Edição nº 617

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 27 de fevereiro de 2015 a 08 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 617

Telescópio


O gene do cérebro

Pesquisadores ligados a instituições da Alemanha e da França acreditam ter identificado um gene fundamental para a expansão do neocórtex – uma região cerebral que é especialmente desenvolvida entre seres humanos e em certos homininos extintos, como o Neandertal . O neocórtex toma parte nas chamadas funções cerebrais superiores, como pensamento consciente, percepção sensorial e linguagem.

O gene, chamado ARHGAP11B, não aparece no genoma de camundongos, mas quando os pesquisadores levaram-no a se expressar em embriões dessa espécie, houve crescimento anormal de parte do neocórtex dos animais. O gene parece ter surgido na linhagem humana pouco depois de nossa separação dos chimpanzés. O artigo que descreve a descoberta do gene e o experimento com camundongos está na revista Science.

Conflito climático

No início da última semana, o jornal The New York Times revelou que o astrofísico malaio radicado nos Estados Unidos Wei-Hock Soon, também conhecido como Willie, recebeu “mais de US$ 1,2 milhão de financiamento da indústria dos combustíveis fósseis ao longo da última década, sem revelar o conflito de interesse em suas publicações acadêmicas”.

Em seu trabalho, Soon defende a ideia de que a variação natural da atividade do Sol pode explicar a mudança climática. O pesquisador é frequentemente citado como autoridade pelos chamados “negacionistas climáticos”, políticos e formadores de opinião que negam que a emissão de CO2 pela atividade humana – principalmente pelo consumo de combustíveis fósseis – seja a principal causa do aquecimento global.

Os documentos obtidos pelo jornal mostram correspondências entre Soon e seus patrocinadores corporativos, nas quais o pesquisador se refere a artigos científicos como “produtos”, a serem entregues mediante pagamento. A mesma linguagem era aplicada a depoimentos dados ao Congresso americano. Os documentos foram obtidos por meio de um pedido de acesso à informação apresentado pelo Greenpeace e pelo Centro de Investigação Climática. O diário americano diz que o pesquisador se recusou a falar com a imprensa sobre o caso.

Saneamento de formigueiro

O que as formigas fazem quando ficam apertadas? Essa questão foi investigada por um grupo de pesquisadores alemães, que publicou suas conclusões no periódico online de acesso gratuito PLoS ONE. “O comportamento sanitário é um aspecto importante, mas pouco estudado, da vida social”, escrevem os autores. “Insetos sociais desenvolveram diversas estratégias para lidar com dejetos e matéria fecal”.

Os alemães trabalharam com formigas Lasius niger, colocando-as em ninhos artificiais de gesso e alimentando-as com uma solução colorida. “Após dois meses, de uma a quatro manchas escuras, da cor da solução, formaram-se em cada um dos ninhos”, diz o artigo. “Essas manchas nunca continham outros dejetos, como alimento não consumido ou corpos de companheiras de ninho. Esses dejetos eram colocados para fora do ninho”. A separação entre a matéria fecal e o lixo comum levou os autores a comparar as manchas escuras a “banheiros”.

O artigo diz que não está claro o motivo que leva as formigas a cumular as fezes dentro do ninho, em vez de pô-las para fora. “A presença dos banheiros dentro do ninho sugere que eles não devem ser uma fonte importante de doenças, e podem ter um papel benéfico”.

Ninhos artificiais de formiga, com as manchas marcando os "banheiros" usados pelos insetos

Clima da peste

A peste foi uma doença endêmica na Europa entre os séculos 14 e 19, e a causa dos diversos ressurgimentos da moléstia no continente pode ter sido uma série de flutuações climáticas na Ásia, de acordo com artigo publicado no periódico PNAS.

Os autores do trabalho, vinculados a instituições da Suíça, Noruega e República Checa, notam que a explicação usual para os surtos europeus de peste pressupunha a existência de um reservatório do agente causador da doença, Yersina pestis, na população de roedores do continente. Esse reservatório teria se mantido após a introdução original da peste negra em 1347, vinda pelas rotas comerciais entre Ocidente e Oriente.

O novo trabalho, no entanto, propõe que os surtos foram causados por sucessivas reinserções do bacilo da peste a partir da Ásia, impulsionado em direção à Europa por flutuações climáticas. Usando dados georreferenciados de mais de 7 mil surtos locais de peste e também dados climáticos obtidos a partir da análise de anéis de árvores nos dois continentes, os autores encontraram uma correlação entre flutuações climáticas asiáticas e surtos europeus, com as variações do clima precedendo a ressurgência da doença em intervalos de 15 anos. Assim como no evento original de 1347, os surtos seguintes também teriam chegado à Europa via rotas comerciais.

