Marcelo Knobel

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Marcelo

Quem é

Marcelo Knobel é professor titular do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Unicamp. Pesquisador 1A do CNPq, realiza pesquisas na área de magnetismo e materiais magnéticos, e dedica-se também à divulgação da ciência e da tecnologia, percepção pública da ciência e à Educação Superior. Coordenou o Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) e foi o diretor executivo do Museu Exploratório de Ciências – Unicamp. Foi Membro do Comitê Assessor de Física e Astronomia do CNPq e foi Membro da Coordenação de Área de Física da Fapesp. Foi membro (notório saber) da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), de 2010 a 2016. Foi pró-reitor de Graduação da Unicamp (2009-2013), quando implantou o Programa Interdisciplinar de Educação Superior (ProFIS), que alia um programa de inclusão social com formação geral, pelo qual recebeu o Prêmio Peter Muranyi na área de Educação (2013). Foi diretor (de agosto de 2015 até outubro de 2016) do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM). Confira o seu programa de gestão.

 JU – Como preservar a qualidade do ensino, da pesquisa e dos serviços prestados pela Unicamp à comunidade, principalmente no setor de saúde, num cenário de recessão econômica e restrição orçamentária?

 Marcelo Knobel – Nosso programa visa melhorar a qualidade do ensino, da pesquisa e dos serviços prestados, especialmente na saúde. Ou seja, devemos ir muito além de preservação da qualidade. A proposta completa detalha um conjunto de ações para qualificar o ensino, a pesquisa e a extensão na Universidade. Entre ações e princípios para a realização do nosso programa estão: transparência; rápido diagnóstico para reequacionar a questão orçamentária; parâmetros técnicos, não políticos; redução de despesas com ações estruturantes; busca de mais receitas; reforma curricular; e apoio à pesquisa multi-, inter- e transdisciplinar, por meio de editais específicos e programas voltados às grandes questões da atualidade.

 Tornar a Unicamp uma universidade forte é a melhor resposta que podemos dar para que a sociedade nos veja como um órgão público de extrema relevância social. Considerando que o cenário econômico nacional deverá apresentar melhoras paulatinas no médio prazo, a administração da Universidade deve liderar um amplo movimento de discussão sobre a execução orçamentária, diagnosticando detalhadamente os problemas, construindo diversos cenários, e explicitando claramente as dificuldades para a comunidade interna, com absoluta transparência. Vamos organizar rapidamente uma pauta de discussões para responder, de forma efetiva, com medidas concretas, como vamos reequacionar a questão orçamentária para reduzir gradativamente o déficit, preparando as bases para voltar a crescer. Isto será feito divulgando todos os números do orçamento e da Reserva Estratégica, dando visibilidade e explicações detalhadas. Implantaremos o Portal da Transparência, disponibilizando todos os dados financeiros e orçamentários da Unicamp. Buscaremos equacionar a situação orçamentária com parâmetros técnicos, não políticos. Realizaremos um conjunto de ações estruturantes na gestão para reduzir despesas e estabelecer as bases do crescimento futuro. Buscaremos mais receitas, principalmente para o financiamento necessário da área de saúde pelos governos federal e estadual.

 Há muitas ações que demandam relativamente poucos recursos, e podem ser implantadas de imediato. Entre elas, sugerimos uma ampla discussão na Universidade sobre os currículos de nossos cursos, que possa levar a uma formação mais abrangente e contemporânea, contribuindo para formar cidadãos em condições de participar, como protagonistas, nos destinos de nosso país. A Reitoria será incentivadora deste processo, que deverá favorecer práticas interdisciplinares que integrem o ensino à pesquisa e à extensão, pautando o enfrentamento de problemas reais apresentados pela sociedade, a exemplo do que é feito em algumas das melhores universidades do mundo. Também podemos citar o apoio à pesquisa multi-, inter- e transdisciplinar, através de programas voltados às grandes questões da atualidade, que pela sua inerente complexidade devem ser tratadas por diferentes olhares.

 Acreditamos que assim a Unicamp poderá dar um verdadeiro salto de qualidade na pesquisa. Estes grandes projetos deverão abordar os desafios do mundo contemporâneo com um poder mobilizador e agregador e que nos permitirá focar em projetos de grande alcance social, com estratégias de formação geral e profissional academicamente pertinentes e socialmente inclusivas.

