Edição nº 653

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de abril de 2016 a 01 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 653

Docente traduz ferramenta do MIT
para criação de aplicativos

Interface gráfica pode ser usada por pessoas
sem experiência em programação

O professor e pesquisador Eduardo Valle da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, atual coordenador de graduação do curso de Engenharia da Computação, completou, no início do ano, a tradução para o português da ferramenta de criação de aplicativos para celulares MIT App Inventor, disponibilizada gratuitamente na internet pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Por meio do App Inventor, pessoas sem experiência em programação podem criar aplicativos para celulares da plataforma Android. Essa versão traduzida já está online, no site oficial https://appinventor.mit.edu/explore/.

A interface gráfica do MIT App Inventor permite ao usuário usar o mouse para arrastar-e-soltar os componentes do aplicativo, comandos e funções. Os componentes são posicionados diretamente na tela de celular, e os comandos e funções são formados por uma linguagem visual que lembra peças de um quebra-cabeça. A linguagem facilita a vida dos iniciantes: por exemplo, é impossível encadear os comandos de forma inválida, porque as pecinhas não se “encaixam”.

“A facilidade da linguagem de programação visual trouxe essa potencialidade, de abrir a criação de aplicativos para um público não especialista, um público leigo”, disse Valle. “Você tem, essencialmente, uma paleta de componentes, que podem ser uma caixa de texto, um botão, uma barra de rolagem... O primeiro passo é o desenho gráfico da tela, como eu quero que ela se organize. Você pega os elementos desejados – por exemplo, uma caixa de senha e um botão – e arrasta para a tela do celular. Em seguida vem a programação, dizendo, por exemplo, que quando o usuário clicar no botão, eu quero validar a senha”, exemplificou.

O docente diz que o sistema do MIT “é muito simpático”, e estimula interesse e curiosidade que poderão levar a estudos mais avançados.

“Eu vejo o App Inventor como uma porta de entrada: depois de um certo avanço, a pessoa vai sentir a necessidade de outras linguagens mais profissionais. O App Inventor torna as coisas muito fáceis, é bem diferente de uma linguagem de programação convencional, em que o programa é escrito de forma textual e depois passa por um compilador que aponta os erros – e aí aparece uma tela cheia de mensagens confusas, difíceis de interpretar: se faltou um ponto-e-vírgula na linha cinco, por exemplo, estoura um aviso de erro na linha oito ”.

Valle afirma que com o App Inventor é possível fazer muito bom uso dos recursos instalados pelo fabricante no celular.  “É uma linguagem bastante poderosa. Ela abre muita coisa no telefone, todos os sensores, como o sensor de orientação, acelerômetros, giroscópio, GPS, leitor de código de barras”, exemplifica. “O único senão é que a linguagem gráfica, ao mesmo tempo em que é fácil de usar, não é conveniente para escrever programas longos”.

Diversidade

A ideia de produzir uma versão em português do MIT App Inventor nasceu de uma experiência de docentes da FEEC e do Instituto de Computação (IC) em ensinar programação para jovens alunas de escolas públicas de ensino médio de Campinas. O sistema do MIT foi usado nesse trabalho, mas na época ele só existia em inglês.

“Várias de minhas colegas e alunas promoveram iniciativas de ensino de programação para meninas”, disse ele. “E isso é numa coisa em que estou muito interessado, é um assunto em que estou sempre muito envolvido: a questão da diversidade dentro da Engenharia de Computação. Temos um curso com problemas de diversidade em todos os níveis, e fico batendo muito nessa tecla, sempre. Aos poucos, estamos conseguindo nos tornar uma escola mais diversa, sobretudo nessa questão do gênero”.

Em 2014, a professora Juliana Freitag Borin, do IC, coordenou o “Android Smart Girls”, um programa para estimular meninas do ensino médio a considerar a possibilidade de se dedicarem a carreiras de ciências exatas, engenharias e computação. “Isso foi um piloto muito importante, porque nos abriu a cabeça para diversos desafios e diversas potencialidades. As professoras usavam o App Inventor, que então só estava disponível em poucas línguas, acho que só existia em inglês e, talvez, chinês”, explicou Valle. “Percebemos que a língua era uma barreira para esse público, meninas de escolas públicas, algumas das quais vivem uma situação social que não é favorável”.