Importação pré-histórica

Trigo era importado para Inglaterra na pré-história, antes que os antigos bretões passassem a plantá-lo, diz artigo publicado na revista Science. Os autores, ligados a instituições britânicas, analisaram amostras de DNA de trigo de 8.000 anos atrás, obtidas de um sítio arqueológico submerso do litoral inglês, e identificaram a variedade como originária do Oriente Médio, mas não encontraram sinais de cultivo ou mesmo do pólen da planta no mesmo local. Isso sugere que os caçadores-coletores da área mantinham algum tipo de contato comercial com agricultores de outras partes da Europa cerca de dois mil anos antes do início do cultivo do trigo na Inglaterra.

Vida urbana

Pesquisas recentes têm mostrado que as grandes cidades modernas apresentam algumas propriedades matemáticas que parecem comuns a todas: por exemplo, a população tende a crescer mais rapidamente que a infraestrutura (o que pode ser visto como um ganho de eficiência no aproveitamento dessa infraestrutura) e a produção de riqueza cresce num ritmo maior que a população (um ganho de produtividade).

Especula-se que a causa disso pode ser o fato de a cidade funcionar como um “reator social”, permitindo que um grande número de interações humanas ocorra num curto intervalo de tempo. Mas também é possível que os ganhos de eficiência e produtividade das cidades sejam fruto não do ambiente urbano em si, mas de um tipo específico de organização econômica ou social, como o capitalismo e a democracia.

Para avançar nesse debate, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos se debruçou sobre vestígios arqueológicos de aglomerados urbanos antigos, cobrindo um período de 2000 anos, na região da Cidade do México. Variações no tamanho de templos e residências foram usadas para estimar as taxas de crescimento populacional, de uso do solo e de produção econômica.

Eles determinaram que, mesmo antes do surgimento das formas modernas de organização da economia, a produtividade das cidades crescia mais depressa que a população, reforçando a tese do centro urbano como um “reator social”. O trabalho foi publicado no periódico online de livre acesso Science Advances, do mesmo grupo que edita a revista Science.

Rede neural detona videogames

Pesquisadores da empresa britânica DeepMind, adquirida pelo Google no ano passado, anunciam na edição mais recente da revista Nature a criação de um programa capaz de aprender a jogar 49 videogames clássicos do antigo sistema Atari 2600, incluindo Space Invaders, Enduro e River Raid, tendo como input apenas o placar do jogo e a configuração de pixels na tela. Com o aprendizado, o programa atingiu um grau de performance comparável ao de um jogador profissional humano.

A DeepMind usou técnicas de aprendizado por reforço, um processo inspirado na psicologia e no comportamento animal, onde ações que maximizam um determinado resultado desejado são reforçadas, e a tecnologia de aprendizado de máquina conhecida como rede neural profunda. De acordo com nota divulgada pela Nature, o resultado mostra que “técnicas avançadas de aprendizado de máquina podem ser combinadas a mecanismos de inspiração biológica, para criar agentes capazes de dominar um amplo conjunto de tarefas desafiadoras”.

‘Nature’ adota método ‘duplo-cego’ de revisão

A partir deste mês, a revista científica Nature e os demais periódicos acadêmicos do mesmo grupo passarão a oferecer aos pesquisadores a opção de terem seus nomes e filiações acadêmicas removidos dos artigos que serão enviados para a revisão pelos pares, criando um sistema “duplo-cego” de avaliação. No método tradicional de revisão, apenas a identidade do revisor é escondida do autor.

A revisão pelos pares, na qual outros cientistas opinam, antes que um trabalho venha oficialmente a público, sobre os méritos da pesquisa e a conveniência de sua divulgação, é parte do processo tradicional de comunicação científica. Não se trata de um método perfeito, no entanto, e há várias propostas de mudança, incluindo a estratégia “duplo-cego”, adotada agora pela Nature, e o caminho oposto, de transparência total, onde até os revisores deixam de ser anônimos.

Defensores do tradicional anonimato dos revisores veem-no como uma forma de protegê-los contra pressões ou represálias. Já a decisão de excluir também os nomes dos autores é defendida, pela Nature, como um modo de evitar que preconceitos – de nacionalidade, gênero, etc. – afetem o parecer do revisor. A Nature já havia testado uma política de transparência total em 2006, mas nota divulgada no site da publicação diz que os resultados não foram “substantivos”.