Jornal da Unicamp 186 - 19 a 25 de agosto de 2002
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Canuto: "Acordo com FMI foi espertamente construído para evitar atritos"Todos os ônus do presidente

Quatro professores do Instituto de Economia da Unicamp analisam a crise que atinge o Brasil e outros países da América Latina e mostram o legado do futuro ocupante do Palácio do Planalto

O próximo presidente da República terá que manter o superávit primário nos atuais patamares a qualquer custo, reduzir a dívida pública e ser menos dependente de financiamentos externos. A avaliação é do professor Otaviano Canuto, para quem o País sucumbirá a uma crise sem precedentes se não adotar com urgência uma política de austeridade fiscal.

Jornal da Unicamp - Que análise o senhor faz da crise econômica que atinge os países do Mercosul?

Otaviano Canuto - É uma crise regional, ma non troppo. A realidade dos países da América Latina afetados nessa crise de liquidez é muito diferenciada. Não é adequado colocar no mesmo saco a situação argentina, brasileira e uruguaia. Dos três, a única vítima mesmo é o Uruguai. Por causa da dependência com a Argentina e com o Brasil, o Uruguai está em recessão já há três anos. Na verdade, essa crise uruguaia mais recente foi um contágio direto da situação da Argentina. Como o sistema bancário uruguaio de dólar livre tinha uma parcela muito grande de depósitos dolarizados argentinos, os saques acabaram criando um problema de liquidez.

P - Como o senhor vê a situação da Argentina?

R - É uma situação de insolvência, de literal falência do país. Trata-se de um colapso econômico muito antes anunciado: mantiveram a rigidez cambial mesmo quando esta já tinha passado todos os limites de viabilidade. Com o tempo, a profunda recessão agravou os problemas fiscais e aí instaurou-se um círculo vicioso que resultou na quebra do sistema bancário e do sistema de meios de pagamentos. Na verdade, o problema fiscal federativo é ainda muito mais intenso do que em qualquer outro país da América Latina. O modelo argentino chegou à falência, não é o caso brasileiro.

P - Quais são os componentes que diferenciam a crise de liquidez brasileira daquela registrada na Argentina?

R - O principal componente no caso brasileiro é o medo do futuro fiscal. Quando você olha a conta atual não tem por que haver essa crise de liquidez, já que as metas fiscais têm sido alcançadas e não há a trajetória rumo ao abismo como havia na Argentina. Por outro lado, o governo FHC não conseguiu propiciar o crescimento da economia e do emprego. Como os mercados sabem que sem apoio popular as reformas feitas no governo FHC podem ser revertidas, os credores optaram por minimizar a exposição ao Brasil até que o futuro fique mais claro. A diferenciação entre os casos nacionais na América Latina é importante porque, quando se misturam todos os países no mesmo saco, só sobram generalidades sem conteúdo do tipo “crise do neoliberalismo”, “crise da política imposta pelo FMI”. Mas é preciso ir além dos chavões e examinar as peculiaridades dos casos. No Brasil, pelo menos, não se trata de um colapso iminente.

P - Até que ponto o senhor acha que o recente acordo fechado pelo Brasil com o FMI pode significar arrocho nas contas públicas? Como o futuro presidente deve agir nesse cenário?

R - Não mais do que estava esperado ou programado. O acordo era inevitável. E tem mais: um candidato de oposição que eventualmente vencer as eleições arranjou até uma boa desculpa. O próximo presidente vai ter de, no mínimo, durante algum tempo, manter o superávit primário do setor público no patamar em que ele está. Não haveria outro cenário possível. As atuais metas fiscais vão ter que ser prorrogadas por algum tempo, caso contrário aí sim teremos uma crise aberta. Como a manutenção desse superávit está contemplada no acordo, a carapuça vai servir para todos os candidatos. Principalmente, porque me parece que o acordo foi espertamente construído para não criar fontes de atrito. Não houve outras condicionalidades do Fundo, não entrou na pauta nenhuma cláusula exigindo qualquer outro tipo de medida colateral. Ele se ateve ao superávit primário.

P - E quanto às metas de inflação contidas no acordo? O senhor não acredita em alta?

