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Pesquisa busca inclusão do país no mercado de extratos naturais

Cientistas aprimoram espécies nativas e investem no desenvolvimento de tecnologias de processamento

LUIZ SUGIMOTO

Canteiro de manjericão em estufa do Instituto Agronômico de Campinas: mercado de extratos naturais movimenta US$ 500 bilhões/anoA Organização Mundial de Saúde estima em US$ 500 bilhões anuais o mercado de extratos naturais, cuja produção é voltada principalmente para as indústrias alimentícia, farmacêutica e de perfumaria. O Brasil, apesar de possuir a maior biodiversidade do planeta, participa deste mercado com apenas US$ 500 milhões ao ano, perdendo até mesmo para a Argentina. Boa parte da matéria-prima brasileira é exportada para a Alemanha, país cujo parque industrial permite o processamento de extratos em larga escala e que lidera a comercialização com um movimento de US$ 20 bilhões anuais.

Nossa produção incipiente de extratos naturais, diante de um mercado desta dimensão, motivou a criação de uma linha de pesquisa para o cultivo e aprimoramento de espécies nativas e para o desenvolvimento de tecnologias de processamento. O trabalho, que vem sendo desenvolvido há três anos e meio, é coordenado pela professora Maria Ângela de Almeida Meireles, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, unidade que responde pela parte de processos e reúne o maior grupo de pesquisadores no projeto. Integram a rede instituições como a Unesp de Botucatu, que cuidou das plantas nativas e de algumas adaptações de espécies européias, e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), no detalhamento da composição química dos extratos, além de outras unidades da Unicamp, da Fiocruz e de mais cinco universidades do país.

O quadro publicado nesta página mostra a grande variedade de espécies em estudo. Entre elas temos a "leiteira de dois irmãos", uma árvore nativa paulista, cujas substâncias já comprovaram eficácia no tratamento da leichimaniose e da malária. "A Fiocruz vinha estudando as propriedades da planta, mas não dominava o processo adequado para obtenção do óleo, o que estamos desenvolvendo na FEA", explica Maria Ângela Meireles. Ainda na área de medicamentos, trabalha-se na caracterização de extratos da córdea (erva baleeira) e da artemísia, com ensaios farmacológicos realizados pelo Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp.

Para a indústria alimentícia, estão em desenvolvimento processos para condimentos como gengibre, cúrcuma, alecrim e funcho, além de testes para verificar se os produtos atende às qualidades exigidas pelo mercado. O gengibre, além disso, mostrou-se eficaz em alguns experimentos farmacológicos para câncer, tendo ainda boa ação antioxidante. A cúrcuma (o açafrão dos brasileiros) pode ser usada como fonte de corante, mas também apresentou atividade contra o câncer.

A professora Maria Ângela de Almeida Meireles: processo de propósitos múltiplosInvestiga-se ainda uma raiz rara, o vetiver, que serve como especiaria mas é sempre associado a perfume, visto que sua essência compõe o famoso Channel 5. "Esta pesquisa resultou em convênio com a França. O maior produtor de vetiver é o Haiti, mas a instabilidade política naquele país levou o fabricante a procurar um segundo fornecedor de matéria-prima, sendo que o solo brasileiro é bastante propício para o cultivo. A FEA vai cuidar da extração e os franceses da avaliação da qualidade do produto", afirma a coordenadora do projeto.

Supercrítica - "Nosso objetivo é desenvolver um processo de propósitos múltiplos, que sirva para diferentes espécies de plantas, inclusive para partes delas, como fruto, folha e raiz", ressalta a professora. Os quatro equipamentos montados na FEA são aproveitados indistintamente, comprovando que uma mesma planta industrial é capaz de processar inúmeras matérias-primas. No projeto aplica-se a chamada "tecnologia supercrítica", limpa, em que se utiliza preferencialmente o gás como solvente (no caso dos alimentos, dióxido de carbono). "O processo ocorre sob pressão alta. A vantagem é que na separação do extrato não permanecem resíduos do solvente, enquanto o controle da temperatura assegura a preservação das características originais da planta. Quando não há outra solução, optamos pelo etanol, que não é tóxico", informa Maria Ângela.

De acordo com a pesquisadora, mundialmente, nota-se um grande crescimento da tecnologia supercrítica aplicada à extração, mas o Brasil não possui nenhuma planta industrial e seu uso se limita aos grupos de laboratório. "A Alemanha faz a extração da cafeína desde a década de 1970 e, nos últimos dois anos, grandes indústrias se instalaram na China, com uma carga de processamento enorme. Enquanto isso, nós continuamos exportando matéria-prima, sem agregar valor ao produto", compara.

Cooperativa é um bom caminho

Na opinião da professora Maria Ângela Meireles, o Brasil cresceu muito na área de química básica, mas deixou de desenvolver a engenharia de processamento de espécies vegetais. Ela prega um efetivo investimento governamental – ou indução ao investimento por parte de empresas – para o aproveitamento de recursos nativos e agregação de valor às matérias-primas. A pesquisadora observa, contudo, que uma maior participação no mercado mundial de extratos não depende da criação de parques industriais, mas da especialização de empresas de pequeno porte.

"O Brasil é considerado um grande exportador dos chamados óleos essenciais (voláteis), mas 95% vêm da laranja. Somente 5% são óleos extraídos da flora, uma produção que não progride porque preferimos exportar a matéria-prima. Esta equação precisa mudar e ela só muda com engenharia de processos", critica Maria Ângela. A concepção original do projeto de pesquisa, segundo a professora da FEA, era englobar desde o plantio de espécies até o processamento do extrato, tendo-se chegado a resultados parciais com a colaboração de duas empresas, uma delas multinacional da área química.

"Ocorre que essas indústrias estão habituadas a grandes volumes, quando o processamento de produtos naturais resulta em quantidades muito pequenas", admite a pesquisadora. Ela exemplifica que 100 quilos de uma planta rendem, em média, 1,5% de extrato. "Veja que não cortamos a árvore, fazemos apenas uma poda. O volume é muito pequeno, mas a quantidade utilizada em um medicamento também é muito pequena. Não é a questão da tecnologia em si, mas de sair do setor de síntese química e entrar no setor de extração. É outro nicho de produção", insiste.

Cooperativa – Uma possibilidade já discutida dentro do projeto é a criação de cooperativas de produtores de plantas nativas, localizadas estrategicamente conforme o poder de mercado em cada região. Nestas associações seriam cumpridos todos os passos da cadeia, do cultivo e aprimoramento de espécies, até o processamento do extrato e sua comercialização. A idéia contemplaria inclusive acampamentos de sem-terra. "A tecnologia, é verdade, não consome muita mão-de-obra. Mas, como o trabalho teria de ser agrícola, poderia se incentivar a cultura familiar, o que não deixa de ser uma boa alternativa para a questão agrária", afirma a professora.

Em um país onde só se divulgam as grandes safras agrícolas, Maria Ângela lembra que o Pará e a Bahia lideraram a produção de pimenta do reino e de cravo da índia, respectivamente, mas perderam condições de concorrer no mercado internacional. "Um bom óleo de cravo é vendido a 25 dólares o quilo, quando nossa tecnologia permite produzi-lo por 8 ou 10 dólares. Da mesma forma, podemos chegar a uma pimenta com mais aroma e menos ardor, ou vice-versa, conforme a preferência, dando uma nota de qualidade ao produto. O Brasil vende tinturas desde a época da invasão dos holandeses. A pergunta é: por que até hoje isso não se tornou uma fonte de divisas?".

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