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Jornal da Unicamp -- Dezembro de 1999
Páginas 2 e 3

Universos
Rodada do Milênio

Mário Presser

Entre 30 de novembro e 3 de dezembro foi realizada a reunião da Organização Mundial de Comércio (OMC) em Seattle, EUA, que resultou num inesperado fiasco: não houve a tão esperada declaração que orientaria as negociações de mais uma rodada de negociações multilaterais (antecipadamente denominada Rodada do Milênio pela imprensa) sobre o comércio internacional e assuntos conexos, em suma, sobre as regras do jogo da globalização produtiva. A globalização produtiva – cuja principal característica é uma ampla abertura ao comércio externo, aos investimentos internacionais, às idéias e às tecnologias estrangeiras - sempre foi vista pelos entusiastas da globalização como favorável aos países em desenvolvimento, permitindo uma rápida aquisição de novas tecnologias (em especial, pela atração dos investimentos diretos) e possibilitando aos produtores localizados no país (sua nacionalidade perde importância) reduzir custos, desenvolver produtos inovadores (tudo deve ser smart), promover e diversificar exportações e criar novos e melhores empregos.

Alguns resultados decepcionantes da globalização produtiva para os países em desenvolvimento – o desemprego crescente, um problema compartilhado também por quase todos os países desenvolvidos; a existência de superprodução global em vários setores industriais (automóveis e eletrônicos, entre outros); a queda dos preços internacionais das exportações não só dos seus produtos básicos, mas inclusive dos manufaturados; a dificuldade de estabelecer uma estratégia exportadora nacional, já que seu tecido industrial apresenta uma grande presença de filiais de empresas com estratégias globais; e a desilusão com os resultados da Rodada Uruguai, diante da permanente dificuldade de acesso aos mercados dos países desenvolvidos e reincidência do protecionismo unilateral nesses países –, associados às sucessivas crises financeiras no mundo em desenvolvimento desde a crise mexicana de dezembro de 1994, forçaram os países em desenvolvimento a reivindicar uma "Rodada do Desenvolvimento", em franco contraste com sua passividade na Rodada Uruguai (1967-93), levando ao impasse em Seattle.

Na Rodada Uruguai, as demandas dos países desenvolvidos por um level playing field e pela inclusão de uma "nova agenda" nas questões comerciais, os EUA à frente, aumentaram notavelmente as obrigações dos países em desenvolvimento. Até então, esses países não eram obrigados a oferecer reciprocidade aos países desenvolvidos nas questões comerciais, pelo contrário tinham direito legal a um tratamento especial e diferenciado para atingir o desenvolvimento econômico, expresso legalmente na Parte IV do GATT, conquistada arduamente nas negociações com os países desenvolvidos na fase áurea da luta por uma ordem internacional mais justa (1964-73). O desencanto com a década perdida dos anos oitenta, a percepção de uma ameaça potencial de exclusão da globalização e o auge da ideologia neoliberal colaboraram para que suas elites dominantes acatassem essas demandas sem exigir maior reciprocidade, permitindo uma ampla derrota desses países nas etapas finais da Rodada Uruguai: o que parecia ser então o conflito principal, entre os EUA e a Europa sobre a questão agrícola, é minorado entre 1990-93 para permitir alcançar uma legislação internacional, em matéria de comércio, funcional aos interesses dos Estados Unidos, Europa e Japão. Sacramenta-se uma abertura lenta e limitada nas áreas de interesse exclusivo dos países em desenvolvimento (vestuário, têxteis, calçados e produtos tropicais), mas acelerada nas áreas de interesse dos países desenvolvidos (tecnologias da informação, propriedade intelectual, serviços e eliminação das medidas restritivas ao investimentos diretos). Além disso, essa legislação condenou como ilegais os subsídios às exportações dos países em desenvolvimento e legalizou os praticados pelos países desenvolvidos (agricultura, P&D, auxílios regionais e auxílios para resolver problemas ambientais). A legislação protecionista dos processos anti-dumping e anti-subsídios, desenvolvida nos EUA e na Europa nas décadas de 70 e 80, tornou-se a oficial da instituição multilateral criada para aplicá-la, a OMC. São procedimentos extremamente minuciosos e sofisticados do ponto de vista legal e que requerem, para a eficácia na sua aplicação ou para a defesa eficaz contra a sua utilização, formação de recursos humanos e disponibilidade de recursos materiais que não estão ao alcance generalizado dos países em desenvolvimento. O Brasil, o país em desenvolvimento com maior PIB na OMC, utiliza escritórios de advocacia e consultoria americanos e europeus nos processos de seu interesse na organização. Esses cuidados nem sempre são recompensadores: os recursos à OMC sobre processos anti-dumping, o mecanismo protecionista mais utilizado hoje, não podem envolver julgamentos de mérito, - afinal, há dumping? -, mas somente de procedimentos. Em outras palavras, as autoridades dos países desenvolvidos continuam a gozar de enorme autonomia em relação às regras multilaterais nas suas ações protecionistas.

