Edição nº 528

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 28 de maio de 2012 a 10 de junho de 2012 – ANO 2012 – Nº 528

Projeto de pesquisa analisa causas
do baixo desempenho eleitoral
de mulheres e negros

Investigação, cujo foco foram as eleições de 2006 e 2010,
incluiu entrevistas com 42 parlamentares de quatro Estados

 

O Brasil tem apenas de 13% de mulheres no parlamento, ocupando o final da fila na América Latina. O dado é divulgado pela Inter-Parlamentary Union (IPU), órgão que reúne todos os legislativos do mundo e que compila estatísticas sobre a presença de mulheres nestas casas. Por que as mulheres candidatas não conseguem se eleger na mesma proporção que os candidatos homens? Por que as mulheres se apresentam menos na política? Ou, quando se apresentam, o que acontece para que não tenham tanto sucesso? Por que os financiamentos de campanha são sempre menores para as mulheres?

São estas as principais questões colocadas por Rachel Meneguello e Bruno Speck, professores do Departamento de Ciência Política da Unicamp e pesquisadores do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop), no projeto de pesquisa “Mulheres e Negros na Política – Estudo exploratório sobre o desempenho eleitoral em quatro estados brasileiros”. Financiada pela Unifem, órgão das Nações Unidas para Empoderamento das Mulheres (agora ONU Mulher), a pesquisa incluiu entrevistas em profundidade com 42 parlamentares e membros de partidos do Pará, São Paulo, Santa Catarina e Bahia, com o objetivo de avaliar os constrangimentos e obstáculos que poderiam explicar a baixa representação de mulheres e negros no parlamento. O foco esteve nas eleições de 2006 e 2010 e em nove partidos: PT, PSB, PP, PMDB, PSDB, PSOL, PCdoB, PDT e DEM.

“Durante as entrevistas com as mulheres candidatas ou parlamentares, algumas dimensões relativas ao acesso à política ficam muito claras. Uma delas é a trajetória política. Boa parte delas tem uma trajetória muito convencional e tradicional na política brasileira, que é a relação de família: o marido, o pai, o avô e até o bisavô político. E, quando não existe esta tradição de família, vemos os casos de mulheres com uma militância importante nos movimentos sociais, como de mulheres, negros, estudantes e agricultores, e o ingresso em partidos de esquerda”, afirma Rachel Meneguello, que é diretora do Cesop.

Segundo a pesquisadora, a hipótese de que as mulheres teriam menos interesse pela política, está presente na própria fala de algumas entrevistadas, que culpam as demais pela baixa representatividade no parlamento. “Ainda existe este preconceito em relação a si mesmas. O que de fato acontece – e aí entra outra dimensão da nossa pesquisa – tem a ver com a presença do machismo. Sobretudo as casadas e com filhos, que têm atribuições domésticas, enfrentam grande dificuldade para dar conta de uma carreira política e do casamento. Dentre as entrevistadas, mais de 20% são separadas. Eleita, a mulher não se ocupa apenas de legislar, ela tem uma vida dentro do partido e precisa compatibilizar as atividades com sua vida privada.”

Rachel Meneguello ressalta que os partidos são estruturas consagradas como de domínio masculino, onde é difícil que mulheres se destaquem, mesmo em São Paulo, que apresenta outro grau de competição política e abertura para o ingresso de novos atores. “Como exemplo, Marta Suplicy, apesar da imagem pública de destaque como mulher de televisão, entrou na política com o apoio de Eduardo Suplicy – são relações que não acontecem somente no Nordeste, onde se supõe que concentra traços da política tradicional e familiar. Na vida parlamentar, o preconceito aparece contra as mulheres, principalmente as negras. Dezesseis entrevistadas que se declararam negras foram tratadas com diferença, primeiro como mulher, na pouca importância dada às suas opiniões, e também por meio de um racismo velado, difícil de medir.”

Outro aspecto observado na pesquisa, de acordo com a professora, é a visão essencialista da diferença que a mulher faz na política, em que as próprias entrevistadas se colocam como mais honestas e mais capazes para tratar determinadas questões. “Alguns dizem o tempo todo que Dilma Rousseff não tem liderança nem traquejo político e, quando ela coloca mulheres em cargos-chave, desperta preconceitos dos mais variados. Entretanto, todos os entrevistados chamam a atenção para a importância pelo menos simbólica da presença de uma mulher na Presidência. Não se tem a ilusão de que isso mudará a dinâmica da política nacional, mas vai se criando a percepção de que as mulheres podem ter acesso a outras instâncias, seja de trabalho, seja de representação política.”

