Edição nº 656

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 16 de maio de 2016 a 29 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 656

Ciência que sobe ao pódio

Pesquisas da FEF contribuem para o desenvolvimento
de modalidades olímpicas e paralímpicas

Graças às contribuições da ciência, o lema olímpico “mais rápido, mais alto e mais forte” transformou-se em vaticínio. O conhecimento gerado pelas pesquisas científicas tem sido aplicado, entre outros aspectos, para qualificar comissões técnicas e aperfeiçoar treinamentos de atletas, situação que tem permitido a quebra constante de marcas, em diferentes modalidades esportivas. No Brasil, a Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp tem tradição na realização de estudos aplicados ao esporte, notadamente o olímpico e paralímpico. Não à toa, uma delegação com dezenas de integrantes da FEF, formada por professores, pesquisadores e estudantes, estará presente nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro, que ocorrerão entre os dias 5 de agosto e 18 de setembro.

De acordo com o professor Marco A. C. Bortoleto, não é possível precisar quantos membros da Faculdade atuarão nos dois eventos. “Algumas pessoas estarão envolvidas com atividades diretamente ligadas às competições, enquanto outras trabalharão como voluntárias em áreas de apoio”, complementa. Essa participação expressiva, diz o docente, reflete em boa medida a trajetória da FEF, que completou recentemente 30 anos. “A Faculdade tem tradição em colaborar com o desenvolvimento do esporte de alto rendimento no país. Nos últimos 15 anos, a aproximação entre universidade e clubes, federações e confederações tem se intensificado. Entretanto, acreditamos que ainda há muito espaço para parcerias”, considera.

A colaboração da FEF para o desenvolvimento do esporte brasileiro pode ser mais claramente percebida nas modalidades paraolímpicas, como destaca o professor José Irineu Gorla. Segundo ele, o Comitê Paralímpico Brasileiro foi criado em 1995. Paralelamente, foi criado o Departamento de Estudos da Atividade Física Adaptada (DEAFA). “Como o esporte paralímpico era uma experiência nova, nós ajudamos a consolidá-lo. Nestas duas décadas, temos usado o conhecimento gerado pelas nossas pesquisas para ajudar no desenvolvimento de diversas modalidades. Não por outra razão, 80% das pessoas que trabalham hoje no Comitê Paralímpico passaram pelas salas de aula e laboratórios da FEF”, informa.

A contribuição citada por Gorla tem reflexo direto nos resultados obtidos pelo Brasil nas Paralímpiadas. Atualmente, o país é a sétima potência mundial. A meta é encerrar os Jogos Paralímpicos do Rio na quinta colocação. “Não é um objetivo fácil de ser atingido, mas vamos batalhar por isso”. O grupo de pesquisa coordenado pelo docente tem contribuído, nos últimos dois anos e meio, com a avaliação do Futebol de 7, que é praticado por atletas com paralisia cerebral.

Vários dos orientandos de mestrado e doutorado de Gorla estão envolvidos na preparação e na classificação funcional dos atletas paralímpicos. “Como cada atleta tem um nível de deficiência causado pela paralisia cerebral, nós usamos evidências científicas para classificá-los em diferentes categorias”, esclarece. Mais recentemente, os pesquisadores também têm ajudado no desenvolvimento da Bocha Paralímpica, modalidade que aparece bem posicionada no quadro de medalhas conquistadas pelo Brasil.

Na Bocha Paralímpica, informa Gorla, também existem diversas categorias, visto que há atletas com diferentes tipos de limitações. “Alguns jogam utilizando a cabeça e outros, com os pés. Temos que pensar em tipos de treinamentos voltados às especificidades de cada atleta”, diz. O grupo coordenado pelo professor João Paulo Borin também tem oferecido suporte ao esporte paralímpico, mais especificamente ao Futebol de 5, praticado por atletas com deficiência visual.

O trabalho feito pelos pesquisadores é semelhante ao que realizam com a Seleção Brasileira de Basquete Feminino, que disputará os Jogos Olímpicos. As atividades, desenvolvidas conjuntamente com a equipe do professor Paulo Cesar Montagner, procuram compreender tanto os conteúdos dos treinamentos quanto a relação entre o estímulo e a recuperação dos atletas. “Nós monitoramos tudo durante o treino: deslocamento, salto etc. Depois, quantificamos esse movimento e quantificamos também qual é o período de recuperação física dos atletas até o próximo estímulo. Essas abordagens contribuem para aprimorar o treinamento e também para evitar eventuais lesões nos atletas”, pormenoriza Borin.