 JU – Com 50 anos já completados, a Unicamp vê uma proporção expressiva de seus docentes e funcionários mais experientes chegarem à aposentadoria. Se a perda da expertise desses profissionais já traria reveses em qualquer circunstância, agora essa movimentação ocorre num momento em que condições econômicas dificultam a reposição de quadros. Como minimizar os danos?

 Marcelo Knobel – Nosso programa traz uma análise aprofundada desta questão tão preocupante, com a responsabilidade de não fazer promessas que não poderão ser cumpridas. Vale ressaltar que essas medidas serão essencialmente de caráter administrativo e de gestão, e não estão previstas quaisquer reduções nos benefícios dos trabalhadores, nem corte no vale-alimentação, nem demissões, nem fechamento de órgãos. Entendemos que a manutenção das atividades-fim da Universidade e a valorização das pessoas que aqui trabalham são fundamentais para a defesa da Unicamp.

 Trataremos o assunto da reposição de quadros procurando estruturar mecanismos adequados e sustentáveis, por meio do desenvolvimento de indicadores, utilizando critérios quantitativos, qualitativos, transparentes e públicos para que, na eventualidade das aposentadorias, não sejam criadas lacunas de conhecimento das atividades. As demandas das unidades e órgãos serão diferenciadas pelas necessidades, a partir de critérios transparentes acordados previamente, e serão discutidas revisões de normas que permitam reposição automática no futuro. Criaremos critérios de eficiência administrativa com desburocratização e informatização de processos, criação de serviços compartilhados, visando reduzir a demanda por reposições. Implantaremos boas práticas da administração pública na definição das estruturas gerenciais e do tamanho dos quadros. Mapearemos os processos de trabalho, iniciando ações de gestão de conhecimento, simplificando as atividades, padronizando informações, desburocratizando e possibilitando processos de trabalho mais transparentes e eficientes.

 Daremos atenção especial à reposição e expansão do corpo docente e de funcionários na graduação, priorizando os cursos novos, os que oferecem disciplinas de serviço, as licenciaturas e as unidades em fase de consolidação, levando em conta as demandas formativas e projetos pedagógicos compatíveis com as exigências da atualidade.

 A necessidade de reposição de quadros precisa ser conduzida dentro da perspectiva da realidade orçamentária. O comprometimento do orçamento com a folha salarial chegou, em 2016, a superar 100% do repasse do ICMS. Ao mesmo tempo em que a situação não permite reposições automáticas, temos aproximadamente 10% dos funcionários e 27% dos docentes recebendo abono permanência, o que implica dizer que poderão se aposentar a qualquer momento. Para eles, a reforma da Previdência pode ser um grande risco, a depender de como for formulada pelo Congresso. Os dados do Anuário Estatístico mostram que a participação da folha de aposentados cresce continuamente, e atingiu em 2015 um percentual de 31,21% da nossa folha de pagamentos. Mesmo se nenhuma aposentadoria fosse reposta, a despesa com pessoal cresceria até 2023. Isso ocorre porque há elementos na composição dos salários que crescem vegetativamente, e porque a maior parte dos quadros da Unicamp é estatutário e permanece em folha após a aposentadoria.

 Repor os quadros de docentes, pesquisadores e funcionários de modo automático hoje é orçamentariamente insustentável. Por outro lado, não repor levará a um colapso das atividades, prejudicando enormemente as atividades-fim. Por isso, seremos extremamente cuidadosos no que se refere à reposição de quadros, pois entendemos que temos a responsabilidade de buscar a sustentabilidade financeira da Universidade sem prejudicar as áreas em situação crítica.

 JU – A má conduta científica é uma preocupação crescente em todo o mundo, pondo em risco a reputação de instituições e, mesmo, países – no ano passado, divulgou-se que 80% dos dados de testes clínicos chineses são falsos, um golpe para a imagem da ciência daquele país. Como tratar essa questão?