Paridade estatutária

Rachel Meneguello informa que o PT é o primeiro partido a tomar seriamente a questão das mulheres e negros, incluindo mudanças fundamentais na reforma do seu estatuto, em fevereiro deste ano. “A primeira mudança é a paridade de homens e mulheres nos cargos de direção. Mais: o novo estatuto define um levantamento sobre raça e idade dos filiados e, havendo determinado número de negros, por exemplo, pelo menos 20% deles terão lugar em cada um dos órgãos de direção. Estes órgãos também terão ao menos 30% de jovens, o que implica renovação de quadros.”

Outra mudança no PT destacada pela diretora do Cesop, na mesma reforma estatutária, é a limitação de três mandatos para cada cargo, ou seja, se um candidato se eleger três vezes deputado estadual, terá que mudar de esfera no pleito seguinte. “Isso tem um impacto para as mulheres, pois se os quadros devem ser renovados estatutariamente, abre-se outra porta de ingresso para que elas, por exemplo, obtenham legendas. Esse impacto não virá na próxima eleição, mas merece ser observado nas futuras, porque pode começar a mudar a cultura masculina dentro das estruturas partidárias.”

A pesquisadora não identifica em outros partidos considerados progressistas a inclusão de medidas semelhantes em seus estatutos. “O PSB menciona bastante o estímulo à participação de mulheres e negros na política, mas apenas mencionar é muito pouco. Embora os partidos possuam secretarias da mulher e de combate ao racismo, não veem o tema como central, não existe uma diretriz política para isso. Mesmo PCdoB e PSOL, que estão mais à esquerda, defendem a prioridade de uma luta política mais ampla de transformação social – e as questões da mulher e do negro iriam de carona nesta luta mais ampla.”

Rachel Meneguello aponta, afinal, o que a pesquisa colheu de essencial. “Se fosse para resumir esta entrevista, duas grandes questões aparecem. Uma delas é que os constrangimentos fundamentais do acesso às mulheres e negros na política estão no domínio masculino desta dinâmica de representação. Do outro lado, temos uma grande reclamação em relação às estruturas partidárias, havendo a necessidade de mudanças, inclusive legais, que levem à participação efetiva de mulheres e negros na dinâmica interna dos partidos. O sucesso da politica de cotas, já implantada mas menos exitosa do que se esperava, parece depender mais de mudanças na organização interna dos partidos do que da reforma do sistema eleitoral”.

 

Dinheiro míngua para candidatas

O professor Bruno Speck, juntamente com a pesquisadora Teresa Sacchet, participou de um projeto anterior financiado pela Secretaria de Mulheres da Presidência da República, que envolveu mais de dez organizações, entre elas o Cesop. “Esta pesquisa é consequência e sequência da outra, que analisou o desempenho das mulheres nas eleições de 2010 focando aspectos como da propaganda política e do financiamento de suas campanhas. Nós do Cesop analisamos especificamente a questão do financiamento das candidatas, chegando ao resultado de que elas recebiam menos recursos e menos votos em relação aos homens. Esta pesquisa atual foi mais qualitativa, sobre as razões e o pano de fundo desta desvantagem, incluindo entrevistas com as mulheres e estendendo o trabalho aos negros.”

Um dado básico e sempre interessante, na opinião de Bruno Speck, é a proporção de mulheres eleitas entre as candidatas. Ele atenta para a similaridade dos gráficos para a Câmara dos Deputados e as Assembleias Legislativas após as eleições de 2010, que trazem na primeira barra a média da população feminina no Brasil (em torno de 50%). Na tabela de candidatos a deputado federal, a segunda barra mostra que a proporção de mulheres foi de 11,9% na Bahia, 18,6% no Pará, 25,2% em Santa Catarina e 18,8% em São Paulo. “Aqui, já vemos uma sub-representação das mulheres, decorrente do filtro partidário para obtenção das legendas”, observa.

Entretanto, na terceira barra, de candidatas eleitas, nota-se uma diminuição brusca para respectivos 2,6% (BA), 5,9% (PA), 6,3% (SC) e 8,6% (SP). “Se as mulheres candidatas tivessem a mesma chance de se eleger do que os homens, a segunda e a terceira barras deveriam ter igual tamanho. Mas não é assim, há uma nova queda. A questão é: por quais razões elas têm menor chance de se eleger?”.

O pesquisador não dispõe de informações que expliquem por que tão poucas mulheres se candidatam, principalmente havendo a Lei de Cotas, determinando que cada partido ou coligação destine pelo menos 30% das vagas a candidatas mulheres. “O dado mais citado no caso brasileiro é de 18% de mulheres entre os candidatos, ou seja, a maioria dos partidos e das circunscrições não cumpre a legislação. Um comentário recorrente nos movimentos feministas diz respeito à pouca penalização por este descumprimento nas eleições passadas.”