R - Elas são frouxas, não vão significar uma camisa de força mais forte que a atual sobre o novo governo. É possível que a inflação seja mais elevada, mas seria de um dígito. A margem do acordo dá uma folga inclusive para essa inflação passar um pouco das metas oficiais no ano que vem. O acordo foi folgado. Algo que ficou claro no processo de negociação.

P - Até que ponto a crise cambial de 1999 teria sido um indício do que estaria por vir?

R - Foi mais do que isso. Foi uma crise do regime cambial anterior. Felizmente a nossa resposta foi a flexibilização, que se não é nenhuma panacéia é menos ruim do que a manutenção da âncora cambial, como fez a Argentina. Com o câmbio flexível, a economia sinaliza para os agentes privados as alterações de estratégias e fica a esperança de redução da vulnerabilidade mediante saldos comerciais positivos quando encolhem as fontes de capitais no exterior.

P - O senhor poderia exemplificar?

R - Se o dólar fica mais caro, você cria um estímulo ao aumento das exportações e à redução de importações. Você torna o crédito externo mais caro. Você dá sinalização para os agentes econômicos reagirem ao problema. Já o câmbio fixo empurra os agentes privados para o caminho inverso do ajuste. Foi o que aconteceu com a Argentina: com o câmbio fixo, a economia continuou em recessão, os problemas de competitividade permaneceram e não houve nenhuma tábua de salvação para resolver o problema. O Brasil melhorou em todos os indicadores econômicos de 1999 para cá, entre eles o saldo comercial.

P - Como o senhor avalia o comportamento das taxas de juros nesse período?

R - As taxas de juros que estavam sendo aplicadas para segurar o regime cambial anterior eram muito mais altas do que as de hoje. Nos primeiros anos do cruzado, particularmente em 1996 e 1997, em termos reais, o Banco Central teve que colocar a taxa de juros reais em mais de 20% ao ano. Hoje está em 11%: ainda é elevadíssima, mas é cadente.

P - Os críticos do modelo econômico adotado pelo Brasil atribuem o atual cenário de crise ao casamento entre o câmbio fixo e as taxas de juros. O senhor concorda?

R - Foi uma das causas. Nós pagamos hoje o preço da demora da transição do Plano Real para depois das eleições de 1998. A Argentina confirma essa regra, já que a intensidade vivida pelo país é proporcional à demora em sair do câmbio ultra-rígido em que ela estava. Não corremos esse risco, já que o câmbio flutuou. Isso não quer dizer que não tivemos e não vamos ter problemas, mas é melhor com os problemas de confiança se expressando na flutuação cambial do que escondidos no câmbio rígido.
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P - Quais seriam as outras causas?

R - Na primeira fase do Plano Real deve-se destacar, além do câmbio congelado, também a questão fiscal. No primeiro mandato de FHC a gestão fiscal não foi adequada para um programa de estabilização. Os gastos públicos explodiram, foi uma festa. No segundo mandato ele foi obrigado a passar para um superávit primário, até porque um componente da crise em 1999 era basicamente um problema fiscal, não só de câmbio fixo. O dinheiro começou a sair do Brasil porque a trajetória do endividamento público brasileiro era explosiva, ficou insustentável. Os anos de 1999 e 2000 acabaram sendo mais tranqüilos porque houve a grata surpresa de o governo conseguir criar o superávit primário. Saímos de um déficit nominal de 7,5% do PIB para um superávit primário de 3,5%. Aí tirou a trajetória do endividamento da implosão. As dúvidas hoje ainda são fiscais. O componente interno dessa crise agora é o receio de que o próximo governo – qualquer que seja ele – não consiga segurar esse superávit primário.

P - Os bancos nunca lucraram tanto como agora. Como o senhor avalia o papel dessas instituições num momento como esse, sobretudo no que diz respeito à concessão de linhas de crédito e de financiamentos?

