Edição nº 599

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 02 de junho de 2014 a 08 de junho de 2014 – ANO 2014 – Nº 599

Cresce intervenção da Justiça em greves, aponta dissertação

Análise de conflitos coletivos de trabalho, durante os anos 2000, revela judicialização crescente

Pesquisa apresentada no Instituto de Economia (IE) constata que 34,6% das greves ocorridas durante os anos 2000 tiveram intervenção da Justiça do Trabalho, evidenciando a importância do Poder Judiciário para as relações trabalhistas e compreensão da realidade brasileira neste período recente. “A judicialização dos conflitos coletivos de trabalho: uma análise das greves julgadas pelo TST nos anos 2000” é o título da dissertação de mestrado desenvolvida pelo advogado Alexandre Tortorella Mandl e orientada por José Dari Krein, docente do IE e diretor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit).

Inicialmente, Alexandre Mandl aponta um movimento contraditório no Brasil nos anos 2000, observando-se, por um lado, uma melhoria dos indicadores do mercado de trabalho, com aumento dos empregos formais, valorização do salário mínimo e diminuição do desemprego; e, por outro, o aprofundamento das formas de flexibilização do trabalho implementadas nos anos 90, como intensificação da jornada, manutenção da alta rotatividade e baixa qualidade do emprego e remuneração. “Temos um contexto de profundas transformações no capitalismo contemporâneo, com a reestruturação produtiva, internacionalização da produção e globalização financeira. A proposta é pensar como esta dinâmica se expressa dentro do Poder Judiciário.”

O autor da dissertação afirma que centrou sua atenção na Justiça do Trabalho e, neste âmbito, optou pelo estudo das decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por ser o órgão de última instância e com o poder de uniformizar as decisões. “E, dentre os conflitos trabalhistas, preferimos analisar os conflitos coletivos (ao invés dos individuais), sobretudo o embate capital-trabalho. Isso porque a greve é um instrumento histórico para o movimento da classe trabalhadora e, também, porque a relação entre greve e direito de greve é emblemática para entender o papel do Judiciário – estamos tratando de um fato social a ser normatizado pelo direito, normatização que decorre das disputas entre os setores patronais e os trabalhadores.”

Segundo o advogado, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) registra um número crescente de paralisações no período: foram 416 em 2001, 518 em 2009 e 873 em 2012. “As modificações do mercado de trabalho nos anos 2000 provocaram o fortalecimento do movimento sindical, que tem sido vitorioso particularmente nas pautas econômicas, conquistando sucessivos aumentos reais nos salários de 2004 (quando o Dieese começou a publicar seus balanços de greves) até 2010. Se, na década de 90, muitos anunciaram o fim do movimento sindical (e do instrumento da greve), os estudos do Cesit mostram o contrário, que ele está mais vivo do que nunca. E que isso deve ser estudado inclusive para entendermos as novas manifestações de rua e as dimensões que as lutas sociais tomaram no Brasil recente.”

Quanto à hipótese que moveu a pesquisa, se houve aumento ou diminuição da intervenção do Poder Judiciário nas greves, Alexandre Mandl procurou respondê-la por meio do resgate bibliográfico em torno do conceito de judicialização – o que não foi tarefa fácil. “Analisamos 53 acórdãos do período de 2000 a 2012. São basicamente recursos que chegavam ao TST – decorrentes da falta de acordo entre as partes em dissídios coletivos nos TRTs [Tribunais Regionais do Trabalho] – para que as greves fossem julgadas. A pesquisa inclui ainda dissídios de categorias nacionais, como dos Correios, interpostos diretamente no TST como única instância.”

A dificuldade, como esclarece o autor do estudo, vem das alterações determinadas na Emenda Constitucional nº 45, de 2004, conhecida como de Reforma do Judiciário. A emenda atribui à Justiça do Trabalho novas competências para julgamento de ações oriundas dos movimentos paredistas, entre as quais dos interditos proibitórios – ações de caráter civil interpostas para a defesa da posse empresarial, distribuídas em primeira instância e que também servem como instrumento de cerceamento do direito de greve. “Juntamente com os dissídios coletivos, as organizações patronais procuram ajuizar o interdito proibitório, com o objetivo de cercear o direito de greve. Permanece a lógica dos atores do patronato de judicializar as greves buscando decisões que declarem a abusividade das mesmas.”