Naquela pesquisa em que analisou a questão do financiamento, ficou claro para Bruno Speck que as mulheres recebem menos recursos que os homens. Os gráficos mostrando a média de arrecadação por mulheres e homens, para deputado estadual e deputado federal, tornam clara a discrepância. “É um quadro que se repete nas outras eleições, com exceções como do Pará, onde o conjunto de candidatas arrecadou mais ou menos o mesmo valor dos homens – o que se reflete também no resultado eleitoral.”

Segundo o pesquisador do Cesop, um aspecto que não era objeto da pesquisa, mas bem conhecido em campanhas eleitorais, é a estreita relação entre arrecadação e voto: o candidato que se elege sempre consegue arrecadação bem maior do que os não eleitos. “Tomo o cuidado de não definir isso como uma causalidade, pois não sabemos se é a percepção do doador de que o candidato tem grande chance de se eleger que causa o financiamento, ou se o financiamento é que causa o resultado eleitoral, ou seja: se dinheiro rende voto ou se a expectativa de voto rende arrecadação. Entretanto, a correlação é estreitíssima e induz a pensar que o financiamento é corresponsável pelo baixo desempenho das mulheres.”

Candidata laranja

Bruno Speck considera a hipótese de que os financiadores realmente não acreditam que as mulheres têm chance de se eleger, visto que elas geralmente apresentam um histórico político-eleitoral bem mais curto. “Tipicamente, para se eleger a um cargo de alto nível como de deputado federal ou senador, é preciso uma longa história política. Portanto, a Lei de Cotas não vai resolver, hoje, a baixa presença das mulheres e melhorar seu desempenho. Antes da lei, havia menos candidatas, mas aquelas que conseguiram emplacar na lista partidária tiveram desempenho de igual a melhor que os homens. A partir do momento em que os partidos foram obrigados a inchar suas listas com mulheres, este desempenho caiu. E a chamada ‘candidata laranja’ virou fenômeno”.

A esse respeito, a professora Rachel Meneguello afirma que algumas entrevistadas colocam claramente que seu papel no partido é o de preenchimento de cotas. “E há o fato de que esta lei não prevê qualquer sanção, caso seja descumprida. Talvez venha a ter nas próximas eleições, com o Ministério Público acompanhando o preenchimento das listas e criando uma reprimenda ou outro tipo de medida.”

A diretora do Cesop recorda que as mulheres reclamam muito da distribuição interna dos recursos de campanha, havendo casos de candidatas que, mesmo casadas com companheiros de partido, não receberam sequer santinhos e cartazes. “Então, novamente, de onde poderia vir uma solução: com as mulheres estando presentes nas instâncias partidárias que distribuem recursos, garantindo pelo menos o acesso também para elas.”

Horário eleitoral

Bruno Speck ousa especular que a eleição municipal seja, talvez, o momento mais importante para incentivar mais mulheres a disputar cargos de vereança e de prefeito, depois a de deputado estadual e assim por diante. “É preciso pensar em como alimentar esta cadeia com mais incentivos às mulheres. Num sistema eleitoral de listas abertas como do Brasil, obrigar os partidos a incluir mulheres entre os candidatos tem impacto muito limitado, já que quem decide, no final das cotas, é o eleitor. Mais de 90% dos votos no país são depositados nos candidatos, e não em partidos. Mas, voltando à questão dos recursos, acho que o partido tem um papel importante em relação a um recurso indireto, que não é em dinheiro: o horário eleitoral gratuito.”

O cientista político lembra que a lei obriga o partido a dividir seu tempo no horário eleitoral equitativamente entre os vários cargos, não sendo permitindo beneficiar, por exemplo, mais o candidato a prefeito e menos os pretendentes ao legislativo. “O partido possui ampla margem de manobra e nem sempre usa esta margem de forma aberta entre os candidatos, promovendo alguns nomes em detrimento de outros. Se o partido adotar uma política de incentivo à participação feminina, vejo este funil do horário eleitoral como um veículo mais fácil de ser utilizado do que o financiamento. É complicado pedir ao empresário que financie mulheres.”

 

 

O círculo vicioso

da estagnação

Indicadores internacionais compilados pelo Cesop mostram que a baixa presença de mulheres e negros na política não é um problema exclusivamente brasileiro, mas generalizado no mundo. Bruno Speck aponta os Estados Unidos como um dos exemplos negativos, com 17% de mulheres no Congresso e 22% nos parlamentos regionais. “A Alemanha tem 30% de deputadas no parlamento e, atualmente, só duas mulheres ocupando o governo de dois dos 16 estados; nos partidos de esquerda, o Partido Verde é o que traz 50% de mulheres em seus quadros.”

