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Pesquisadores estudam uso do equipamento nas
áreas biológica, agronômica, médica e de alimentos

O calorímetro, que
tem mil e uma utilidades

CARMO GALLO NETTO

Os professores Claudio Airoldi, Pedro Luiz Onofrio Volpe, Watson Loh, José de Alencar Simoni e o calorímetro: equipamento sensível para inúmeras áreas do conhecimento (Foto: Antoninho Perri)Ao receber um paciente, o médico mede sua pressão arterial, temperatura, altura e peso, faz perguntas para delinear um quadro geral e, se necessário, indica exames clínicos até reunir todas as informações para o diagnóstico. Analogamente, o conhecimento do estado e do comportamento de sistemas físicos, químicos ou biológicos pode se dar através de medidas das variações energéticas que eles sofrem ao longo do tempo.

Grupo do IQ tornou-se
referência na América Latina

É medindo as variações energéticas que se chega, por exemplo, aos valores calóricos explicitados nas embalagens de alimentos; que se determina a qualidade do solo e a ação de herbicidas; que se determina a interação entre os compostos de produtos de limpeza e cosméticos; se monitora a ação dos fármacos ou de bactérias no organismo; e se estuda as modificações em uma superfície para dela se extrair contaminantes como metais pesados.

O dispositivo utilizado para determinar as variações energéticas em todos esses processos chama-se calorímetro. Quanto à analogia, ela vem do professor José de Alencar Simoni, que juntamente com os professores Claudio Airoldi, Pedro Luiz Onofrio Volpe e Watson Loh, todos do Instituto de Química, participa de um projeto temático financiado pela Fapesp que visa estender a calorimetria para o leque de aplicações mencionadas anteriormente.

Trata-se de um projeto que desde seu início em 2002, até a conclusão prevista para 2008, terá envolvido mais de 30 pesquisadores de iniciação, mestrado, doutorado e pós-doutorado, com recursos que superaram R$ 500 mil.

Como objetivo, a determinação de dados termodinâmicos de vários sistemas: ancoramento de moléculas orgânicas em superfície; intercalação em compostos lamelares; estudos de adsorção em superfícies de poli-silicatos naturais e sintéticos; ações de microorganismos nos solos; estudos de macromoléculas; energética de crescimento de microorganismos.

Segundo o professor Claudio Airoldi, os objetivos foram plenamente alcançados e, em alguns casos, os estudos avançaram muito além do esperado. “Mas, como se sabe, este é um trabalho que não termina nunca”.

“Agora pretendemos ampliar o uso da calorimetria para outras áreas do conhecimento, como agronomia, medicina, biologia e alimentos, pois a técnica de pesquisa aqui desenvolvida pode oferecer respostas rápidas e de alta sensibilidade, o que nem sempre se alcança por outros métodos comumente utilizados nessas áreas”, acrescenta José Simoni.

Ao antever essas possibilidades, Simoni volta a dar exemplos, explicando que a calorimetria permite determinar a energia de alimentos e estudar sua estabilidade nas condições de embalagem para saber do estado de conservação. Na biologia, a técnica pode ser empregada para acompanhar o crescimento de plantas e o desenvolvimento de sementes, interessando assim à agronomia.

Na medicina, prossegue o pesquisador, a calorimetria auxilia na formulação de fármacos e a determinar sua ação contra vírus e bactérias, quando os métodos usuais trazem muitas incertezas. “A sensibilidade do calorímetro é tão grande que permite acompanhar a termogênese de um ovo de aranha, isto é, a energia liberada durante o seu desenvolvimento”, ilustra.

Com um calorímetro apropriado é possível acompanhar o metabolismo de uma pessoa em diversas atividades, medindo-se diretamente a energia despendida – é a calorimetria direta. Em laboratórios voltados para atividades esportivas ou de pesquisa, mede-se o volume do oxigênio consumido ou do gás carbônico liberado, com o uso de máscaras – é a calorimetria indireta. “Podemos estudar tanto o metabolismo de homens e animais como de microorganismos”.

Os trabalhos – As atividades exercidas pelo grupo de pesquisadores do IQ são bastante diversificadas. No estudo de solos, por exemplo, as amostras são colocadas no calorímetro juntamente com um nutriente que vai promover a resposta energética do solo a ser medida.

No caso de solos cultivados, a resposta energética permite avaliar se eles foram bem ou mal utilizados. “Solos extenuados consomem a matéria orgânica que lhe é adicionada, produzindo mais gás carbônico e, conseqüentemente, liberando mais energia”, observa Simoni.

Claudio Airoldi explica que isso acontece porque em um solo depauperado os microorganismos, que deveriam prepará-lo para atender ao metabolismo da planta, competem mais pelo alimento, comprometendo o desenvolvimento da cultura. Nessas condições, a resposta energética é diferente do que em solo bem tratado.

“O resultado é obtido em três ou quatro dias. Com as ferramentas convencionais utilizadas na agricultura, esse prazo seria de um a três anos”, compara Airoldi.