Marcelo Knobel – Esta é uma preocupação presente em todas as universidades do mundo. E deve ser nossa também. O assunto deve estar incorporado na prática diária e na formação. Propomos, além da ética na pesquisa, tratar a questão do ponto de vista da ética e da conduta profissional em todas as dimensões. Propomos promover o debate sobre diretrizes de ética e integridade acadêmica e oferecer orientação à comunidade da Unicamp; incorporar, nas disciplinas de todos os cursos, conteúdos relacionados à sustentabilidade, ética e valores humanísticos, para aprimorar a formação dos estudantes e criar, em todos os cursos, formas de orientação de alunos de pós-graduação em ética na pesquisa. Vamos também apoiar e valorizar o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), constituído pelos seus dois comitês (Pesquisa em Seres Humanos e Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais), dando-lhe as adequadas condições de trabalho (espaço físico, apoio e recursos humanos) e uma eficiente estrutura organizacional, através da certificação do órgão. Na área biomédica, vamos apoiar e ampliar a infraestrutura e as atividades de pesquisa experimental que dependem do fornecimento de animais de laboratório, garantindo controle genético, sanitário e de ambiente adequado, assegurando condições ideais para experimentação em estrito respeito à legislação e sob a supervisão da Comissão de Ética em Experimentação Animal (CEUA/Unicamp).

 Criaremos um Comitê de Ética Institucional, que será um grupo multiprofissional que receberá, analisará e encaminhará as diversas manifestações recebidas pela Ouvidoria da Universidade, referentes a conflitos interpessoais, assédio moral e sexual, discriminação de gênero, racial, religiosa e demais posturas inadequadas ou desrespeitosas. Essa instância deverá estabelecer protocolos e treinar pessoal de acordo com as melhores práticas para o acolhimento de relatos, queixas, denúncias, com o objetivo de garantir atendimento rápido, seguro e respeitoso a todos os envolvidos. Em paralelo, vamos trabalhar no desenvolvimento de um Código de Conduta Ética e Profissional, que será formulado e constituído de maneira participativa, e versará sobre os princípios da administração pública, constituindo valioso instrumento de orientação e consulta, com vistas à promoção do respeito mútuo, na construção das boas relações e na adoção de posturas e ações profissionais.

 JU – Também em escala global, a ênfase nas avaliações de qualidade de pesquisa vem se deslocando da mera atenção à produtividade para questões de impacto e relevância. Como a Unicamp deve responder a essa mudança cultural?

 Marcelo Knobel – A produção científica, tecnológica e artística de qualidade será valorizada em todas suas dimensões, respeitando-se os valores e a cultura próprios de cada área. Para tal, propõe-se construir critérios qualitativos pertinentes às diferentes áreas do conhecimento, que permitam compreender o desempenho acadêmico para além das métricas quantitativas.

 É necessário também criar condições para superar certos limites tradicionalmente colocados para o avanço do conhecimento. O incentivo ao desenvolvimento de ações transversais, que apoiem a articulação de competências e da infraestrutura instalada, é fundamental para enfrentar o desafio de oferecer soluções para problemas complexos que exigem a mobilização de conhecimentos de diferentes tipos e naturezas, para contribuir na solução de questões urgentes e importantes para a sociedade. A Unicamp deve continuar a exercer seu protagonismo na inovação, contribuindo com ideias e processos que emanam de suas atividades de ensino e pesquisa e contribuem para a inovação tecnológica em seus diferentes setores.

A parceria com colaboradores externos, por meio de convênios e de outros instrumentos que preservem a missão da universidade pública, será estimulada, em paralelo ao aperfeiçoamento do sistema de gestão, a fim de garantir a necessária agilidade na tramitação dos processos pelas instâncias universitárias. Além disso, todas as áreas devem ser apoiadas no seu esforço para participar dos debates que considerarem mais qualificados, por meio de ações amplas e sustentadas na valorização da produção acadêmica. Entendemos que as áreas têm tradições diferentes, mas todas compartilham o valor primeiro que deve orientar as ações em pesquisa: a excelência acadêmica.

 A avaliação dos docentes e pesquisadores tem que ser pautada pela valorização de todas as atividades necessárias a uma instituição que atua na formação de recursos humanos, na produção de conhecimento e que interage e responde às necessidades da sociedade onde está inserida. Para avaliar de modo adequado a atividade acadêmica, por exemplo, é preciso ter um bom registro das suas atividades, passo importante que já foi dado com a implantação de um único repositório de produção acadêmica.

