| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 368 - 20 a 26 de agosto de 2007
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Especialista afirma que produto apresenta
‘defeitos’ considerados graves em outros países

Sabor do leite brasileiro merece reparos

RAQUEL DO CARMO SANTOS

A veterinária Georgiana Sávia Brito Aires: o leite, assim como o vinho, deveria receber classificações pelo sabor (Foto: Antoninho Perri/Antonio Scarpinetti)Um giro por países da Europa e pelos Estados Unidos e Canadá fez com que a pesquisadora Georgiana Sávia Brito Aires comprovasse na prática o que já sabia na teoria: o leite brasileiro possui inúmeros defeitos de sabor – e defeito é mesmo o termo usado tecnicamente.

Julgadores treinados avaliam as amostras

O conhecido “leite de caixinha”, o esterilizado UHT, por exemplo, possui um sabor de cozido ou de aquecido muito forte, defeito considerado grave em alguns países daqueles países desenvolvidos.

No leite pasteurizado, que na maioria das vezes é embalado em saco plástico, o que pode deixar o sabor desagradável é a oxidação pela exposição à luz. A embalagem plástica plástico não possui barreira de luz e a exposição demasiada leva à oxidação.

“O leite brasileiro não apresenta parâmetros que permitam um julgamento de sabor à altura. Além disso, pela nossa tradição, freqüentemente bebemos o leite com algum tipo de complemento, como café, achocolatado, aveia e outros, o que pode mascarar o sabor original e esconder defeitos do sabor”, explica a pesquisadora.

Georgiana Aires defendeu tese de doutorado na Faculdade de Engenharia de Alimentos, orientada pelo professor Salvador Massaguer Roig. Na pesquisa, ela chegou a um produto que julgou adequado no que diz respeito ao sabor, qualidade, embalagem e tempo de validade.

Foto: Antoniho Perri/Antonio Scarpinetti)Depois de ser submetido a tratamento em três diferentes temperaturas (74º, 96º e 138º C), o leite foi embalado em sacos e garrafas plásticas. A cada dois ou três dias, eram feitas avaliações de pH e a acidez, ou seja, físico-química, microbiológica e sensorial. Também se avaliou as condições de envase em sala limpa e nos dois tipos de embalagens, saquinho e garrafa.

Para a análise sensorial, Georgiana treinou um grupo de julgadores durante dez meses, duas vezes por semana, para reconhecessem alterações de sabor por meio da reprodução de defeitos. O treinamento teve como base a metodologia americana denominada scorecard, cujos parâmetros são os mesmos adotados para o vinho.

“Produzíamos o defeito com intensidade em um dia, a fim de que no dia seguinte os julgadores fizessem a análise sensorial. Eles eram estimulados a reconhecer o defeito no sabor do leite e preenchiam a ficha de avaliação”, explica a pesquisadora.

Os cuidados na análise sensorial incluíam a degustação em um intervalo entre as refeições para que os alimentos não interferissem no sabor. Os julgadores foram capacitados a reconhecer 21 defeitos diferentes.

O processamento com melhor resultado foi do leite submetido a um tratamento térmico de 96ºC por 13 segundos, embalado em garrafas plásticas. Teve validade de 37 dias, sob refrigeração. Neste tratamento, o leite ficou com o sabor mais próximo ao pasteurizado, mas com uma validade muito maior.

O leite envasado em garrafa plástica e submetido a 138º C por dois segundos, embora com maior tempo de validade (47 dias), ficou com o sabor aquecido muito evidente. Para aferir a validade do produto, Georgiana Aires tomou como base a contagem microbiana e o limite sensorial das avaliações por parte dos julgadores.

Especialidade – Georgiana Aires tem formação em veterinária e é uma das pouquíssimas pessoas no país que se dedicam a treinar julgadores para a identificação de defeitos de sabor em leite fluido. Há mais de sete anos, ela realiza pesquisas que envolvem desde as condições higiênicas de obtenção do leite até o processamento e julgamento do sabor. Em sua opinião, a legislação brasileira deveria contemplar este aspecto no controle de qualidade.

