| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 333 - 14 a 20 de agosto de 2006
Leia nesta edição
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Artigo: Burocracia e Biodiversidade
Cartas
Geociências e nova era
Origem do mel
Aroma e prevenção de doenças
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Agualusa e o mundo
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Jabuti
Ajuda de cão-guia
Desfibrilador em estabelecimentos
Prêmio Bunge
 

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Artigo

Burocracia dificulta pesquisa
sobre biodiversidade no Brasil

ANA FLÁVIA FERRO
MARIA BEATRIZ BONACELLI
ANA LÚCIA ASSAD

Ana Flávia Ferro, doutoranda em Política Cientifica e Tecnológica (DPCT/IG/Unicamp) e Maria Beatriz Bonacelli, professora do DPCT e coordenadora do Grupo de Estudos sobre a Organização da Pesquisa e da Inovação (Geopi) (Foto: Antoninho Perri)A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) apresenta as diretrizes para a regulamentação dos mecanismos de conservação e acesso a este recurso, assim como para a repartição dos benefícios advindos de sua exploração. Os países signatários devem elaborar normas e estratégias específicas para este tema, levando em consideração outros acordos internacionais correlatos, os direitos de comunidades locais e indígenas – detentoras do conhecimento tradicional associado aos recursos –, a sustentabilidade e os diferentes propósitos – científico e comercial – da exploração da biodiversidade, entre outros.

O Brasil, um dos primeiros países a assinar a CDB, é o país com maior diversidade biológica do mundo. A Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001, instituiu as regras para o acesso a componentes do patrimônio genético e a conhecimentos tradicionais associados, cuja coordenação está a cargo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), via Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) – criado em 2002. Ao CGEN compete deliberar e emitir autorização específica sobre as solicitações de acesso a componente do patrimônio genético e a conhecimento tradicional associado para quaisquer das finalidades: pesquisa científica, bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico. Qualquer instituição, pública ou privada, que queira desenvolver alguma pesquisa ou produzir algum produto que utilize patrimônio genético nacional ou que venha a acessar conhecimento tradicional, deve procurar o CGEN.

Desde o início de suas atividades, o CGEN vem lidando com questionamentos de setores da academia e da indústria com relação aos instrumentos legais adotados para fazer valer a legislação. Alguns desses questionamentos são relativos a: necessidade de indicar antecipadamente os locais de coleta; anuência prévia do titular da área a ser feito o acesso; depósito obrigatório de amostra de componente do patrimônio genético em instituição credenciada como fiel depositária; contrato de utilização do patrimônio genético e repartição de benefícios, período de análise dos processos, entre outros. O quadro nesta página apresenta uma síntese das principais críticas dos pesquisadores brasileiros frente a atual legislação.
A fim de agilizar a tramitação das solicitações de acesso ao patrimônio genético, o CGEN credenciou o Ibama, em 2003, para que este deliberasse sobre solicitações para pesquisa científica. Após um ano do credenciamento, apenas 62 autorizações foram emitidas, dentre os 159 processos que tramitaram no órgão durante o período1. Além disso, nos casos em que há a previsão da presença de pessoa jurídica estrangeira, a solicitação de autorização de acesso para pesquisa científica deve ser encaminhada a um terceiro órgão, o CNPq. A burocracia atual de formulários e relatórios é tão grande que muitos cientistas que dependem das autorizações do órgão para trabalhar simplesmente ignoram a legislação.

Ana Lúcia Assad, pesquisadora associada ao Geopi (Foto: Antoninho Perri)O levantamento de alguns dados sobre as solicitações de universidades, institutos públicos de pesquisa (IPPs) e empresas, encaminhadas ao CGEN até maio de 2005, mostra que pouco mais de 50% das solicitações foram aprovadas. Além disso, apenas 25% do total de universidades que encaminharam solicitações – 8 entre 32 – são responsáveis por 37% do total geral de solicitações dirigidas ao CGEN e por 34% do total geral de aprovações obtidas. Ainda mais, 45% do total de IPPs que encaminharam solicitações – 5 de 11 – respondem por 23% do total geral de solicitações e por 24% do total geral de aprovações. Ou seja, poucas instituições têm conseguido se adequar à exigências.

