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O InVesalius, desenvolvido em doutorado na Unicamp,
permite criar modelos virtuais e réplicas de estruturas anatômicas

Novo software revoluciona
os procedimentos cirúrgicos

PAULO CÉSAR NASCIMENTO

O engenheiro Aílton Santa Bárbara: software desenvolvido para o doutorado na Unicamp (Fotos: Antoninho Perri/Divulgação)Um programa de computador desenvolvido pelo engenheiro eletrônico Ailton Santa Bárbara, do Centro de Pesquisa Renato Archer (CenPRA), para a sua tese de doutorado na Unicamp, está revolucionando os procedimentos cirúrgicos em hospitais brasileiros. O software InVesalius permite criar, a partir de imagens médicas tomográficas, modelos virtuais e até mesmo réplicas tridimensionais e em tamanho natural de estruturas anatômicas como crânios, mandíbulas e sistemas vasculares, esculpidas por meio da tecnologia de prototipagem rápida.

A técnica traz ótimos resultados no planejamento de cirurgias complexas

A inovadora metodologia é resultado de uma estreita colaboração entre engenharia e medicina e nasceu da convergência das tecnologias de aquisição de imagens médicas, computação gráfica e prototipagem. Com uma réplica do órgão em mãos, o médico tem uma clara visão da situação clínica, pode planejar e simular intervenções cirúrgicas e modelar implantes exclusivos para cada paciente.

Os protótipos são gerados com base nos dados obtidos em exames de tomografia e ressonância magnética. As imagens são processadas pelo software, que constrói um modelo tridimensional computadorizado da estrutura de interesse. Este volume é então transformado em um modelo físico preciso e detalhado por meio da prototipagem rápida.

Embora seja relativamente nova na área médica, a técnica de biomodelagem vem demonstrando ótimos resultados no planejamento de cirurgias complexas, afirma Ailton Santa Bárbara, principalmente as bucomaxilofaciais e de reconstrução craniofacial.

Na prototipagem, as peças são primeiramente projetadas no computador por meio do InVesalius e em seguida ganham forma através de uma máquina injetora que reproduz com precisão cada medida do modelo virtual. É possível produzir peças bastante complexas, inclusive com partes ocas. O equipamento utilizado é o mesmo que produz peças e moldes industriais para a fabricação de componentes automotivos, equipamentos eletroeletrônicos e móveis, entre outras aplicações.

Custo menor – As réplicas são modeladas em náilon a um custo de aproximadamente R$ 1,5 mil a peça, dependendo de seu volume e do detalhamento exigido. Mas testes com gesso demonstraram a viabilidade da substituição da matéria-prima para protótipos mais simples e com uma redução da ordem de 40% no preço. Uma única unidade importada de um crânio completo pode custar US$ 3 mil.

Além da prototipagem, o InVesalius dispõe de outro avançado recurso técnico para o diagnóstico de doenças e análise de estruturas internas do corpo. A biomodelagem permite ao cirurgião ver na tela do computador um crânio tal como ele é dentro da cabeça, em três dimensões, rico em detalhes, com diferentes texturas. O modelo virtual também oferece ao médico a oportunidade de “navegar” por qualquer parte do corpo e observá-lo por diversos ângulos. É possível ainda separar o objeto de interesse do todo – eliminar os tecidos e deixar apenas o osso, por exemplo – e fazer cortes e medidas absolutamente fiéis à realidade, assegura o pesquisador.

“Se a biomodelagem já permitia visualizar modelos tridimensio-nais de quaisquer partes do corpo, com os protótipos tornou-se possível tocar e manusear cópias idênticas a elas, feitas nas mesmas proporções das estruturas originais”, explica o engenheiro especializado em processamento de imagens. Ailton Santa Bárbara observa que as réplicas permitem aos médicos decidir com antecedência quais os procedimentos mais adequados ao caso, simular incisões ou ensaiar a colocação de uma prótese. Dentro da sala de cirurgia os protótipos funcionam como guias para orientar os procedimentos.

“Cirurgias bem planejadas duram menos tempo e, conseqüentemente, são mais baratas, menos traumáticas para o paciente e não requerem tantos tratamentos pós-operatórios”, ressalta o pesquisador. No que diz respeito à comunicação, os protótipos facilitam bastante o diálogo com o paciente e entre os próprios médicos. “Fazer um diagnóstico, discutir possibilidades de tratamento ou descrever uma patologia para a família tornam-se tarefas muito mais simples quando há um modelo físico idêntico à estrutura afetada para ilustrar a situação”.


Promed – O processo está disponível na Divisão de Desenvolvimento de Produtos do CenPRA, em Campinas, por meio do projeto Promed (Prototipagem Rápida na Medicina). O CenPRA utiliza a Sinterização Seletiva a Laser (SLS) – e Impressão Tridimensional 3DPrinter, um dos diferentes processos de Prototipagem Rápida existentes. A matéria-prima – pó de poliamida (náilon) pura ou com carga de vidro – é depositada sobre a superfície da máquina, com a ajuda de um rolo, em camadas que variam de 0,08mm a 0,5mm de espessura. Quanto mais finas forem as camadas e menor for a granulometria do pó, maior será a precisão do acabamento superficial do protótipo.