 Embora a pesquisa constitua um dos eixos das atividades, entendemos que é preciso ponderar o seu peso na avaliação, atendendo às especificidades das áreas de atuação e às preferências pessoais. A avaliação deve, dessa forma, refletir a indissociabilidade de pesquisa, ensino e extensão, valorizando as três áreas de forma mais equilibrada, pois só dessa forma se obtém uma avaliação mais qualitativa do que quantitativa e se evita que o padrão adequado a uma dada área seja estendido às demais. Soma-se a essa avaliação geral, a dimensão da gestão universitária como uma esfera importante de atuação, que necessita, igualmente, ser considerada no conjunto da avaliação de desempenho, pois os docentes que se dedicam aos cargos na Universidade muitas vezes acabam penalizados devido à sobrecarga de trabalho.

 A contribuição dos funcionários que apoiam as atividades-fim também é um aspecto fundamental do trabalho desenvolvido na Universidade. Sua participação e seu engajamento serão reconhecidos e estimulados, contribuindo para a construção de ambientes de trabalho seguros, instigantes e que apoiem o desenvolvimento profissional.

 JU – Qual deve ser o papel do reitor frente a situações de conflito na comunidade interna, como a ocupação da reitoria e as desavenças entre docentes e estudantes que ocorreram em 2016?

Marcelo Knobel – A Unicamp vivenciou em 2016 um cenário complexo de conflitos internos que não podem ser minimizados ou tidos como resolvidos. Além dos desafios de natureza orçamentária, portanto, a próxima administração terá que lidar com o clima tenso ainda presente na Universidade. Os efeitos dessa tensão não foram devidamente compreendidos nem enfrentados pela atual gestão, gerando, em parcela significativa da comunidade, uma sensação de falta de governança, de abandono, de falta de capacidade de mediação e de estímulos para a boa convivência nos campi, e de falta de reconhecimento da importância da missão da Universidade.

 Por isso mesmo, é urgente restabelecer o clima de tranquilidade para as atividades acadêmicas e de normalidade nas relações interpessoais na Universidade. Para isto é necessário enfrentar com determinação as crises financeira e política na sua profundidade, suas dimensões internas e externas e seus horizontes de solução no curto, médio e longo prazo. O reitor tem que ser a liderança a coordenar o processo de reconstrução das relações interpessoais e recuperar, com a serenidade necessária, um ambiente acadêmico marcado pelo respeito mútuo entre estudantes, docentes, funcionários e gestores. Para isso, o diálogo tem de ser permanente, efetivo, franco e honesto, rejeitando qualquer tipo de jogo de aparências, e sobretudo tem de se basear nos princípios fundamentais de respeito à pluralidade de ideias que devem prevalecer em uma instituição como a Unicamp.

 A reconstrução do ambiente universitário sereno exigirá, portanto, novas e efetivas ações que valorizem o debate genuíno e democrático, com envolvimento e participação de todos, sobre os múltiplos assuntos da pauta política e acadêmica, preservando e visando sempre tornar ainda melhores as atividades de ensino, extensão e pesquisa, que constituem nossa função e bem mais precioso.

 Garantimos que na nossa gestão não haverá espaço para decisões monocráticas. Queremos construir uma Unicamp que seja um espaço de debate contínuo e profícuo, de alto nível, que a qualifique para seu contínuo desenvolvimento.

  JU – A relação recente do governo do Estado com a comunidade acadêmica tem sido tumultuada, com declarações do governador questionando pesquisas supostamente “inúteis” financiadas com dinheiro público e, já neste ano, pelo corte no orçamento da Fapesp. Como, em sua visão, a Reitoria deve se portar diante de um chefe do Executivo talvez indiferente ao ensino superior público?

 Marcelo Knobel – De fato, houve nos últimos anos um afastamento entre as lideranças universitárias e o governo estadual. Buscaremos um diálogo franco com o governo, solicitando que compromissos assumidos sejam respeitados e que iniciativas do próprio governo, que diminuíram o repasse para as Universidades, sejam reavaliadas. Há também, no caso da Unicamp, um afastamento em relação aos outros governos, municipal e federal. Isto precisa ser revertido, e requererá a reconstrução de uma relação de confiança mútua. Esse diálogo deve, necessariamente, ser articulado com as lideranças políticas e grupos da sociedade civil das macrorregiões onde a Unicamp tem campi, e do país como um todo. Recompor a imagem da Universidade, por meio da demonstração da sua importância e da qualidade do trabalho que aqui se faz, nos parece prioritário. E a isso dedicaremos grande atenção e esforço, por meio de um conjunto de ações de comunicação e de divulgação que serão parte importante da interlocução com a sociedade.

