Edição nº 653

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de abril de 2016 a 01 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 653

Pesquisa aprova sensor para
medidas de atividade de água

Autora de dissertação testou novo equipamento
em 32 amostras de alimentos diferentes

A atividade de água (Aw) é uma medida diferente da umidade presente nos alimentos e está estritamente relacionada à velocidade das reações, inclusive aquelas que podem levar à deterioração dos alimentos. Em geral, a indústria de alimentos controla esse parâmetro para definir a vida de prateleira e para garantir características como textura dos produtos. Várias reações dentro dos alimentos dependem deste valor de atividade de água, independentemente da umidade que o alimento possua.

Estudo de mestrado realizado na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) apontou que um novo equipamento, um sensor, pode ser usado com vantagens para fazer medidas rápidas de atividade de água na indústria – baseado em um modelo de ondas acústicas superficiais (SAW). O uso do sensor de SAW para medidas de atividade de água é inédito no mundo e foi desenvolvido pelo Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer, em Campinas.

A autora da dissertação, Ana Valéria Ulhano Braga, comparou suas medidas com equipamentos convencionais do mercado, como o Decagon, um dos mais utilizados. Avaliou 32 amostras de alimentos diferentes, entre eles frutas, biscoitos, produtos embutidos, grãos, alimentos processados, alimentos secos e bebidas. “Toda essa variedade de alimentos foi testada para demonstrar que essa ferramenta é aplicável a todas as faixas de atividade de água”, expôs.

O ponto alto da pesquisa foi a comprovação de que o tempo de medida de Aw com o sensor de SAW foi de apenas 27 segundos em média, contra 4,55 minutos do equipamento comercial. O novo sensor foi 11 vezes mais rápido que o Decagon e permitiu monitorar o processo de liberação de moléculas de água das amostras em tempo real.

Além disso, outro atrativo foi o preço de fabricação do sensor de SAW – algo em torno de US$ 20,00, ou seja, cerca de 500 vezes inferior ao custo do equipamento comercial mais usual, com valor muito próximo de US$ 10,8 mil. “É claro que terá que ser considerado o valor agregado. Não se trata aqui do custo final direto ao consumidor”, ressalvou.

O novo sensor mostrou viabilidade para ir à escala comercial em uma próxima etapa, tanto para ser levado para a indústria como para laboratórios. O CTI Renato Archer, que desenvolve sensores baseados em filmes sensíveis nanoestruturados, em breve deve estabelecer parceria com empresas interessadas e, desde já, está aberto a diálogos nessa direção.

Diante desses resultados, a mestranda também propôs o uso do sensor de SAW para a indústria de alimentos principalmente porque, com alguns equipamentos comerciais, é preciso tirar uma amostra para fazer a medida de Aw, ao passo que o novo equipamento propõe um uso já incorporado ao processo.

Funcionamento

Como os equipamentos de medição de Aw do mercado têm um tempo de resposta demorado, relatou a autora, isso dificulta a sua aplicação em empresas de alimentos, de cosméticos, de papel e indústria farmacêutica. Mas, com os bons resultados que obteve neste trabalho, Ana Valéria procurou validar o novo equipamento pelo fato de ter atingido um tempo de medida muito mais rápido e com baixo custo.

Em laboratório, ela obtinha os alimentos em temperatura ambiente, cortava-os em pedaços pequenos totalizando 4 gramas ou, para alimentos líquidos (como as bebidas avaliadas), a medida de 4 ml. Durante a análise, Ana Valéria colocava o alimento dentro de um recipiente plástico fechado. Testava a atividade de água deixando o alimento exposto ao sensor localizado na tampa do recipiente. Tratava os dados, extraía os parâmetros e caracterizava o tempo de medida. Depois, comparava esse tempo e o valor do resultado para verificar se eram ou não compatíveis com os dados do Decagon.

A pesquisadora explicou que, quando se coloca a amostra de alimento em um ambiente fechado, exposto ao sensor, as moléculas de água saem do alimento e criam ligações com o filme sensível do óxido de grafeno. Daí elas mudam a sua densidade, que é proporcional ao valor da quantidade de água que evaporou do alimento, e vão modificando a frequência e registrando uma curva no computador. “Eu tratava a curva para gerar o valor de atividade de água e extraía parâmetros como velocidade, que pode ser empregado no futuro para prever as condições do alimento”, assinalou.

O interessante é que os equipamentos comerciais fornecem um valor final da atividade de água, mas o sensor de SAW acompanha segundo a segundo o valor de atividade de água do alimento, o que traz também uma nova proposta para a indústria de fazer o acompanhamento do processo e avaliação de como o alimento libera a água. Isso propicia a avaliação da qualidade do alimento, dos processos que passaram através da medida da velocidade de liberação da água.

Conforme Ana Valéria, ainda faltam alguns incrementos para esse sensor que tem um filme fino de grafeno na sua superfície. Só que a precisão encontrada foi mais que 0,03, que é ligeiramente maior do que a dos equipamentos comerciais de atividade de água (0,02). “É pouca diferença, ainda mais considerando que a escala é de 0-1. Então 0,03 é um valor relativamente baixo”, argumentou. “Creio que, melhorando o processo de fabricação e deposição do filme fino, a precisão será até superior à dos equipamentos comerciais.”

Aplicações

A mestranda comentou que a medida de atividade de água já é bem estabelecida na indústria de alimentos, sobretudo para prever estabilidade de um alimento em sua vida de prateleira, visto que ela é relacionada à velocidade de reações microbiológicas, químicas e físicas do alimento. “Existem valores conhecidos de atividade de água em que o alimento deve ser deixado para se manter química e microbiologicamente seguro para consumo. Cada microrganismo e cada reação química ocorrem em uma faixa determinada de Aw”, revelou.

Na indústria cosmética e na indústria farmacêutica, o equipamento normalmente pode ser indicado para prever estabilidade, porque os produtos, para serem colocados no mercado, têm que ser conservados até o prazo de validade. Então o alimento é embalado, vai para o mercado e tem uma quantidade de água ideal. Se ultrapassá-la, vai estragar antes de vencer a sua validade. “As indústrias devem controlar esse parâmetro a cada lote para que o alimento se mantenha sempre seguro”, atentou Ana Valéria.

O seu trabalho – sobre validação do equipamento para atividade de água na indústria de alimentos – foi desenvolvido na linha de pesquisa de Frutas, Hortaliças e Bebidas da FEA, orientado pelo professor Flávio Luís Schmidt e coorientado pelo pesquisador Serguei Balachov na Divisão de Microssistemas do CTI Renato Archer.

A relevância maior de validar esse equipamento para a indústria está no seu custo acessível e na resposta mais rápida, porque hoje em dia é usada a medida indireta da atividade de água. Então a aplicação da medida direta ajuda a prever a estabilidade dos alimentos, sem dizer que muitas indústrias terceirizam esse serviço por causa do seu elevado custo.

O novo dispositivo tem um preço mais baixo porque a intenção é que ele seja um sensor portátil e não tenha visor (o visor encarece o equipamento). Poderá ser acoplado através de uma saída USB a um computador ou tablet, onde serão lidos os resultados. Essas ferramentas já estão popularizadas no país. “No futuro, os equipamentos comerciais poderão ter uma estrutura de calibração pronta e, dependendo do valor de frequência, estarão aptos a dar o valor final da atividade de água”, constatou Ana Valéria, que é graduada em Biologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Publicação

Dissertação: “Caracterização de atividade de água e cinética de dessorção de água em alimentos”
Autora: Ana Valéria Ilhano Braga
Orientador: Flávio Luís Schmidt
Coorientador: Serguei Balachov
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)