Supostamente, os países em desenvolvimento teriam parcialmente preservado o seu direito histórico a um tratamento especial e diferenciado, mas a prática da resolução de conflitos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento na OMC (os dois casos mais famosos são o conflito Embraer-Bombardier, envolvendo Brasil e Canadá, e as restrições às importações impostas por razões de balanço de pagamentos pela Índia e contestadas pelos EUA) mostra que esse tratamento está sendo negado na prática.1  Ironicamente, Brasil e Índia vão descobrir que suas concessões na Rodada Uruguai tornaram crônicos os conflitos comerciais com os EUA, uma vez que em razão do tamanho dos seus mercados, tornaram-se o alvo favorito das investigações americanas, justamente o que pretendiam evitar em primeiro lugar.

Outro problema constatado é que a legislação aprovada sobre propriedade intelectual preocupou-se apenas em preservar os direitos dos inovadores, promovendo nos últimos anos uma brutal valorização das ações das empresas intensivas em P&D nos países desenvolvidos, sem assegurar a transferência de tecnologia a custos razoáveis aos países em desenvolvimento, frustrando uma das principais promessas da globalização produtiva.

Finalmente, mesmo que um país em desenvolvimento ganhasse uma ação na OMC contra os EUA e este último negue-se a implementar as ações corretivas recomendadas, o primeiro pode apenas retaliar - sozinho - contra os EUA, uma vitória de Pirro: sabe-se que dificilmente terá disposição e apoio interno para sustentar as retaliações.

A extensão do protecionismo ainda vigente nos países avançados é comprovada pelas estatísticas coletadas pela UNCTAD: suas barreiras protecionistas impedem o acesso dos produtos manufaturados de baixa tecnologia dos países em desenvolvimento aos seus mercados e frustram exportações adicionais na ordem de US$ 700 bilhões por ano, quantia quatro vezes superior aos fluxos financeiros que recebem. A conclusão é inevitável: as regras da globalização produtiva são assimétricas e perpetuam a dependência financeira e tecnológica dos países em desenvolvimento.

Quais as principais reivindicações dos países em desenvolvimento? Os países em desenvolvimento perceberam que dessa vez não podem ser derrotados novamente, pelo contrário, devem procurar aumentar o acesso aos mercados dos países desenvolvidos e manter a máxima autonomia possível para perseguir políticas industrializantes (internalizar setores estratégicos, exigir um determinado conteúdo nacional e certo desempenho exportador das filiais, não rebaixar novamente as tarifas industriais etc.). No caso do Brasil, por exemplo, procurar abrir o mercado agrícola dos países europeus, manter o regime automotivo e dificultar as freqüentes ações anti-dumping e outras ações unilaterais dos EUA (como a restrição "voluntária" das exportações de aço – expressamente proibida na Rodada Uruguai – e os picos tarifários contra o suco de laranja). Além disso, o governo pretende promover uma reestruturação empresarial financiada pelo BNDES numa série de setores exportadores (papel e celulose; siderurgia; mineração e petroquímica) e não pode correr o risco de que tais financiamentos sejam julgados subsídios ilegais e, portanto, sujeitos a retaliações pelos parceiros comerciais.

No comércio agrícola, as reivindicações de vários países em desenvolvimento e dos EUA coincidiram em Seattle: melhorar as condições de acesso aos mercados europeu e japonês; reduzir o apoio interno dado aos produtores agrícolas; eliminar os subsídios às exportações; e garantir que as barreiras técnicas - sanitárias e fitosanitárias - não sejam utilizadas como instrumentos protecionistas. Porém, os EUA pretendem liberalizar rapidamente o comércio internacional de produtos agrícolas transgênicos e ameaçaram realizar um acordo agrícola em separado com a Europa e o Japão, que avançasse mais rápido nessa questão.