Os trabalhos também focam as moléculas com implicações ambientais, como dos herbicidas, que têm parte absorvida pela planta, parte retida no solo e parte arrastada pelas chuvas, contaminando córregos, rios, lagos e lençóis freáticos. É um estudo importante para a implantação de políticas de preservação ambiental.

De acordo com os pesquisadores, o mesmo agrotóxico que elimina pragas altera a biota do solo, responsável pela transformação das macromoléculas de celulose em moléculas menores e passíveis de serem absorvidas pelas plantas. Com isso, o solo tem diminuída sua fertilidade.

Um dos primeiros trabalhos do grupo com solos constatou que o sulfato de cobre, aspergido nas parreiras e que as colore de azul, provoca o mesmo efeito quando vai para o solo, empobrecendo-o ao matar parte dos microorganismos. Esses solos comprometidos, ao receberem nutrientes, liberam mais gás carbônico do que os solos não depauperados.

Tempo certo – Retomando a analogia, José Simoni ressalta que o calorímetro mede a energia liberada num determinado tempo, pois assim como acontece com um paciente febril, a resposta energética é diferente de quando ele está sadio.

“Esta diferença possibilita, a partir da curva registrada pelo calorímetro, apenas a determinação de uma macro-equação química, como por exemplo: como o substrato adicionado está sendo absorvido pelo solo, quanto está se transformando em matéria incorporada pela planta e quanto está sendo liberado na forma de gás carbônico”, explica o professor.

Com isso, esclarece Simoni, se consegue elaborar uma equação química para descrever o sistema sem utilizar processos estritamente químicos, o que exigiria o manuseio das substâncias produzidas, como se faz convencionalmente. O manuseio significa interferir na amostra, sob risco de destruí-la. “O calorímetro permite ainda trabalhar simultaneamente com várias amostras e compará-las com as oriundas da floresta”.

Sobre fármacos – O professor Pedro Luiz Onofrio Volpe, dentro outros trabalhos no grupo, estuda o processo de crescimento e morte de organismos como bactérias e leveduras em tempo real, o que possibilita avaliar a atividade biológica de compostos e fármacos.

“Os microorganismos consomem a glicose conjuntamente colocada no calorímetro e liberam energia. A adição de um fármaco que atua sobre o microorganismo reduz sua população e, conseqüentemente, a quantidade de calor liberada. É um método de avaliar a atividade biológica em um sistema in vivo e de forma muito realista”, afirma Volpe. Ele recorre ao equipamento também para monitoramento da fermentação alcoólica, aplicação que pode otimizar o processo de produção de álcool.

Outro integrante do grupo, o professor Watson Loh concentra-se em processos físicos, basicamente envolvendo soluções: “Utilizamos a calorimetria para entender processos físicos que acontecem em solução entre compostos termoativos e polímeros, que são empregados em detergentes, produtos de limpeza, cosméticos”, explica.

Watson Loh assegura que a calorimetria tem se mostrado uma ferramenta bastante útil para a compreensão de processos de associação das moléculas em solução. “O equipamento é extremamente sensível, oferecendo as determinações mesmo em soluções muito diluídas”.

Centro de referência

Um dos responsáveis pela compra do primeiro calorímetro do Instituto de Química, em 1973, o professor Claudio Airoldi lembra que um longo caminho foi percorrido. Hoje o IQ mantém um laboratório especializado em calorimetria que é um dos mais bem equipados do mundo. São doze instrumentos só em calorimetria convencional e com características bem diversificadas. O laboratório tornou-se referência na América Latina não apenas pela aparelhagem, mas pela qualidade dos trabalhos desenvolvidos.

Airoldi conta que, no inicio da década de 80, quando esteve na Inglaterra – centro de referência de calorimetria no mundo – quiseram saber onde tinha aprendido a técnica. A reação foi de ceticismo quando respondeu que aprendeu trabalhando. “Aprendemos sobre o funcionamento do equipamento lendo o catálogo e foi estudando que desenvolvemos nossos trabalhos”.

O professor afirma que a preocupação inicial era utilizar o calorímetro para determinar energia de reações químicas, a fim de chegar aos valores das energias de ligação e, com base nelas, propor mecanismos de reações. “Com o tempo, nosso trabalho foi assumindo outros enfoques e despertou o interesse de outros paises, com os quais mantemos cooperação”.

O professor José Simoni comenta um dos trabalhos mais recentes que orientou, levando à construção de um calorímetro capaz de promover a reação entre um sólido e um gás, e que permite medir simultaneamente, pela queda de pressão, a quantidade de gás reagente e a energia envolvida no processo. “É uma idéia que eu tinha concebido há muitos anos e que não realizei antes por falta de oportunidade”, diz com entusiasmo.

De acordo com Airoldi e Simoni, praticamente todas as pessoas que estão capacitadas a trabalhar com calorimetria no Brasil passaram pelo laboratório do Instituto de Química, ressalvando-se apenas aquelas que viajaram para doutorado ou pós-doutorado no exterior.

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