 Há um conjunto de assuntos relevantes para a vida universitária que passa necessariamente pela interlocução com os governos, dentre os quais destacamos os relacionados com a área de saúde, que vem sendo sistematicamente subfinanciada. Sua importância para a sociedade regional é imensa, pois presta atendimento da melhor qualidade a uma população desassistida. Como é uma área que já representa parte substancial dos recursos do orçamento da Unicamp, a saúde tem fortes restrições ao seu pleno desenvolvimento. A articulação entre governos municipais atendidos deverá sensibilizar os governos estadual e federal a aportar recursos adicionais aos nossos hospitais. Sem um novo e substancial aporte de recursos, de caráter permanente, que permita um melhor financiamento da área de saúde da Unicamp, teremos imensos problemas no futuro, pois os hospitais precisam de uma ampla melhoria em suas instalações.

 Da mesma forma, o desenvolvimento do campus II de Limeira necessita de aportes adicionais. Mostrar ao governo estadual a transformação que ocorreu em Limeira pela implantação do novo campus poderá sensibilizar o governo a resolver esta questão, ainda pendente. Há também alguns repasses que devem ser negociados com o governo estadual, vinculados ao programa Nota Fiscal Paulista, redução do serviço da dívida do Estado com a União e a participação estadual na repatriação de capitais, por exemplo. O teto salarial, que compromete o pleno desenvolvimento da carreira docente, é outro assunto que depende da interlocução com o governo estadual e com a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

 Portanto, cabe à futura Reitoria rearticular o diálogo com os governos, de modo autônomo, apartidário, criando as condições para participar de modo proativo no desenvolvimento regional e nacional. Há diversos programas que podem alavancar parcerias estratégicas com governos. A Unicamp tem projetos, por exemplo, na área educacional que podem interferir positivamente na qualidade do ensino no Estado, na formação de professores, onde podemos ser protagonistas. Outro exemplo é a discussão do plano diretor da nova área do campus de Barão Geraldo. Localizada em um polo de desenvolvimento, pode servir como um vetor que orientará o desenvolvimento regional. Discutir com a comunidade e com os governos um plano de longo prazo é uma tarefa a que o novo reitor da Unicamp não poderá se furtar.

JU – O discurso institucional tem pontuado a interação com a sociedade como uma das marcas históricas da Unicamp. Entretanto, persistem as críticas segundo as quais a Universidade mantém-se distante da comunidade e insensível à opinião pública, principalmente no que diz respeito a temas polêmicos. Como responder a estas críticas?

Marcelo Knobel – Neste momento de crise, a sociedade precisa defender, mais do que nunca, a Universidade pública, com autonomia, gratuita, de qualidade e com uma inserção que atenda às exigências das transformações acadêmicas, científicas, tecnológicas, sociais e culturais de nossos dias. Mas a gestão institucional, acadêmica e financeira destas Universidades precisa estar fortemente comprometida com os diferentes setores da sociedade. Elas devem ser instituições líderes na formação de profissionais críticos, criativos e proativos, capazes de contribuir com a construção de uma sociedade mais justa, menos desigual, mais democrática. Devem assumir seu papel como universidades contemporâneas fundamentadas na excelência acadêmica, repensando o papel da graduação, da pós-graduação e da pesquisa neste novo milênio, e sobre a atuação da extensão na construção de uma parceria efetiva e mais abrangente com a sociedade.