“A proposta é para que o leite seja analisado não só sob o aspecto físico-químico e microbiológico, mas também pelo sabor, podendo ser classificado como bom, satisfatório ou pobre, em função da quantidade de defeitos que apresenta. À semelhança do que ocorre com o vinho e a cerveja, a indústria láctea poderia formar equipes de julgadores para melhorar a qualidade do leite”, sugere.

Esta providência é comum em outros países, já que lá o leite é bebido sem nenhum componente adicional. “Nos Estados Unidos o julgamento de sabor é feito há mais de cem anos”, compara. No Brasil, no entanto, esta cultura não é difundida e, por isso, Georgiana realiza estudos neste sentido há tantos anos.

Outros defeitos – A pesquisadora afirma que nesse tempo aprendeu a identificar inúmeros defeitos que o leite pode apresentar, sem que o consumidor se dê conta. Além do gosto de cozido, também é possível encontrar o produto com sabor de ranço, frutado, amargo, maltado, aguado, sem frescor, oxidado pela luz e ácido, entre outros.

Os defeitos, segundo a pesquisadora, podem ocorrer por várias razões. As condições de higiene durante a ordenha, por exemplo, interferem no sabor mesmo os microorganismos sejam destruídos nos tratamentos térmicos.

A alimentação das vacas também exige cuidados por ser outro fator que pode influenciar no sabor. Por último, Georgiana Aires informa que ambientes com odores, que são absorvidos pelo leite, resultam em sabor diferente do natural.

Preferência é pelo leite de caixinha

Para o leite esterilizado UHT, que vem na caixinha (embalagem cartonada), o tratamento térmico permitido fica na faixa de 130º a 155º C, por dois a quatro segundos. Este tipo de aquecimento garante a maior durabilidade e, além disso, a embalagem e ambiente de envase são estéreis. A validade é de quatro a seis meses.

No leite pasteurizado, comumente embalado em saco plástico, a temperatura recomendada é de 72º a 75ºC, por 15 a 20 segundos, sendo que este grau de aquecimento proporciona a eliminação de todas as bactérias patogênicas. No entanto, como outras bactérias próprias do leite não são destruídas, há necessidade de mantê-lo sob refrigeração – essa estocagem deve ser de três a cinco dias.

“Como podemos perceber, o que diferencia os tipos de leite não é propriamente a embalagem e sim o tratamento térmico a que são submetidos. Podemos ter leite pasteurizado ou esterilizado em caixinha, garrafa plástica ou saquinho”, esclarece a pesquisadora.

Em outros países, o leite pasteurizado muitas vezes tem preferência dos consumidores em relação ao UHT, pois apresenta sabor mais próximo do leite fresco, por conta da qualidade inicial da matéria-prima ou do leite cru, bem como das temperaturas mais brandas de tratamento.

O leite pasteurizado brasileiro é classificado em três tipos, em função principalmente da qualidade microbiológica: tipo A , tipo B e pasteurizado. Até bem pouco tempo ainda se encontrava no mercado o leite tipo C, mas o produto foi retirado de circulação por instrução normativa nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste em 2005, e nas regiões Norte e Nordeste em 2007.

Segundo Georgiana Aires, o sabor levemente adocicado, sem gosto residual – característico da boa qualidade – deveria permitir que o leite fosse ingerido sem qualquer tipo de complemento.

O leite UHT, mesmo com o sabor de aquecido, é hoje o mais vendido no Brasil. Estimativas apontam que, em 1994, só 4% dos consumidores optavam pelo leite de caixinha, que hoje é responsável por cerca de 70% das vendas. “Não há dúvida que esta categoria do produto veio para ficar”, acredita Georgiana.

Um dos motivos desta preferência, arrisca a pesquisadora, pode ser a praticidade oferecida e a possibilidade de armazenamento sem refrigeração por muito mais tempo. Por isso, a importância de se buscar um produto como alternativa para que se obter parâmetros de qualidade do sabor, com maior validade.

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