Embora a tradução para o português já tivesse sido iniciada antes, Valle dedicou-se com afinco à tarefa ao longo do último recesso de fim de ano, entre o fim de 2015 e o início de 2016, e a versão acabou chegando ao público neste ano.

“Continuo em contato com o pessoal do MIT para a gente conseguir ampliar o escopo dessa tradução”, acrescenta o docente. “Ela não está cem por cento, ainda, porque esses esquemas de tradução dependem da pessoa que escreveu o programa prever que as frases têm que ser traduzíveis, e existem cerca de 15%, 20% das frases para as quais não foi feita essa previsão, quando o App Inventor foi criado”, disse. “Gostaria de, talvez no próximo recesso, fazer isso: e aí é um projeto de programação mesmo, ir ao código-fonte e traduzir o programa inteiro”.

Traumatizados

Valle acredita que a programação, “a criação de pequenos programadas de até quinze linhas”, é um “talento de alfabetização”, uma perícia importante no mundo moderno, “como trocar um pneu ou fazer um furo na parede”. “Existem algumas habilidades gerais, da vida, que a pessoa que não sabe fica dependente, na mão das outras”, afirma.

 “A pessoa que não sabe fritar um ovo, que não sabe pôr um prego na parede, não sabe trocar um pneu, não sabe trocar a vela do filtro... Sobrevive-se sem saber essas coisas, mas, enfim, você saber furar a sua própria parede amplia a sua independência. Saber programação amplia seu leque de possibilidades mais ainda”, acredita.

Ele é cético, no entanto, quanto à conveniência de se incluir, sem o devido cuidado, a informática entre as disciplinas formalmente oferecidas no ensino médio ou fundamental.

“Se for para criar um espaço de criatividade, de independência, de liberdade — acho ótimo. Como uma boa aula de Artes, como uma boa aula de Educação Física. Mas se for para amarrar os alunos em um curso focado no formal, o efeito seria nulo. Aliás, não, seria negativo. Meu pesadelo é pensar que alguma criança foi reprovada em algum lugar porque não regurgitou em uma prova o que o professor queria ouvir sobre estruturas de dados, ou algum absurdo do tipo.”

Seu exemplo é o da matemática, “mal ensinada no mundo todo” e que cria “jovens traumatizados”. “Isso é uma ilusão de ensino”, critica. “O que acontece com matemática, hoje, é que as crianças passam a detestar matemática, não aprendem matemática nenhuma e, quando chegam à universidade, estão com uma ilusão de competência de matemática, de um lado, então os que gostam de matemática acham que sabem, mas não sabem – e os que não gostam de matemática, na verdade, não gostam é daquele espantalho de matemática que fizeram na escola de ensino médio, mas na verdade nunca viram matemática de verdade. Esse é o grande problema da matemática na escola”.

“O meu ponto é: para pegar a informática e fazer isso com ela, por favor, não. Não façam isso, estou dizendo isso oficialmente. Declaração oficial do coordenador de Engenharia de Computação: não me entreguem uma geração de ingressantes traumatizados com informática, como já tenho de traumatizados com matemática. Prefiro que me entreguem, por favor, uma geração de ignorantes em informática, em que é mais fácil desfazer o estrago.”

Multiplicador

Valle diz que, além da tradução do MIT App Inventor, vem trabalhando, junto com estudantes de iniciação científica, num “mapa da revolução” para levar o ensino dessa programação criativa para meninas e a escolas de ensino médio de todo o Brasil. “Continuo muito engajado nessas questões de programação para o ensino médio, em especial para meninas”, afirma.

“Meu sonho é criar um material que possa ser usado por qualquer escola, de ensino primário ou secundário no Brasil: que qualquer professora possa pegar esse material e, a partir dele, ver quais os recursos já têm e quais faltam para conseguir uma infraestrutura mínima — e então faça o curso acontecer”, descreve. 

“Porque vejo o papel da Unicamp como o de quem vai gerar o efeito multiplicador. A Unicamp não pode se contentar em dar o curso. Ela não tem escala para dar o curso para cada aluno do Brasil. O que eu gostaria que acontecesse é que esses pilotos aqui em Campinas servissem para criar um material que formasse outros docentes pelo Brasil, e que com isso alcançássemos essa escala”.