Edição nº 528

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 28 de maio de 2012 a 10 de junho de 2012 – ANO 2012 – Nº 528

Rumo ao crédito privado

Dissertação identifica a expansão de
mecanismos alternativos de financiamento agrícola no país

 

Com a redução do volume de recursos oficiais destinados ao financiamento agrícola no Brasil, uma das consequências da crise fiscal da década de 1980, novos mecanismos foram criados para atender à crescente demanda do setor. Entre as alternativas surgidas neste contexto está a concessão de crédito por parte de fornecedores de insumos, agroindústrias e tradings diretamente aos produtores. Este novo modelo, que segue em expansão, já é predominante no financiamento da agricultura da região Centro-Oeste, a maior produtora de grãos do país. As constatações fazem parte da pesquisa feita para a dissertação de mestrado do economista Felipe Prince Silva, apresentada recentemente ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O orientador do trabalho foi o professor Pedro Ramos.

De acordo com Silva, os novos mecanismos de custeio da agricultura surgiram da necessidade do setor de buscar opções ao financiamento público, principalmente o oferecido pelo Banco do Brasil. Por causa da crise fiscal, explica o economista, os recursos públicos começaram a minguar. Percebendo a situação, as multinacionais e as empresas nacionais ligadas ao segmento, como exportadoras, beneficiadoras de grãos, fornecedoras de insumos etc, resolveram elas próprias conceder empréstimos aos produtores rurais, como forma de garantir mercado. “Foi uma iniciativa pautada pela necessidade. Se os agricultores não obtivessem financiamento, eles não poderiam produzir. Sem produção, essas empresas não teriam como se manter em atividade”, detalha.

O primeiro modelo estabelecido foi a concessão de financiamento atrelado à comercialização da safra. Ou seja, as empresas privadas começaram a adiantar o dinheiro necessário ao plantio e à colheita, tendo como garantia de pagamento parte da safra. O mecanismo ficou tão conhecido, que passou a ser chamado de “soja verde”, numa associação do grão com o dólar. “A partir dessa experiência, outros instrumentos foram criados. Em 1994, por exemplo, o próprio Banco do Brasil entendeu que teria que criar uma linha de crédito nos mesmos moldes. Assim, a instituição lançou a Cédula de Produto Rural [CPR], que passou a fazer a compra antecipada da safra”, diz o autor da dissertação.

As ações, continua Silva, se concentraram no Centro-Oeste, justamente por ser a região que mais produz grãos no Brasil e onde foi registrada a maior taxa de crescimento da produção a partir da década de 1980. Seguindo a tendência, outros instrumentos foram desenhados, como o denominado de “troca”. Por este mecanismo, as empresas fornecem os insumos aos agricultores, que depois pagam o crédito com parte da produção. “A alternativa foi tão bem recebida que, no início da década de 2000, cerca de 30% da soja produzida no Mato Grosso era negociada através desse mecanismo”, informa o economista. Nesse modelo de financiamento, prevalece uma negociação triangular, que envolve o fornecedor de insumo, o produtor e o comprador de grãos. Assim, o primeiro firma um contrato com o terceiro, com o compromisso de receber sua parte no momento da entrega da safra por parte do segundo.

Inicialmente, diz Silva, esses instrumentos de financiamento eram mais voltados aos grandes produtores. Com o decorrer do tempo, no entanto, eles passaram a ser acessíveis também aos médios e pequenos agricultores. “O interessante é que essa solução não é encontrada em lugar nenhum do mundo. Muitos executivos de multinacionais ligadas ao setor agroindustrial, quando visitam o Brasil, ficam surpresos e se mostram curiosos para saber como essas transações funcionam”, conta o autor da dissertação, que é sócio de uma consultoria de gerenciamento e análise de riscos na área do agronegócio. A despeito de o financiamento agrícola não oficial estar mais fortemente concentrado no Centro-Oeste, assinala o pesquisador, ele começa se espalhar para outras regiões.

No Paraná, por exemplo, as cooperativas de produção e os distribuidores de insumos também passaram a adotar esse sistema. Uma das vantagens dessa alternativa, de acordo com Silva, é que os produtores diminuem o risco proporcionado pela volatilidade do preço das commodities. “No financiamento convencional, o agricultor toma um valor emprestado, tendo por base o preço de momento da soja. Ocorre, porém, que na ocasião de vender a safra, e de pagar o empréstimo, meses depois, pode ser que o preço tenha caído. A consequência, nesse caso, é o prejuízo ou no mínimo uma quebra importante do faturamento. Isso ocorre com menor frequência nos financiamentos alternativos, já que a garantia de pagamento é a própria produção. Se o produtor levantou recursos equivalentes a mil sacas de soja, são as mil sacas que ele vai entregar. O risco econômico é mitigado”.