 A universidade pública deve ampliar a interação com a sociedade em múltiplas dimensões. A Unicamp tem uma incrível capacidade instalada que permite pesquisar, discutir e propor soluções, seja para o desenvolvimento sustentável do Brasil e do mundo, seja para atacar problemas emergenciais. Vivemos uma trajetória de colapso social e ambiental, com mudanças climáticas e declínio da biodiversidade, transformações demográficas profundas, guerras, refugiados, violência urbana, epidemias. Esses problemas e suas graves consequências influenciam-se mutuamente, e as respostas acadêmicas e políticas a eles têm sido lentas e deficientes. É importantíssimo que a universidade do século XXI aborde essas questões como prioridade, e que discussões e pesquisas interdisciplinares apoiem as ações efetivas requeridas para solucioná-las.

 O avanço nesses grandes temas deve se alinhar com outras demandas da Universidade, como formação de professores para o ensino fundamental e médio; atividades de divulgação científica e cultural; atendimento na área de saúde; inovação e empreendedorismo; atividades culturais e esportivas; comunicação integrada, entre outras. Além de serem relevantes e urgentes, estes grandes assuntos têm enorme alcance social. Do ponto de vista interno, é imperativo modernizar a gestão das universidades públicas, com mecanismos internos de controle e acompanhamento da execução do orçamento, que permitam que as decisões compartilhadas, transparentes e consistentes estejam alinhadas com a realidade econômica e com a priorização de projetos de maior impacto e relevância. É fundamental que a ação simultânea em todas essas frentes seja orientada pelo compromisso mais amplo com a sociedade, que deposita confiança e esperança na universidade pública.

 A sociedade exige que a universidade pública, neste momento de grandes desafios sociais, econômicos e culturais, seja mais dinâmica e inovadora, e que tenha responsabilidade com um projeto institucional e acadêmico em um mundo em constante transformação. A verdadeira defesa da universidade pública e de qualidade se faz através do estabelecimento de uma gestão sólida e responsável, que entregue os elementos essenciais que possibilitem o real desenvolvimento de nossa sociedade.

 JU – Como serão tratadas as reivindicações salariais que surgirão neste ano?

 Marcelo Knobel – A reivindicação salarial será uma questão delicada, já que a atual administração propôs um orçamento deficitário e sem nenhum recurso na rubrica de reposição salarial para este ano. É importante ainda destacar que a data-base acontece no mês de maio e a próxima administração tomará posse em 19 de abril.

A atual Administração também não apresentou ao Consu uma análise de outros cenários possíveis de crescimento econômico e de inflação, que poderiam parametrizar os limites inferiores e superiores da arrecadação. Isso permitiria analisar melhor a viabilidade de o orçamento proposto se efetivar. Por exemplo, há revisões dos parâmetros econômicos realizados ao longo do segundo semestre de 2016 e, portanto, conhecidas da Administração da Unicamp. Essas revisões sugerem para 2017 uma inflação de 5% e um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,7% – números bastante diferentes daqueles que a Assessoria de Economia e Planejamento (Aeplan) usou como base. Com estes novos parâmetros, pode-se estimar uma frustração de receitas de R$ 36,82 milhões no orçamento aprovado, o que elevaria o déficit do orçamento para R$ 158,8 milhões.

 Outro dado a considerar é que a Secretaria da Fazenda publicou, em 6 de janeiro, o decreto nº 62.413, que contingencia o orçamento-2017 da Unicamp em R$ 38 milhões. O déficit estimado, portanto, pode ainda crescer, seja pela frustração de receitas, seja pelo aumento das despesas, ou ambos. Por outro lado, já há uma expectativa de melhoria do cenário econômico para 2018, mas que evidentemente depende muito da situação política interna e externa, bem como da economia mundial. Assim, é fundamental estabelecer as bases para uma melhoria efetiva da situação salarial, recomposição de quadros e da recuperação das reservas, assim que a crise econômica arrefecer.

 Entender a situação orçamentária na sua profundidade permite separar os componentes externos e os internos da crise, permitindo que a Universidade planeje suas ações adequadamente. Realizar diagnósticos detalhados, aceitar a realidade e desenvolver estratégias para diferentes cenários é o único caminho para promover a sustentabilidade orçamentária da Universidade.

 Assim, mesmo sem conhecer os números exatos, sabemos que 2017 será um ano muito difícil. Vamos sempre trabalhar com análise aprofundada e com a responsabilidade de não fazer promessas que não poderão ser cumpridas. Estaremos prontos ao diálogo aberto e franco, e reiteramos, aqui, a importância de abrir completamente as contas da Universidade, através do Portal da Transparência que pretendemos criar. Através deste portal a sociedade terá conhecimento da real situação orçamentária da Unicamp. Nosso programa de gestão também estabelece que todas as medidas que tenham impacto orçamentário serão submetidas ao Conselho Universitário.