A análise das buscas realizadas evidencia a realidade da implementação da MP nº 2.186-16/01. Percebe-se que um percentual muito baixo de instituições brasileiras que fazem uso da biodiversidade tem conseguido se adequar à nova regulação, e menor ainda é o percentual de sucesso nesse processo. Para usuários do sistema, quem criou a MP tem pouco conhecimento sobre como se faz ciência. Mais do que inadequada, a legislação nacional é considerada errada por muitos, pois não conseguiu cumprir seu maior objetivo: combater a biopirataria. Além disso, a comunidade científica foi colocada na ilegalidade porque o CGEN não consegue analisar tantos projetos.

Com a publicação do Decreto 5.459 em junho de 2005, regulamentando o artigo 30 da MP nº 2.186-16/01 e disciplinando as sanções – advertências, multas, apreensão de amostras, cancelamento de patente, entre outros – aplicáveis às condutas ditas lesivas ao patrimônio genético, questionam-se as condições existentes hoje no país para sua aplicação. Teme-se que essa maioria de pesquisadores que ainda não se regularizou perante o CGEN tenha que paralisar suas atividades e sofrer sanções penais devido à legislação vigente.

Recentemente, foi divulgada pela imprensa a elaboração de um novo anteprojeto de Lei (APL) por parte do MMA, com o intuito de simplificar o acesso a recursos genéticos. Pela regra proposta, dentre outras melhorias, está a necessidade de apenas realizar um cadastro no CGEN para obter autorização e informar ao órgão, posteriormente, quando houver patente ou licenciamento de um produto derivado da pesquisa. Assim, ao fim de cada ano, declara-se quanto foi repartido, com base em uma taxa de 1% a 1,5% da renda do produto. O APL cria também um fundo para onde os benefícios serão destinados. Esta nova proposta é, em parte, um reconhecimento do governo à inoperância do CGEN e às reclamações provenientes dos setores acadêmico e produtivo. Contudo, para esta proposta ser encaminhada ao Congresso Nacional, caberá ao executivo primeiramente aprová-la.

Como se percebe, mesmo com as atuais diretrizes para simplificar o processo de autorização de projetos, sobressai a lentidão e a burocracia. Chama a atenção o volume de exigências, as quais implicam aumentos substanciais dos custos diretos e indiretos das atividades de pesquisa e geração de produtos derivados da biodiversidade. No entanto, é imprescindível incentivar estas atividades por parte das instituições de pesquisa, assim como dar apoio às empresas nacionais interessadas em atuar nessa área, contribuindo para o desenvolvimento do setor produtivo no país. O incentivo se faz ainda mais importante por ser nítido o conflito de interesses entre os países detentores de tecnologia e os que detêm diversidade biológica. Não se pode permitir que o Brasil perca um dos principais veículos de agregação de valor e de retorno de resultados na exploração econômica da biodiversidade.

Um entendimento mínimo da lógica do desenvolvimento da ciência, assim como da dinâmica da inovação tecnológica é mais do que necessário. Para tal, é indispensável a superação de barreiras ideológicas e a construção de um arcabouço regulatório mais realista e que permita o avanço das pesquisas e da capacitação em instituições de investigação e produtivas, além do fortalecimento dos mercados interno e externo. Essas seriam as condições básicas para tornar o Brasil um participante ativo no mercado internacional de produtos advindos da biodiversidade.


1 Dados apresentados pelo CGEN mostram que em 2005 o IBAMA concedeu 79 autorizações para pesquisa científica. No entanto, nenhum dos dois órgãos informou o total de solicitações recebidas pelo IBAMA.

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