Tanto ele quanto Bortoleto entendem que embora a relação da ciência com o esporte olímpico seja positiva, ela ainda não atingiu o mesmo estágio da colaboração entre academia e esporte paralímpico. “O esporte tradicional é praticado há muito mais tempo e carrega alguns mitos e crenças que são difíceis de serem superados. A relação entre pesquisadores e treinadores, por exemplo, sempre carrega algum nível de tensão, visto que a nossa missão é identificar eventuais falhas e propor soluções. Nós entendemos que não é fácil para um treinador que já formou vários campeões ter que admitir, eventualmente, que seus métodos estão ultrapassados”, pondera Borin.

Esse tipo de diagnóstico, segundo a professora Laurita Marconi Schiavon, ocorre com certa frequência, inclusive em modalidades com bastante tradição no cenário olímpico, como a ginástica artística. “Ainda hoje há técnicos que impedem as atletas de beberem água nos treinamentos, sob a alegação de que elas engordariam. Está cientificamente comprovado que isso não corresponde à realidade. Aliás, o consumo reduzido de água traz prejuízos ao rendimento das atletas. Como elas costumam ingerir doses extras de cálcio devido a fraturas por estresse e bebem pouca água, é comum que desenvolvam cálculos renais”, exemplifica.

O mais importante na relação entre cientistas, dirigentes e integrantes de comissões técnicas, pontuam os professores da FEF, é que haja a compreensão mútua de que todos têm o mesmo objetivo, ou seja, promover o avanço do esporte de alto rendimento no país. “É preciso ficar claro que nós da academia não queremos tirar o lugar de ninguém. Nosso trabalho consiste em desenvolver estudos que contribuam tanto para a formação de recursos humanos qualificados quanto para o aprimoramento da prática esportiva”, sentencia Bortoleto.

De acordo com ele, a despeito desse tipo de dificuldade, o diálogo entre as partes segue avançando. “A tendência é que a cooperação cresça, dado que é o tipo de parceria que proporciona ganhos para todos os envolvidos”. Tanto Bortoleto quanto Laurita desenvolvem pesquisas relacionadas à ginástica artística. Nos Jogos do Rio, eles comporão a equipe que organizará as competições das três modalidades da ginástica: artística, rítmica e de trampolim.

Bortoleto, que é membro de um dos comitês técnicos da Federação Internacional de Ginástica, atuará como responsável pelos árbitros e especialistas que trabalharão durante as competições. “Se houver algum problema com nota ou julgamento, por exemplo, eu serei o responsável pela medição”. Já Laurita, que também é árbitra internacional de ginástica artística, vai atuar diretamente na equipe de resultados e de possíveis pedidos de revisão das notas dos ginastas durante a competição. “Somente a ginástica movimentará 1.200 pessoas, entre atletas, treinadores e equipes médicas, de 74 países. Vamos ter bastante trabalho”, diverte-se Bortoleto.

Os docentes da FEF são unânimes em afirmar que um dos fatores que fizeram com que alguns países se transformassem em grandes potências esportivas é justamente o aproveitamento dos conhecimentos gerados pela ciência nas áreas de gestão, organização e treinamento esportivos. “Não tenho a menor dúvida de que o Brasil ainda não está entre essas grandes potências porque não conseguiu disseminar a interação entre esporte e ciência”, analisa Borin.

O docente acredita que uma boa maneira de incrementar essa relação e ampliar os resultados seria cada universidade que mantém linhas de pesquisa na área da educação física trabalhar junto a duas ou três modalidades. “Isso proporcionaria um grande avanço. Vale lembrar que precisamos abandonar a ideia de que temos que ser campeões em tudo. A segunda colocação ou uma boa classificação também são importantes. Temos que entender o avanço do esporte como um processo. É preciso compreender, ainda, que numa competição podemos ser derrotados simplesmente porque o adversário foi melhor”, diz.

Além dos quatro docentes e seus orientandos, a equipe coordenada pelo professor Júlio Gavião também estará no Rio, atuando mais especificamente nas Paralimpíadas, assim como muitos outros graduandos, pós-graduandos e ex-alunos da FEF. “Isso mostra que a Unicamp estará muito bem representada nesse que é um dos mais importantes eventos esportivos e econômicos do calendário internacional”, afirma Bortoleto.