R - Vejo o banco como qualquer empresa privada. Na verdade, a taxa de lucro no Brasil é muito elevada. Os juros são elevados porque lá na base tem uma coisa chamada setor público que precisa rolar uma dívida monstruosa. O poder de barganha do Estado brasileiro é baixo. Toda vez que ele precisa rolar essa dívida, tem que ir ao mercado e pagar juros elevados, porque, do contrário, o pessoal não compra. O risco brasileiro é elevado. Essa base de juros paga pelos títulos da dívida pública acaba sendo a base da pirâmide sobre a qual estão todas as taxas de juros. Em última instância, os bancos ganham dinheiro hoje porque o setor público deve. A única forma de acabar com isso no longo prazo é reduzir a dívida pública. Só assim aumenta o poder de barganha do setor público brasileiro, que poderá baixar as taxas de juros. Aí os bancos vão ter que aprender a ganhar dinheiro de outro jeito.

P - A que o senhor atribui a queda no volume de exportações?

R - No curtíssimo prazo as exportações estão sendo afetadas pelo outro lado da moeda dessa crise de liquidez, que é a crise de confiança lá no núcleo duro do capitalismo, da economia de mercado. Trata-se de um problema gravíssimo. Em tais situações de crise – Enron, WorldCom etc —, os mercados financeiros ficam extremamente avessos ao risco.

P - Em que medida esses escândalos afetam o desempenho nas exportações?

R - Afetam diretamente. Quando há uma aversão aos riscos, os portfólios e as carteiras se livram dos papéis mais arriscados. Aí entra o Brasil, inclusive. Ele faz parte de uma área de alto risco na classificação de risco de crédito, pelas agências de rating, por conta do histórico e dos próprios indicadores macroeconômicos do país etc. Particularmente o Brasil foi vítima no seguinte caso: o Federal Reserve (FED, banco central dos EUA) avisou os bancos americanos que ia pedir uma transparência de qual é o grau de exposição ao risco que essas instituições estão dispostas. E estrategicamente esses bancos resolveram limpar um pouco suas respectivas carteiras de risco antes de revelar ao público. Está todo mundo nervoso com notícias da saúde da J.P.Morgan, do Citibank, inclusive porque tiveram fortes prejuízos com a Argentina. No mercado, todo mundo morre de medo que esses bancos sejam afetados também por um colapso brasileiro. Eles optaram então por um corte radical na exposição ao Brasil.

P - Que setores foram mais afetados com esse corte?

R - Envolveu corte até de linhas de crédito que nunca foram atingidas em crises anteriores. Vamos aos exemplos: uma linha de crédito comercial de curtíssimo prazo, adiantamento de contrato de câmbio para exportadores, linha de crédito para importadores etc. Isso não ocorrera nem em 1987, mas como o calote da Argentina bateu até nessas linhas de crédito, os bancos, para satisfazer seus acionistas e seus bancos centrais, resolveram limpar suas carteiras a qualquer custo. Por isso que a liquidez sumiu de repente. Não houve rolagem de dívida de empresa privada, secou o dinheiro e esse é um elemento central para entender a profundidade dessa crise, que é exagerada se a gente olhar as estatísticas fiscais de 2001 e 2002.

P - O que revelam as estatísticas?

R - Nada de dramático. Se você olhar para os lados, só terá duas fontes: o medo do futuro e essa coisa externa que pega o Brasil numa situação mais vulnerável. Chile e México, por exemplo, sofreram um pouco do impacto disso, mas em baixíssimo grau, porque a avaliação de risco desses países não é tão ruim quanto a do Brasil. Então num curto prazo você tem esse efeito trágico sobre o País, sobretudo nas exportações que dependem das linhas de crédito. Por isso que o pacote do FMI só vai se completar em termos de efeito se – e quando – os bancos internacionais voltarem atrás e reabrirem as linhas de crédito. O acordo com o FMI ajudará a evitar um colapso, mas não vai eliminar as turbulências, no mínimo até 2003.

P - Setores da oposição vêem ingerência no papel de algumas empresas multinacionais na política econômica do governo, acusando-as inclusive de especular com o chamado capital volátil. O senhor concorda com as críticas?

