Edição nº 584

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de novembro de 2013 a 01 de dezembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 584

Uma pioneira do Cecom

A trajetória da cardiologista Patrícia Asfora Falabella Leme, do Recife a Campinas

Doutor Danilo, aos 76 anos, atende na área da saúde da família, no Recife, Pernambuco. Também foi médico no setor de perícia do INSS, mas foi sua maneira de tratar seus pacientes nas décadas de 1970 e 1980 que chamou a atenção da filha, Patrícia Asfora Falabella Leme, ainda na infância quando, quase diariamente, frequentava seu consultório, antes das aulas de balé. A primeira característica desse atendimento amigável aos doentes que tocou Patrícia foi a simpatia.

– Estudava pela manhã, à tarde ia para o consultório, e a secretária me levava ao balé. Até acabar as consultas, eu ficava desenhando e observando. De vez em quando, ele me chamava para entrar. O que me impressionava muito é que as pessoas gostavam dele, retribuindo a atenção com galinha, ovo, peru, batata. Coisas do Recife daquela época. Não sabia se queria ser médica, mas aquilo me encantava. Decidi somente no momento de prestar vestibular. Sou encantada com ele.

E foi com simpatia que desembarcou de um táxi no Pronto-Socorro do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, debaixo de chuva. Com a simpatia, uma mala em cada mão e gesso no pé. Esta cena ainda é viva na memória de quem presenciou a chegada da cardiologista a Barão Geraldo, tão logo foi aprovada no concurso para residência na Unicamp. 

Recife/Unicamp. De lá para cá e daqui para lá, foram quatro longas viagens de ônibus, na companhia de uma amiga, que também se candidatava a uma vaga para residência na Unicamp e na Universidade de São Paulo (USP). A última viagem, pela aprovação, pela convocação urgente e uma fratura, foi feita de avião. Era uma fase de muitas mudanças, e detalhes tão peculiares jamais podem ser esquecidos por Patrícia. 

– Ligaram-me numa quarta-feira, comunicando a aprovação, e tive de assumir na sexta-feira. Vim, mesmo com o pé engessado. Fui direto ao PS, por orientação de alguém da Comissão de Residência, que disse para eu procurar por Adriana, uma médica que já havia iniciado a residência. Pernoitei no dormitório dos residentes, no terceiro andar. 

No dia seguinte, ao tomar conhecimento das condições da nova residente, o então docente da Pneumologia aconselhou-a a descansar e procurar um lugar para se instalar.

– Encontrei uma pousada, mas no sábado já estava de plantão, na Enfermaria de Retaguarda. 

No corre-corre, não dava tempo para parar e analisar, tinha de tomar decisões rápidas e nem todas foram agradáveis ao coração daquela futura cardiologista.

– Quando estava no terceiro colegial, engravidei e, quando vim fazer residência, meu filho estava com 6 anos. Como meu ex-marido havia voltado para a Venezuela, tive de deixar meu filho com minha mãe. Tentei trazê-lo no segundo ano de residência, quando já estava instalada em um apartamento, mas a jornada de plantões era intensa, e ele teve de voltar para o Recife. Fiz loucuras; cheguei a deixá-lo até com o porteiro a minha espera, mas era sacrificado para ele. Foram os momentos mais difíceis porque o coração ficou apertado, mas a área de cardiologia no Recife não tinha o nível que tem hoje, e eu precisava me especializar numa universidade de qualidade. Depois de três anos, ele veio para Campinas definitivamente. Hoje, aos 28 anos, é economista graduado pela Facamp. 

Apesar do conselho de doutor Danilo para esperar o bebê nascer para prestar vestibular, Patrícia estava certa que o melhor a fazer era dar continuidade à sua formação. Não somente prestou vestibular como foi premiada como primeira aluna da turma de 1991 no Recife. Na época, ainda se usava premiar os primeiros alunos que se destacavam na graduação.

– Começou dando certo porque eu já adorava o que fazia. Quando concluí a graduação, já havia decidido pela cardiologia. Amei a residência. Ao mesmo tempo em que sentia falta da família, de meu filho, estava deslumbrada com a oportunidade de me especializar na Unicamp numa área que amo. 

Ao terminar a residência em 1995, Patrícia foi contratada pela Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp) para trabalhar na urgência do pronto socorro, onde permaneceu por 15 anos. No ano seguinte, foi orientada pelo então chefe William Cirilo a prestar concurso público para, caso aprovada, fazer parte do quadro de funcionários da Unicamp pelo Centro de Saúde da Comunidade (Cecom). Foi aprovada em segundo lugar, mas em pouco tempo, com a morte de um colega, uma vaga para cardiologista foi aberta.

– Pena ter assumido por este motivo muito triste, que foi a morte de um amigo, mas foi assim que passei para a carreira de servidores da Unicamp. 

Hoje, Patrícia escreve não somente sua própria trajetória, mas também trechos de um aspecto novo na história do Cecom. É a primeira funcionária e mulher a assumir a coordenação do órgão, até então ocupado por docentes. Foi supervisora, diretora médica, assessora e agora, a convite do reitor José Tadeu Jorge assume o centro, em substituição ao professor Roberto Teixeira Mendes, que assume a chefia do departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). 