O pesquisador observa que esta baixa representação das mulheres se dá em diferentes patamares, dependendo do país. “A Alemanha do pós-guerra tinha 10 ou 12 mulheres no parlamento e agora avançou para 30%. No Brasil, há certa estagnação neste momento. Vínhamos tendo certo crescimento na participação, mas agora não vemos sinais de que se está avançando para os 50%, que seria a taxa normal, considerando a proporção de mulheres e de homens na população brasileira.”

Rachel Meneguello, por sua vez, busca parâmetros históricos para ressaltar que o voto feminino no Brasil foi aprovado em 1932 (o primeiro caso na América Latina) e, na Suíça, somente em 1972. “Como explicar isso? Há um terreno muito positivo de possibilidades de representação feminina, mas também uma estagnação que advém desta política tradicional. E, ainda em relação aos Estados Unidos, estudos mostram que, historicamente, os negros têm muito mais sucesso do que as mulheres na política.”

Por outro lado, a professora recorda que o Cesop organizou um seminário sobre o sistema eleitoral brasileiro e a mudança da lista aberta de candidatos para a fechada, apresentando dados de outros países onde estudos indicam que esta mudança beneficiou a participação das mulheres de alguma forma e que sua implantação vem sendo uma tendência. “Eu, particularmente, acho que a lista fechada ainda não é a melhor solução para o Brasil, não pela sua adoção em si, mas pelas estruturas partidárias ainda muito oligárquicas. Alguns partidos têm claramente seus caciques, enquanto outros contam com lideranças consagradas que detêm votos e cadeiras há muito tempo – tais lideranças, num primeiro momento, talvez não abram espaço para as mulheres.”

Rachel Meneguello também se mostra descrente quanto a outra mudança pretendida na reforma partidária, que é o financiamento público da campanha eleitoral. “Em quase todas as entrevistas da pesquisa, o financiamento público aparece como uma grande solução para o acesso de mulheres e negros à política. Isso me parece um mito. Destinar recursos do Estado ao partido pode funcionar como equilíbrio e controle de fundos em geral, mas se não houver controle sobre a distribuição dentro do partido, o círculo vicioso se repete.”

 

Componentes demográficos

são levados em conta

No que se refere à metodologia utilizada para desenvolver o projeto “Mulheres e Negros na Política – Estudo exploratório sobre o desempenho eleitoral em quatro estados brasileiros”, Rachel Meneguello explica que, por se tratar de uma amostra no país, a questão foi tratada de maneira política e de maneira demográfica. “Buscamos dados do IBGE sobre populações de Estados para medir a representação política dos negros, no caso a Bahia, com 17% em 2010; e, como contraprova, Santa Catarina, com 3%. São Paulo, por sua vez, é o distrito eleitoral mais competitivo do país, onde todos os 29 partidos estavam representados (agora são 30). Por fim, o Pará, que até pouco tempo tinha Marisol Brito no Senado e Ana Júlia Carepa como governadora, buscando um universo menos próximo de nós do Sudeste e mais representativo da política tradicional brasileira.”

Elaborado um elenco de nomes a serem entrevistados, a professora conta que em boa parte das vezes foi bastante difícil contatá-los, ou por que não aceitavam passar por uma hora e meia de entrevista (que era qualitativa, em profundidade) ou por que a agenda não permitia. “No final das contas, conseguimos entrevistar 42 parlamentares, candidatos ou membros de partidos, sendo oito homens. Em termos de participação efetiva das mulheres nos cargos internos partidários, como por exemplo, nas comissões executivas, o PT possuía a maior percentagem, 20% (oito cargos); nos demais a participação ficou entre 8% e 10%, demonstrando a dificuldade de acesso das mulheres à própria dinâmica interna dos partidos”.

Os pesquisadores do Cesop também decidiram abordar o espectro partidário: direita, centro e esquerda. “Alguém dirá que é difícil fazer tal distinção no Brasil, mas não é tanto assim, há uma série de estudos acadêmicos cujo esforço é entender como os partidos se localizam neste espectro ideológico. Uma das hipóteses era de que estar à esquerda ou à direita também faria diferença na inserção de mulheres e negros na política. Por um lado, indica uma relação com movimentos sociais, o que não é privilégio brasileiro, faz parte de todas as democracias representativas. Partidos como PT, PCdoB e PSB têm intensa relação com os movimentos negros, bem como uma secretaria de mulheres em suas estruturas – o que não é por acaso, pois chega um momento em que a Lei de Cotas começa a ser absorvida.”