Jornal da Unicamp 184 - 5 a 11 de agosto de 2002
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Anita Martins Rodrigues de Moraes: violência no sertão em pautaO sertão que virou livro

Pesquisadora analisa limites entre civilização
e barbárie em romances ambientados no interior do País

MANUEL ALVES FILHO

Dissertação de mestrado intitulada "Os limites da civilização na escrita do sertão: um estudo das categorias civilização e barbárie em alguns romances brasileiros", defendida recentemente por Anita Martins Rodrigues de Moraes junto ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, aborda romances brasileiros que tratam da temática sertaneja, em particular da violência do sertão. De acordo com a pesquisadora, que tomou para estudo as obras O Índio Affonso (1873), de Bernardo Guimarães; O Cabeleira (1876), de Franklin Távora; Pedra Bonita (1937) e Cangaceiros (1953), de José Lins do Rego, e Grande Sertão: Veredas (1956) de João Guimarães Rosa, as categorias civilização e barbárie são operadas de maneira diferenciada nos romances. Enquanto nos dois primeiros livros a dicotomia é muito clara, na produção de Lins do Rego ela está presente, mas de forma mais sutil. Já no romance de Guimarães Rosa, as categorias sofrem o que poderia ser chamado de um processo de revisão.

Anita explica que escolheu obras distribuídas no tempo justamente para compreender melhor e comparar diferentes atitudes com relação às categorias destacadas. Segundo ela, tanto no romance de Bernardo Guimarães quanto no de Franklin Távora, o narrador se reveste da figura do escritor e pretende ser o discurso confiável dos romances – a "verdade única" consistiria no que afirma o narrador. A posição deste "narrador-escritor", como destacado integrante da civilização, é sobreposta e marcada pelo caráter prescritivo. Nos livros de Lins do Rego, que tratam do fenômeno do cangaço, há a mesma sugestão, mas de forma mais sutil.

Anita lembra que, dada a distância temporal entre os romances românticos e os de Lins do Rego, não esperava que fosse diferente. Esclarece que, na época de Lins do Rego, a arte literária era pensada de maneira diferente, sendo o efeito de "objetividade" bastante importante. "Lins do Rego faz uso de estratégias narrativas diferentes. Ao contrário dos romances anteriores, nos quais o narrador quer ser o próprio escritor, ele se vale de um narrador implícito. Sutilmente, ele dá voz aos personagens e induz o leitor a concluir que a violência no sertão está relacionada ao abandono, à decadência e à falta de efervescência própria das cidades litorâneas". Para fazer a transição dos romances românticos para os do modernismo nordestino, a pesquisadora diz que teve que passar por Euclides da Cunha, e seu importante livro Os sertões (1902). Segundo ela, os romances Pedra Bonita e Cangaceiros mantêm uma relação de contraste mas também de complementariedade com a obra de Euclides.

Segundo Anita, os romances de Lins do Rego associam a violência do cangaço à impunidade. A ausência de uma esfera pública constituída aparece como principal causa da violência, pois levaria as pessoas a resolver suas disputas no âmbito pessoal, colocando assim a vingança no lugar da justiça. Os textos desse autor promovem uma aproximação entre os soldados e os sertanejos armados (os cangaceiros), o que não acontecia nos romances românticos. Seus livros mostram que a autoridade pública chega ao sertão de forma agressiva e bárbara, embaralhando um pouco a oposição litoral/sertão como análoga à civilização/barbárie. Mas, segundo a estudiosa, o modelo dicotômico se mantém.

Já em Grande Sertão: Veredas, algo novo surge no tratamento das categorias em questão. Riobaldo, um ex-jagunço, personagem principal do romance, tem uma fala longa e envolvente. Conforme Anita, as categorias civilização e barbárie estão presentes no texto, mas para serem subvertidas. "Em Grande Sertão, existe o aproveitamento das diferenças, mais do que a classificação hierárquica das formas de humanidade. O autor explora, na diferença, a possibilidade de reflexão".

Respondendo à questão do que representariam as duas categorias nos dias atuais, a pesquisadora afirma: "Dentro das cidades são criados espaços físicos de civilização e barbárie. São erguidos condomínios fechados, por exemplo, em oposição a outros locais, como as favelas, onde haveria a regência da barbárie." A autora lembra que é próprio daquele que se diz civilizado ter aqueles que não participam de seu grupo por bárbaros. "A civilização expansiva vai destruindo outras formas de humanidade que estão ao seu redor", diz. O mestrado de Anita foi feito com bolsa concedida pela Fapesp, sob a orientação da professora Suzi Frankl Sperber. A dissertação foi impressa em papel totalmente reciclado.