Tendo colhido dados do período 2004-2010 indicando que 34,6% das greves foram judicializadas, Alexandre Mandl acha interessante observar que, aparentemente, o TST tem adotado uma posição mais progressista que na década de 1990. “Os desembargadores e ministros têm considerado o peso constitucional do direito de greve e decidido, na ampla maioria dos julgamentos, pela não abusividade das greves. O problema é que recursos demandam tempo e esta decisão sai apenas depois de dois ou três anos. Considerando que o aspecto temporal é fundamental para a dinâmica real da greve, esse resultado final precisa ser relativizado. Se uma paralisação é considerada abusiva em primeira instância, a empresa já pode descontar os dias parados e demitir trabalhadores, por exemplo.”

O advogado observa que, portanto, a decisão do TST favorável à greve tem relativa efetividade para a realidade concreta do conflito capital-trabalho. “Os interditos significam dizer que a greve pode ter sido não abusiva para o TST, mas antes, no TRT, foi considerada abusiva – e vimos que, em 100% dos pedidos de interdito em primeira instância, foi concedida a liminar. Por ser uma medida preventiva, isso ataca diretamente o direito de greve e acarreta inclusive multas para o sindicato, numa forma de criminalizar qualquer conduta posterior. De fato, a tendência progressista percebida no TST não se apresenta de forma linear. Pelo contrário, em termos proporcionais, mesmo não sendo o centro da pesquisa empírica, pudemos verificar que nos TRTs há mais julgamentos favoráveis à abusividade da greve.” 

 

Taxa

O autor conclui na dissertação que, diferentemente de algumas avaliações apontando uma suposta queda da taxa de judicialização dos dissídios coletivos nos anos 2000, não se pode afirmar que a Justiça do Trabalho está menos presente nas relações de trabalho. “A taxa de judicialização não pode ser entendida apenas como a taxa de dissídios coletivos, deve ser compreendida de forma muito mais ampla. Primeiro, devemos destacar que os setores patronais continuam não abrindo mão de judicializar a greve por meio dos dissídios coletivos; no entanto, é interessante verificar que também se utilizam de outros instrumentos, como os interditos proibitórios. Combinando as duas formas, podemos dizer que há um crescimento da taxa de judicialização e da intervenção do Poder Judiciário nos conflitos grevistas. Essa constatação foi destacada pela banca examinadora como uma das contribuições mais interessantes e que talvez sintetize o estudo.”

Mandl acredita que sua dissertação contribui para levantar questões importantes para outras pesquisas de mestrado ou doutorado, especialmente no momento em que se acirra o debate em torno dos limites da greve e do papel do Judiciário. “A análise das causas e efeitos da judicialização das greves é relevante para complementar a compreensão das alterações estruturais no mercado de trabalho, como da regulação trabalhista, do poder normativo da Justiça do Trabalho e das ações sindicais. Da mesma forma, há necessidade de compreender o movimento contrário das instituições públicas, onde também vemos avanços, como no Ministério Público do Trabalho, que tem o poder de interpor ações civis. E, ainda, a reestruturação dos auditores fiscais, que cumprem o papel de fiscalizar as relações trabalhistas. Entretanto, ainda é majoritária uma lógica conciliatória, que muitas vezes acaba por permitir o descumprimento da legislação trabalhista.”

Como último exemplo, Alexandre Mandl cita a realização da Copa do Mundo no Brasil, antevendo uma tendência do Poder Judiciário em cumprir um papel restritivo ao direito de greve, visto que a competição atrai a atenção mundial e faz aflorar os protestos da sociedade. “Depois de concluída a dissertação, os fatos somente reforçam o que temos alegado quanto à importância do tema. Todos nós vimos o desenvolvimento das greves dos garis no Rio de Janeiro ou dos professores em todo o país. Agora, em especial, existe a discussão sobre a criação de um ‘tribunal de exceção’ dentro dos TRTs para julgar greves durante a Copa. A presidente Dilma Rousseff já declarou que pode ter manifestação de rua, desde que não afete a Copa; e que pode ter greve, desde que não afete o setor produtivo. Trata-se de uma contradição, pois a greve, por sua natureza, afeta o setor produtivo e, sim, cumpre o papel de chamar a atenção do poder público. O que temos testemunhado, portanto, é um contexto mais repressivo das lutas sociais, induzindo à garantia da lei e da ordem, e em que o movimento sobre a tendência da judicialização das greves ainda está em disputa.”

 

Publicação

Dissertação: “A judicialização dos conflitos coletivos de trabalho: uma análise das greves julgadas pelo TST nos anos 2000”
Autor: Alexandre Tortorella Mandl
Orientador: José Dari Krein
Unidade: Instituto de Economia (IE)