R - Não é uma coisa tão simples assim. Se o mercado fosse uma coisa tão controlável, não existiriam as crises. A especulação miúda colocaria em risco os lucros verdadeiros, que são as operações de maior calado. Vai ser difícil você encontrar um J.P.Morgan, um Citibank, uma Esso se propondo a ganhar dinheiro especulando com mercadinho de títulos e dívida. As multinacionais têm uma influência inegável sobre a condução da política lá nos Estados Unidos, mas não há uma participação direta no mercado. Agora, certamente o medo desses bancos quanto ao efeito de um colapso brasileiro deve ter ajudado seu lobby junto ao governo americano para facilitar o acordo.

P - Mas, no caso do acordo com FMI, tornou-se pública a pressão feita pelas multinacionais e por bancos estrangeiros estabelecidos no Brasil para que o empréstimo fosse liberado.

R - Isso faz sentido. Mas diria que essa pressão foi feita principalmente pelo setor financeiro. Porque como o momento internacional é delicado e como uma quebra brasileira jogaria gasolina no fogo, ocorreu uma comunhão de interesses. Estou querendo chamar a atenção para o seguinte: devem ter exercido essa influência, mas se não fosse uma coisa conveniente para todo mundo não teria sido feita. Também não foi boa para ninguém a quebra da Argentina, no entanto por maior que tenha sido a pressão de bancos espanhóis interessados em uma saída rápida da crise, nem por isso a arquitetura financeira internacional mudou a postura. Ela deixou a Argentina secar do jeito que está secando.

P - Numa situação de crise, o fato de o Brasil ser um país potencialmente consumidor faz diferença?

R - Faz, nessas circunstâncias. A crise externa potencial e o medo de contaminação por uma quebra brasileira influenciaram muito mais talvez do que perspectivas de longo prazo do mercado consumidor. Para o bem ou para o mal, a economia internacional e mesmo a economia brasileira não operam de modo tão organizado ou controlado. O que acontece é o medo de que isso rebata em Wall Street e aprofunde ainda mais o outro medo, que é o da exposição dos bancos.

P - Que lição o senhor acha que pode ser tirada dessa crise?

R - A primeira lição é que, de fato, só há um caminho para o País se ver menos vulnerável às oscilações de humor do mercado internacional: o Brasil precisa ser menos dependente desse financiamento externo. É preciso que, com o tempo, a gente consiga reduzir o nosso déficit na conta corrente da balança de pagamentos. Essa é uma parte da história. A outra parte é que nós não vamos conseguir reduzir esse déficit se a gente não reduzir a dívida pública. O País necessariamente vai ter que aprender a ter uma política de crescimento, mas sem abandonar nos próximos anos uma política de austeridade fiscal. Enquanto o Estado não se tornar menos dependente do financiamento pelo setor privado nacional ou estrangeiro, não conseguirá reduzir as taxas de juros. Se não conseguir as taxas de juros, a economia não vai andar. O próximo presidente terá que apresentar uma atuação fiscal austera. Se não fizer isso, aí sim o país entrará numa crise sem precedentes.

Dependência crônicaMariano Laplane
Mariano Laplane

A crise econômica que atinge o Brasil e outros países da América Latina tem como determinantes externos a eclosão das conseqüências negativas da especulação financeira desenfreada dos anos 90 e da desaceleração do crescimento dos países desenvolvidos. No plano regional, o principal determinante é o aprofundamento da crônica dependência de financiamento externo, raiz de nossa vulnerabilidade econômica, provocado pelas reformas neoliberais dos anos 90.

As reformas foram implementadas com a promessa de que delas resultariam crescimento sustentado e redução das desigualdades. Propagava-se que o mercado teria êxito enfrentando os desafios nos quais o Estado tinha fracassado. Ainda no final dos anos 90 era visível a incapacidade dos reformadores neoliberais de cumprir suas promessas. Os resultados das reformas em termos de crescimento foram decepcionantes, comparáveis aos da década de 80. As desigualdades, no lugar de diminuir, aumentaram em muitos países. A vulnerabilidade externa aumentou.

