clima diz que as metas instituídas em Kyoto apenas tocam a superfície do problema. O acordo visa a reduzir as emissões nos países industrializados em 5%. É praticamente consenso entre esses especialistas que, para evitar as piores conseqüências das mudanças climáticas, seria preciso uma redução de 60%. Os defensores do acordo dizem que o tratado fez com que vários países transformassem em lei a meta de reduções das emissões e que, sem o protocolo, políticos e empresas tentando implementar medidas ecológicas teriam dificuldades ainda maiores.

Qual a situação do Brasil e de outros países em desenvolvimento?

O acordo diz que os países em desenvolvimento, como o Brasil, são os que menos contribuem para as mudanças climáticas e, no entanto, tendem a ser os mais afetados pelos seus efeitos. Embora muitos tenham aderido ao protocolo, países em desenvolvimento não tiveram de se comprometer com metas específicas. Como signatários, no entanto, eles precisam manter a ONU informada do seu nível de emissões e buscar o desenvolvimento de estratégias para as mudanças climáticas. Entre as grandes economias em desenvolvimento, a China e Índia também ratificaram o protocolo.

O que é o comércio de emissões?

O comércio de emissões consiste em permitir que países comprem e vendam cotas de emissões de gás carbônico. Dessa forma, países que poluem muito podem comprar "créditos" não usados por aqueles que geram pouca poluição. Depois de muitas negociações, os países agora podem ganhar créditos por atividades que aumentam a sua capacidade de absorver carbono, como o plantio de árvores e a conservação do solo.

No ar

A entrada em vigor do Protocolo de Kyoto é uma boa iniciativa contra os problemas causados pelo aquecimento global, mas não será suficiente para erradicá-los. A opinião é do diretor-associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), Hilton Silveira Pinto. Segundo ele, o acordo, firmado por 141 países, sendo 30 industrializados, estabelece o compromisso dos signatários em reduzir as emissões de CO2, gás que contribui para o efeito estufa, em 5,2%, tendo como padrão os níveis de 1990. A meta é alcançar o resultado no período de 2008 a 2012. O especialista do Cepagri lembra, porém, que as ações consideram apenas o que está por vir e levam em conta um índice relativamente tímido. “Os gases que já foram jogados na atmosfera continuarão produzindo efeitos danosos ao clima. Além disso, 95% da carga poluidora permanecerá sendo lançada no ar”, assinala.

Outro aspecto que precisa ser levado em consideração, adverte o pesquisador do Cepagri, é o fato de os Estados Unidos, nação mais industrializada do mundo, não ter aderido ao Protocolo de Kyoto. Sozinho, o país do presidente George W. Bush responde por 25% do volume mundial de emissão de CO2. "Isso significa que o acordo tem um alcance limitado e que os países precisarão buscar alternativas adicionais para reduzir o efeito estufa e impedir a progressão do aquecimento global. O Brasil tem trilhado um bom caminho ao ampliar as pesquisas em torno dos biocombustíveis. O álcool, por exemplo, pode ser uma boa solução para o mundo", afirma.

A negativa dos EUA em aderir ao esforço mundial para o controle da poluição está baseada, oficialmente, em argumentos econômicos. De acordo com as autoridades norte-americanas, o país não pode prescindir do crescimento, sustentado em grande parte por indústrias que emitem gases prejudiciais à atmosfera. Mas existe quem defenda a tese de que há um outro interesse por trás desta decisão. Com o aquecimento do planeta, algumas regiões gélidas dos EUA, que hoje não são agriculturáveis, poderiam vir a ser. De qualquer maneira, ao não se tornar signatário do documento, a pátria de Bush não só ficou dispensada de reduzir suas emissões em 7%, como planeja ampliá-las em 35% até 2012. Escolha semelhante foi feita pela Austrália, que também ficou de fora do grupo preocupado com as conseqüências do aquecimento do planeta.





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