 Sabemos que há expectativas por parte dos trabalhadores relacionadas à recomposição salarial. Entretanto, frente à profunda crise financeira que nos encontramos, vamos primeiramente garantir os benefícios já conquistados, tais como o vale-alimentação, transporte subsidiado, refeição subsidiada, creche, auxílio criança e outros benefícios espontâneos. Ressaltamos que a manutenção destes benefícios e a valorização das pessoas que aqui trabalham são fundamentais para a defesa da Unicamp neste momento tão crítico.

 JU – Em sua opinião, os programas de inclusão social existentes hoje na Universidade são adequados? O que pode ser feito para avançar nessa área?

 Marcelo Knobel – Nosso programa de gestão aborda o tema da inclusão em seus múltiplos aspectos e não apenas no de inclusão social. O conceito de inclusão também está presente em nossa responsabilidade institucional, ações afirmativas, inclusão social e inclusão de deficientes. E tratamos também da questão dos refugiados, assunto que não pode ser ignorado pela sociedade contemporânea.

 Temos a convicção de que, por ser uma universidade pública e, portanto, comprometida com o princípio de justiça social, os diferentes grupos da sociedade devem estar aqui representados, tendo acesso a uma formação de qualidade.

 Especificamente no que diz respeito ao ingresso nos cursos de graduação, verificam-se fortes desigualdades de chances determinadas pela origem social, étnico-racial ou, em termos estritamente escolares, pelo requisito de conhecimentos que não são assegurados em geral pela educação básica. Atualmente, a Unicamp possui programas de inclusão múltiplos e inovadores, como o apoio a cursinhos populares, o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS) e o ProFIS.

 Entretanto, é preciso inovar, aprofundando a experiência. O cursinho popular e o PAAIS são programas que levam ao ingresso por meio do vestibular e, portanto, mantêm o principal vetor da elitização do acesso ao ensino superior, o próprio vestibular. Diferentemente deles, o ProFIS – implantado na gestão de Marcelo Knobel na Pró-Reitoria de Graduação – é um processo alternativo e amplia as oportunidades de acesso à Universidade para pessoas que não as teriam pela via tradicional. Vamos avaliar a possibilidade de expansão e aprimoramento do ProFIS para a Região Metropolitana de Campinas, para a região de Limeira e de Piracicaba.

 Nosso programa prevê políticas de inclusão sistemáticas que articulem três eixos de ação: o Acesso à Universidade, a Permanência e o Desenvolvimento Acadêmico. Outros mecanismos de acesso, além da nota no vestibular, também têm sido propostos e serão amplamente debatidos, como os que utilizam a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), além da implantação de cotas étnico-raciais.

 É importante ressaltar que a real inclusão social demanda não apenas tratar do acesso, mas também da permanência estudantil. Na Unicamp, ela se materializa pela oferta de um conjunto de ações que incluem moradia estudantil, alimentação subsidiada ou gratuita, bolsas, transporte subsidiado e gratuito, serviços médicos e odontológicos, assistência psicológica e psiquiátrica. Todas essas ofertas serão mantidas e aprimoradas. Propomos criar a Comissão Permanente de Ações Afirmativas e Inclusão Social, para avaliar continuamente a efetividade dos programas. Vamos assegurar a expansão da Moradia. No que se refere ao desenvolvimento acadêmico, proporemos procedimentos de acompanhamento dos dados para cada curso.

 Além da inclusão no âmbito da graduação, nosso programa abordará o assunto da inclusão social e étnico-racial nos concursos para funcionários, encaminhando à CAD a proposta de instituir e implementar cotas étnico-raciais nos concursos públicos da Unicamp.

No que diz respeito à inclusão de pessoas com deficiência no ambiente universitário, daremos total apoio às atividades existentes. Vamos rever as formas de atendimento aos estudantes portadores de deficiência e criar o Núcleo de Acessibilidade às Pessoas com Deficiência da Unicamp (Incluir), entre outras ações.

A mensagem do candidato

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