Novo cientista residente do IdEA, David Konstan discute vingança e reconciliação

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Reconhecido há décadas por seu trabalho nos Estudos Clássicos, em áreas como Teatro Antigo, História das Emoções, História do Perdão e História das Religiões, o professor norte-americano David Konstan, da New York University, chega em março à Unicamp para uma temporada como cientista residente do Instituto de Estudos Avançados (IdEA). Ele irá proferir um ciclo de conferências intitulado “Vingança, Retribuição e Reconciliação: da Antiguidade aos dias atuais”, em que abordará textos do período greco-romano clássico e suas possíveis repercussões na resolução de conflitos contemporâneos ligados ao perdão e à anistia.

Konstan, que já esteve outras duas vezes em atividades acadêmicas na Unicamp, pretende explorar, nas suas palestras, questões como o perdão a crimes cometidos pelo Estado, como o apartheid na África do Sul e as ditaduras militares da América do Sul. Em entrevista ao Portal da Unicamp, o docente conta que espera a colaboração de colegas e estudantes ao longo de suas atividades no IdEA para identificar temas e fontes relevantes para sua pesquisa. O tema “Vingança, Retribuição e Reconciliação” deve ser o foco de seu próximo livro, que pretende lançar também em português.

Entre suas publicações mais recentes, estão “Before Forgiveness: The Origins of a Moral Idea” (Cambridge University Press, 2010), “In the Orbit of Love: Affection in Ancient Greece and Rome” (Oxford University Press, 2018) e “The Origin of Sin: Greece and Rome, Early Judaism and Christianity” (Ed. Bloomsbury, 2022). No Brasil, teve publicado “A Amizade no Mundo Clássico” (Ed. Odysseus, 2005).

Apesar do extenso trabalho em Letras Clássicas, o professor graduou-se em Matemática (1961), tendo iniciado o curso de grego antigo e latim no último ano de faculdade. Ele obteve mestrado (1963) e doutorado (1967) em Estudos Clássicos pela Columbia University e, entre 1967 e 1987, foi docente da Wesleyan University, em Connecticut. Em 1987, transferiu-se para a Brown University, em Rhode Island, onde permaneceu até 2010, quando ingressou no corpo docente da New York University (NYU).

O ciclo de palestras, que acontecerá no Auditório do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), terá início em 30 de março, às 10h, com a palestra intitulada “Vingança é um prato que se come frio? Vingança e emoções na perspectiva do Direito, Sociologia, Psicologia e Antropologia”. A série de palestras continua, sempre às quintas-feiras, com os temas: “Vingança versus Retribuição: Punição e a Lei de Talião” (13/04); “Perdão e reconciliação: exemplos em Aristóteles, na Bíblia Hebraica e no Novo Testamento” (20/04); “Honra e Vingança: é sempre possível a reconciliação? Exemplos da Ilíada de Homero e da Ciropédia de Xenofonte” (27/04); “Disputas entre clãs familiares, grupos sociais, políticos e outras manifestações de vingança” (04/05); “A Psicologia da Vingança” (11/05); “Vingança e Retribuição: estudos de caso em nível individual, de grupos sociais e de Estado” (25/05); e “Reconciliação: estudos de caso com base nas Comissões de Truth and Reconciliation, na África do Sul” (01/06).

As inscrições estão abertas no site do IdEA.

Segundo Konstan, a percepção de que a Antiguidade clássica ocidental foi capaz de resolver disputas mesmo sem a ideia de “perdão” em seu sentido moderno pode indicar um caminho na busca por soluções para questões envolvendo relações conflituosas na sociedade contemporânea.

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O professor David Konstan (em pé, ao centro) pretende explorar, nas suas palestras na Unicamp, questões como o perdão a crimes cometidos pelo Estado, como o apartheid na África do Sul e as ditaduras militares da América do Sul

Leia a entrevista que o professor da NYU concedeu ao Portal da Unicamp:

Portal da Unicamp - Quais são suas expectativas para a residência científica no IdEA da Unicamp?

David Konstan - Minhas expectativas são triplas. Primeiro, é uma oportunidade de trabalhar com colegas e alunos da Unicamp e de todo o Brasil, trocando ideias, lendo o trabalho uns dos outros, expandindo horizontes e possivelmente até descobrindo oportunidades para projetos conjuntos. Em segundo lugar, minha residência oferece tempo livre para realizar minha própria pesquisa, que hoje em dia cobre uma gama bastante ampla de tópicos. E, por último, mas não menos importante, focarei no tema do meu curso “Vingança, Retribuição e Reconciliação”, pensando conjuntamente com os alunos inscritos, preparando minhas palestras, e tendo em mente a possibilidade de escrever um livro sobre o tema, a ser publicado em português.

PU - Dentre os diversos temas aos quais o senhor tem se dedicado nos últimos anos, quais foram os motivos para a escolha de “vingança, retribuição e reconciliação” para as palestras da Unicamp?

David Konstan - Como você sabe, escrevi um livro sobre as origens do perdão, mas não investiguei em detalhes o papel do perdão especificamente em relação à vingança e à retribuição. Outro tópico em que trabalhei ao longo dos anos é a história das emoções. No verão passado (hemisfério norte), participei de uma conferência sobre vingança e argumentei que a vingança pode ser distinguida da retribuição precisamente porque a vingança é motivada pela raiva; que é essencial à sua natureza. Também tenho examinado casos de reconciliação que não envolvem perdão. Todos esses temas convergiram para sugerir o tema do curso.

PU - Por que o conceito de perdão só surgiu no mundo ocidental no século XVIII?