O InVesalius foi desenvolvido por Ailton após experimentar sob licença diferentes softwares comerciais importados para processamento de imagens médicas, que têm custo entre US$ 20 mil e US$ 150 mil. “A opção por desenvolver o próprio software garantiu o completo domínio sobre a tecnologia empregada e, conseqüentemente, a adequação desta às condições atuais da área de saúde no Brasil”, argumenta o autor. Se fosse comercializado, o similar nacional custaria cerca de R$ 15 mil. Mas pode ser baixado livremente da internet no endereço www.cenpra.gov.br/promed

Quem foi Vesalius

O nome do software, InVesalius, é uma homenagem ao médico belga Andreas Vesalius, que nasceu em Bruxelas a 31 de dezembro de 1514. Os conhecimentos de anatomia e fisiologia da época limitavam-se às descobertas feitas na Antigüidade, baseadas na dissecação de animais. A ausência de aulas práticas de anatomia na Universidade de Paris o levou a freqüentar cemitérios em busca de ossadas de criminosos executados e vítimas de praga. Graduou-se doutor em Medicina pela Universidade de Pádua, na Itália, e em 1538 publicou seu primeiro trabalho, as Tabulae Sex, um conjunto de seis desenhos de anatomia feitos por ele mesmo.

A obra máxima de Andréas Vesalius, De Humani Corporis Fabrica, foi concluída em 1543, após inúmeras dissecações de cadáveres humanos. Dividida em sete partes – ossos, músculos, sistema circulatório, sistema nervoso, abdômen, tórax e cérebro –, o atlas traz magníficas ilustrações das estruturas do corpo e representa o marco inicial da anatomia moderna. Vesalius morreu em 1564, provavelmente em um naufrágio, na volta de uma peregrinação à Terra Santa. É considerado o “pai da anatomia moderna”. De Humani Corporis Fabrica foi relançada recentemente em edição luxuosa pela Editora da Unicamp.

Tempo de cirurgia pode diminuir em até 70% 

Em pouco mais de dois anos, o conjunto de inovações tecnológicas proporcionado pelo Promed já foi empregado em mais de 450 casos de diagnóstico e tratamento de patologias. Os procedimentos foram realizados em hospitais de Campinas, como o Mário Gatti e a Sobrapar, em instituições de São Paulo, Brasília, Rio Grande do Sul, Petrópolis, Belo Horizonte, Goiânia, Curitiba e Florianópolis, e até de países como Chile, Portugal e Equador. Uma das aplicações mais freqüentes tem sido a de confecção de próteses e moldes.

Em cirurgias craniofaciais de reconstrução óssea, as próteses geralmente são moldadas na hora sobre o paciente anestesiado e com o conteúdo intracraniano exposto, num procedimento que dura cerca de 20 a 30 minutos. Com a ajuda da biomodelagem e da prototipagem rápida é possível confeccionar com antecedência implantes exclusivos, nas dimensões e no formato exato para cada pessoa. “Além de um melhor resultado estético, o planejamento garante que o tempo exigido para a operação seja reduzido em até 70%, dependendo de cada caso, com menos risco para o paciente”, afirma Ailton Santa Bárbara.

A prótese prototipada não pode ser colocada no paciente, pois o náilon não é biocompatível, explica o engenheiro especializado em processamento de imagens. Entretanto, auxilia na simulação da cirurgia e na escolha da melhor maneira de se executar o implante. Já os moldes prototipados servem de fôrmas para as próteses definitivas, produzidas em materiais como o cimento ósseo (hidroxiapatita).

Exemplo de aplicação foi o de uma paciente de Piracicaba que apresentava um tumor ósseo na mandíbula. A metade direita do órgão deveria ser extirpada para evitar a reincidência da doença. Uma prótese customizada foi desenvolvida a partir do modelo tridimensional da estrutura e os procedimentos cirúrgicos e o implante foram planejados e treinados no protótipo. A prótese e o molde foram posteriormente confeccionados em polímero e serviram de base para uma placa fíbula (retirada de um osso da perna) fixada com uma placa de liga de titânio, também moldada no protótipo.

Em outro caso, um paciente da Faculdade de Medicina da PUC-RS apresentava fraturas e afundamento de diversos ossos da face, decorrentes de um acidente automobilístico. Havia perda quase completa da visão no olho esquerdo e grande preocupação com o resultado estético. As osteotomias (dissecção cirúrgica de osso) foram planejadas no modelo tridimensional computadorizado e a intervenção cirúrgica foi simulada no protótipo médico. A prótese de cimento ósseo foi elaborada a partir de uma guia de acrílico moldada no biomodelo.

Paleontologia – Há situações, porém, que fogem ao campo médico-cirúrgico e revelam outras promissoras aplicações da tecnologia, como o trabalho realizado em parceria com o Museu Nacional do Rio de Janeiro e Instituto Nacional de Tecnologia (INT). O crânio de um Mariliasuchus amarali, um pequeno crocodilo que viveu há cerca de 65 milhões de anos, foi encontrado incrustado em uma rocha em Marília (SP). O bloco de pedra, com o fóssil em seu interior, foi reconstruído em três dimensões a partir das imagens obtidas em uma tomografia e a análise virtual permitiu aos paleontólogos conhecer dados e informações que não poderiam ser estimados devido ao impossível acesso, sem danos, ao material ainda incluso no mineral. Depois, utilizou-se a prototipagem para a modelagem de uma réplica fidedigna do fóssil para estudos e exposição, sem o comprometimento da integridade da peça original.

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