Houve uma grande divergência entre os principais países desenvolvidos sobre as concessões possíveis aos países em desenvolvimento em Seattle, num momento em que o mainstream acadêmico anglo-saxão começa a endossar a grita sindical que associa as exportações dos países em desenvolvimento a uma redução relativa dos salários (ou a um maior desemprego relativo) dos trabalhadores menos qualificados dos países desenvolvidos. As principais posições presentes podem ser assim resumidas:

1 Os Estados Unidos apoiaram a liberalização do comércio agrícola, mas exigiram reciprocidade dos países em desenvolvimento: maiores concessões em produtos industriais de alta tecnologia, transparência nas compras públicas e maior abertura nos serviços empresariais e financeiros. Inesperadamente, como nas negociações com o México no NAFTA, tentaram vincular padrões trabalhistas e comércio para acalmar os sindicatos leais ao partido Democrata. Recusaram-se a revisar suas conquistas na Rodada Uruguai, especialmente nas áreas de propriedade intelectual e anti-dumping. De fato, diante dos impasses, os EUA favoreceram uma rodada concentrada em poucos temas de seu interesse imediato.

2 A União Européia e o Japão apoiaram uma rodada ampla para eventualmente compensarem as eventuais concessões em produtos agrícolas (se não houver acordo, a atual "Cláusula de Paz", que admite subsídios no comércio agrícola, termina em 2003, prometendo conflagrar a OMC) com vitórias em outras áreas, necessárias para vencer as resistências internas. Ofereceram maior apoio aos países em desenvolvimento nas suas outras demandas: maior controle multilateral nas ações anti-dumping (apoio do Japão), maior flexibilidade nas condições de tratamento especial e diferenciado etc.

3 Os países desenvolvidos têm uma agenda de "novos temas" em constante atualização, pronta para ser introduzida a qualquer momento, como liberalização dos investimentos diretos internacionais, comércio eletrônico, políticas de concorrência, maiores facilidades de comércio, dumping social e greening do comércio internacional, sendo que os dois últimos são pressionados pelas ONGs (mais de 750 estavam presentes em Seattle). Essa agenda pode criar problemas adicionais de acesso a mercados ou maiores constrangimentos nas políticas internas dos países em desenvolvimento. É bom notar que a maioria das ONGs presentes tem um nítido enfoque NIMBY (Not In My Back Yard) nas suas demandas, dificultando o caso dos países em desenvolvimento nessas matérias. Exemplos notórios desse viés são as freqüentes campanhas de boicote a produtos de países em desenvolvimento que não cumprem normas julgadas desejáveis nos processos de trabalho ou na preservação do meio ambiente (em especial, a conservação das florestas tropicais), quase sempre convenientemente desacompanhadas do boicote aos produtos das empresas globais que estimulam e se beneficiam dessas práticas ou da transferência de tecnologias limpas ou ainda de pagamentos compensatórios pela preservação de espécies julgadas de interesse global. Sem dúvida, o grande mérito da atuação das ONGs é exigir "transparência" nas decisões da OMC e maior vigilância na colusão entre governos e big business, facilitada justamente pela falta de transparência nessas decisões.

Frente às hostis demonstrações dos militantes das ONGs e às reivindicações mais organizadas dos países em desenvolvimento em Seattle, tudo indica que os países desenvolvidos diplomaticamente adiaram decisões que impliquem em maior liberalização comercial. Pode não passar de um jogo de cena. Há uma agenda preestabelecida pela Rodada Uruguai que envolve negociações dentro da própria OMC nas áreas de agricultura, serviços e propriedade industrial. No desenrolar da Rodada Uruguai, a participação das Universidades brasileiras foi discreta. Nas atuais negociações, a busca de uma maior simetria nas obrigações e nos direitos dos países em desenvolvimento, o restabelecimento do seu tratamento especial e diferenciado, a exigência de transparência nas negociações e, acima de tudo, a vigilância nas eventuais concessões das nossas elites dominantes são objetivos que devem estimular uma contribuição mais sólida das nossas Universidades na formação de quadros negociadores e na investigação de temas específicos, contribuindo para definir os interesses nacionais quando se mudam, mais uma vez, as regras do jogo no comércio internacional.

• As conclusões dos painéis e as decisões subseqüentes nesses casos encontram-se acessíveis no site da OMC www.wto.org.

Mário Presser é professor do Institutode Economia (IE) e
assessor econômico da Reitoria


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