As vantagens de recorrer ao crédito privado não param por aí, na avaliação de Silva. Ele lembra que o produtor pode contratar até R$ 650 mil junto ao Banco do Brasil, para pagar uma taxa de juros de 6,75% ao ano. Acima disso, a taxa é maior. “Esse é um fator limitante importante. O produtor que tem dois mil hectares para plantar, o que é comum no Cerrado, vai precisar de algo em torno de R$ 2,5 milhões. Ou seja, quatro vezes mais. No financiamento não oficial, não há esse limite. A limitação, nesse caso, é a sua capacidade de produzir. É por isso que os próprios agricultores preferem tomar o empréstimo privado”.

Mas, e as taxas de juros cobradas no financiamento não oficial, compensam? Conforme o economista, embora as taxas sejam superiores às do crédito subsidiado do Banco do Brasil, ainda assim são vantajosas, por conta dos demais benefícios. “O que acontece é que a taxa oficial do Banco do Brasil para crédito de custeio subsidiado é de 6,75%. Na prática, entretanto, às vezes o banco obriga o agricultor a contratar outros serviços, como seguro de vida, título de capitalização etc, para poder ter acesso ao dinheiro. Isso faz com que, no final das contas, a taxa fique entre 10% e 11% ao ano. Atualmente, as fornecedoras de insumos, tradings e beneficiadoras de grãos oferecem taxas na faixa de 14% e 15% ao ano. Isso sem falar que o crédito é disponibilizado sem tanta burocracia”, compara.

Não por acaso, o Banco do Brasil responde atualmente por apenas 8% do financiamento da safra de grãos no Mato Grosso. A situação é diferente no Paraná, onde o crédito não oficial começa a se expandir. Lá, o crédito oficial ainda representa 65% da safra. Questionado se acredita que esses mecanismos alternativos de custeio agrícola ainda crescerão no país, Silva afirma que sim. De acordo com ele, a concorrência representada por esse tipo de opção tem sido positiva para o setor. “Tanto é assim que, mesmo com a redução do crédito oficial, o Brasil ampliou significativamente a sua produção de grãos nas últimas décadas”.

 Uma consequência adicional dessa concorrência, observa o economista, foi a melhoria da gestão por parte do produtor. Segundo Silva, a figura do agricultor desinformado e que não tem acesso a modernas tecnologias está cada vez mais distante da realidade. “Hoje, esse produtor tem muita informação. No momento de contratar um financiamento, ele joga todos os dados na planilha do computador, para saber qual proposta é mais vantajosa”, sustenta. E não há qualquer desvantagem nesses mecanismos alternativos? Na opinião do autor da dissertação, não. “Como disse, considero essa concorrência saudável para o mercado. Alguns críticos são contrários aos modelos de financiamento privado, alegando que eles, ao cobrarem taxas mais elevadas que as do Banco do Brasil, tiram dinheiro do produtor para transferir às multinacionais. Sinceramente, não entendo assim. O BB consegue cobrar taxas menores porque são subsidiadas. Ou seja, o recurso está saindo de algum outro setor de interesse da sociedade”.

Silva também avalia que, em face da expansão do financiamento não oficial, o Banco do Brasil deverá se reposicionar em relação à concessão de crédito para a agricultura. “Alguns analistas consideram que o banco vai voltar suas linhas para os pequenos produtores, que enfrentam mais dificuldades e que têm pouco acesso a equipamentos e técnicas de manejo. Na prática, o BB já começou a mudar. Nas duas últimas safras, por exemplo, a instituição passou a oferecer o seguro de preço para alguns produtores. Ou seja, se o produtor toma empréstimo no momento em que a saca da soja está a R$ 40, mas cai para R$ 30 na ocasião de quitar a dívida, o seguro cobre parte dessa diferença. Trata-se de um movimento na direção do que as empresas privadas já fazem, uma vez que a garantia de preço está naturalmente presente na operação”, analisa.

 

Publicação

Dissertação: “Financiamento da cadeia de grãos no Brasil: o papel das tradings e fornecedores de insumos”
Autor: Felipe Prince Silva
Orientador: Pedro Ramos
Unidade: Instituto de Economia (IE)