David Konstan - Como você sabe, publiquei recentemente, em 2022, um livro sobre a origem do pecado, no qual defendi que o pecado tem um significado especial na Bíblia, que é distinto daquele do mundo greco-romano clássico. O perdão, creio eu, surgiu especificamente em relação ao pecado, e somente Deus pode perdoar o pecado. Seria arrogância para um ser humano imaginar fazê-lo. Foi apenas com a secularização da moralidade durante o Iluminismo que o perdão se dissociou do pecado, tornando-se assim uma questão de reconciliação interpessoal. Mas isso não ocorreu sem seus próprios problemas. Para perdoar, precisamos ter certeza de que o ofensor realmente mudou de ideia. Isso é fácil para Deus detectar, mas não para nós, mortais. Os perdoadores exigiam uma espécie de experiência de conversão do ofensor, um resquício das origens religiosas da ideia. Hoje, o perdão tem sido examinado criticamente, e talvez por um bom motivo.

PU - Esse conceito de perdão aparece na Antiguidade em outras religiões e culturas, como no mundo islâmico ou na China confuciana?

David Konstan - No Islã, o perdão está ligado a Deus e ao conceito de pecado, assim como nas outras duas religiões abraâmicas. Não encontrei uma concepção comparável na China clássica, embora tenha trabalhado com colegas nesse campo. No ano passado, aliás, foi publicado um livro que editei, intitulado “Emotions across Cultures: Ancient China and Greece” (Ed. De Gruyter, 2022). Mas um estudo verdadeiramente transcultural do perdão é muito necessário.

PU - Como o estudo da história das emoções e, neste caso específico, do perdão, pode ajudar na compreensão dos processos sociais contemporâneos que envolvem esse tipo de relação, como no caso da anistia na África do Sul?

David Konstan - Um dos problemas do perdão é que é considerado um sinal de maturidade espiritual: se não podemos perdoar, é porque ainda estamos feridos, ainda feridos, e somos nós que devemos crescer e ser curados. Essa pressão para perdoar tornou-se evidente nos procedimentos da Comissão da Verdade e Reconciliação na África do Sul e na eloquente defesa do perdão do bispo Tutu [Desmond Tutu, 1931-2021] em seus escritos. Mas ela envolve suposições sobre saúde psíquica e também perigos. É sempre certo perdoar? Essa é talvez uma forma de tolerar o comportamento daqueles que nos ofenderam ou prejudicaram? A retribuição é talvez a melhor maneira de restaurar as relações e a comunidade? O fato de que (se estou certo) a Antiguidade Clássica conseguiu superar o conflito mesmo sem a ideia de perdão no sentido moderno pode ajudar a encontrar respostas para tais questões.

PU - Que estudos de caso sobre a América Latina o senhor pretende usar em seu curso?

David Konstan - Estou planejando olhar para Argentina, Peru e Brasil em primeira instância. Ainda estou coletando material referente às comissões e outros fóruns que foram desenvolvidos naqueles países, e confesso que, em certa medida, conto com colegas do Brasil e alunos do curso para me ajudar a identificar as fontes relevantes. Essa parte do curso será interativa, o que é, eu acho, uma coisa boa.

PU - A questão da anistia e do perdão está muito presente na história recente do Brasil, como no caso dos crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985). O embate político e social decorrente dos julgamentos de crimes cometidos pelo Estado tem um ônus maior para uma sociedade do que a anistia, o perdão e o esquecimento?

David Konstan - Você tocou aqui no cerne da questão. Manifestantes em todos os lugares, por exemplo na Argentina e na Venezuela, carregavam cartazes dizendo: “Nunca esqueceremos!” ou “Não devemos esquecer!”. O perdão se transforma em mero esquecimento, e, de fato, Borges [Jorge Luis Borges, 1899-1986] afirmou que o esquecimento é a única maneira de perdoar. Mas isso não é apenas uma maneira de deixar as pessoas se safarem? E não é um exemplo terrível, se os infratores tiverem o controle do aparato do Estado? Essas são questões em aberto, e não há respostas fáceis.

PU - Como foram suas experiências prévias com a Unicamp e o Brasil?

David Konstan - Já estive várias vezes no Brasil (acho que são sete ou oito) e duas na Unicamp — a última em 2018, quando, entre outras coisas, participei de um colóquio sobre o tema do pecado, organizado para mim, pois estava pesquisando a fundo para o livro na época. Participei de bancas de defesa de vários doutorandos brasileiros e dei palestras em muitas cidades, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porte Alegre e várias outras. Tenho muitas amizades com estudiosos brasileiros, pelo menos cinco dos quais passaram algum tempo como visitantes em minha própria universidade — anteriormente Brown, agora New York University. Então, sim, o fator pessoal é realmente importante. Deixe-me acrescentar a isso um fascínio pela cultura brasileira em todos os seus aspectos: sua música e dança, sua literatura, seu ethos social e, deixe-me confessar, sua culinária. Portanto, há muito para me atrair de volta e, por isso, agarrei a chance de ser um fellow no IdEA.

Leia mais:

Saiba mais sobre o professor David Konstan, da NYU

Vingança, Retribuição e Reconciliação: da Antiguidade aos dias atuais

Programa "Cesar Lattes" do Cientista Residente

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Audiodescrição. Foto: acervo pessoal. Em área externa, imagem frontal à curta distância de homem com olhar voltado para a câmera fotográfica, com braços baixados e que expressa sorriso tímido. Ele usa óculos e veste camisa social quadriculada com fundo branco e finas riscas em vermelho. Ao fundo, imagem desfocada de área verde. Imagem 1 de 1

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