O agravamento da vulnerabilidade externa da economia regional em função da liberalização financeira e comercial tornou-se evidente ainda nos anos 90 na crise do México, em dezembro de 1994, da Ásia, em meados de 1997, da Rússia, em 1998, e do Brasil, no início de 1999. A despeito do fracasso evidente, em cada um desses episódios os neoliberais no Brasil e na região decidiram manter o rumo, ampliando as reformas para fortalecer o modelo. Ironicamente, a receita para enfrentar os problemas era perseverar nas políticas que os provocaram. Exemplo trágico foi o do ministro Cavallo, na Argentina, e seu quimérico “déficit zero”. Não menos patéticos resultam os sucessivos pedidos de socorro ao FMI das mesmas autoridades econômicas que juravam de pé junto que os fundamentos da economia brasileira estavam em ordem.

A atual crise dos países desenvolvidos nos encontra dessa forma numa situação de extrema vulnerabilidade, cuja reversão requererá esforços significativos. O legado da crise para o futuro presidente do Brasil é a árdua tarefa de reduzir gradativamente a fragilidade externa da nossa economia para que a política econômica possa reassumir seu papel de promover o crescimento e a redução das desigualdades.

Francisco LopreatoOs nós da retração
Francisco Lopreato

A atual crise econômica da América Latina é o resultado do modelo de economia liberal adotado desde o início dos anos 90. A estabilização com valorização das moedas nacionais, ao lado da abertura comercial indiscriminada e da liberalização financeira, provocaram a deterioração das contas do balanço de pagamentos e a necessidade de captar crescentes volumes de recursos externos.

A vulnerabilidade externa tornou os países dependentes da liquidez internacional e obrigados a sustentar altas taxas de juros, bem como ofertar uma série de ativos (como dívida pública e privatizações) capazes de garantir a rentabilidade dos capitais dispostos a financiar o buraco das contas externas.

A ampla liquidez internacional garantiu taxas de crescimento expressivas durante algum tempo. Entretanto, a retração após as crises da Ásia e da Rússia desnudou o quadro de fragilidade externa e forçou a adoção de medidas econômicas restritivas. Os resultados foram a desaceleração econômica e as fortes oscilações das moedas nacionais quando há sinais de estresse no mercado internacional.

O estouro do dólar e do risco-país refletiu o medo da comunidade financeira internacional de os países não honrarem as suas obrigações externas. O remédio para conter as turbulências tem sido a captação de recursos no FMI. No entanto, o apoio do FMI só ocorre caso os países aceitem determinadas metas impostas pela instituição e a redução da atividade econômica.

As situações de Argentina, Uruguai e Brasil (só para ficar nos países do Mercosul) ilustram bem as dificuldades. No país pentacampeão do mundo, o Plano Real garantiu a queda da inflação, mas deixou pesada herança ao próximo presidente. Inúmeros nós precisam ser desatados, entre eles, a baixa taxa de crescimento, o problema do balanço de pagamentos, a dívida pública, o endividamento externo, a instabilidade cambial e o desemprego. Boa sorte ao futuro presidente, seja ele quem for.

Esgotamento de um ciclo?
Ricardo Carneiro

Há quase um consenso entre os economistas quanto à natureza da atual crise cambial. Sua razão está na restrição de crédito à economia brasileira e às demais economias emergentes a partir dos principais centros financeiros, sobretudo os EUA. A crise é mais geral e traduz-se numa contração dos financiamentos que atinge indistintamente grandes corporações americanas e européias e países emergentes de pior classificação de risco.

Pode-se falar atualmente numa fuga dos investidores para a qualidade, com a substituição de investimentos em países e empresas mais frágeis por outros de maior solidez.

Da perspectiva dos países subdesenvolvidos essa situação não é nova. Desde a crise asiática e sua disseminação em 1997 e 1998, os fluxos de investimento escassearam. Naquele momento, a retração dos financiamentos ocorreu por problemas derivados da trajetória dos próprios países emergentes.

Isso chama a atenção para a natureza distinta da atual contração associada principalmente aos problemas financeiros dos EUA como queda da bolsa e fraudes, decorrentes da desaceleração da economia americana e do provável esgotamento do ciclo de crescimento dos anos 90.

Para as economias atrasadas que se tornaram excessivamente dependentes de capitais externos, caso da brasileira e das demais latino-americanas, a retração de crédito criará problemas cuja intensidade será ditada pelo tamanho dessa dependência.