No Cecom, ela começou a atender como cardiologista há 17 anos, conciliando as atividades da Unidade de Emergência Referenciada (UER) do Hospital de Clínicas, antigo Pronto Socorro. 

Em 2010, foi convidada pelo médico Lair Zambon para substituir o professor Edison Bueno no Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Rio Claro, quando este foi chamado a assumir o Departamento de Medicina Preventiva.  Abriu mão da Emergência, mas manteve duas atividades em sua rotina, pois passou a dividir a coordenação do AME com a direção médica e o atendimento no Cecom. 

– Era cansativo, mas foi ótimo viver esta experiência, pois era um trabalho pioneiro, interessante e de altíssima qualidade. O AME oferece um modelo novo de saúde que só existe em São Paulo desde 2007. Foi um privilégio poder participar desse processo, pois ele recebe elogios à vontade. As pessoas não estão acostumadas e se surpreendem com o atendimento.

– É uma referência para o Brasil. Todo local em que trabalhamos tem de ter programa de qualidade. As fábricas têm seus programas de qualidade, as peças têm de estar no lugar, então, imagine a vida humana. Não só pela qualidade, mas também pelo carinho. Não adianta você só tratar tecnicamente bem, tem de tratar com acolhimento, carinho, pois a pessoa doente está fragilizada. 

Como médica e gestora experiente, Patrícia admite que haja motivos para a resistência por parte dos pacientes em relação ao atendimento público.

– Existe rejeição de alguns pacientes em relação ao atendimento público, mas o SUS é o melhor modelo de saúde do mundo, pois o paciente faz tudo o que precisa. Tem direito a transplante, quimioterapia. A questão é o subfinanciamento e, em determinados locais, a má gestão. Então a fila acaba sendo grande, demora. Médico bom e ruim tem tanto no SUS, quanto em atendimentos por convênio e particular. No AME, a fila é pequena, pois tem uma logística eficiente e agendamento eletrônico, além de uma estrutura e equipamentos de primeiro mundo. É como se fosse consultório particular. O que é bom, precisamos replicar.

No Cecom, Patrícia e toda a sua equipe multiprofissional utilizam o Modelo de Melhoria em Saúde do Associates in Process Improvement (API), aprendido durante o curso Gestão por Processos (Gepro), que fez em 2004 em seguimento ao Planejamento Estratégico da Unicamp.

– Temos 26 pessoas formadas pela metodologia e mais de 40 processos desenvolvidos e/ou revisados com ela. Quem trabalha com saúde tem a responsabilidade de se envolver cada vez e de maneira contínua com processos de melhoria, visando ao melhor cuidado ao seu paciente. 

Ciente de que tudo se constrói aos poucos, Patrícia se diz orgulhosa por trabalhar num setor em que a promoção à saúde e a prevenção são tão importantes quando a atenção ao paciente já doente. No Cecom, ela pôde participar da implantação de vários projetos, um deles é a campanha para prevenção ao câncer de intestino grosso para pessoas com idade a partir de 50 anos, feito em parceria com o Gastrocentro e as ações de saúde nas unidades, em que se oferecem palestras, exames de sífilis, HIV e hepatite, atividade física, exame preventivo de próstata, entre outros serviços que vão até o local onde se trabalha. Hoje, o Cecom tem 80% das ações previstas em seu Planejamento Estratégico concretizadas.

– No Cecom, tem vários grupos – de tabagismo, hipertensão, reeducação alimentar, diabetes. Dificilmente, o paciente encontrará isto num convênio, um tratamento que envolva profissionais de diferentes áreas, entre eles nutricionista, enfermeiro, psicólogo, fisioterapeuta e educador físico. Cuidado tem de ser multidisciplinar. Consegue atingir melhores resultados.

A atenção tem de fazer parte da obra de vida de uma pessoa, na opinião de Patrícia. O coração de mãe que pulsou de saudade pelo filho em seus primeiros dias em Campinas, hoje se alegra ao lado dele e de Marcela, 13, Letícia, 14, e o marido. A atenção à família também faz parte da obra que lhe foi atribuída, acredita. A promoção à saúde acaba sendo assunto em atividades oferecidas por ela na igreja e também nas festas de família.

– Quando questionam sobre minha disposição em responder perguntas sobre medicina em reuniões de família, respondo que é minha obra e não vou perder a chance de executá-la. Onde estou tento melhorar a saúde das pessoas. Seja no trabalho, na igreja, em casa ou em festa de família.

 

Humanização

A cardiologia, segundo Patrícia, é uma especialidade que lida muito com a recuperação e a morte, por isso é preciso ter muita sensibilidade.

– O médico tem de ter sensibilidade para não mergulhar na dor da pessoa e prejudicar, assim, sua conduta profissional, mas, ao mesmo tempo, precisa ser sensível para se colocar no lugar do paciente e saber o que ele realmente precisa. 

Por mais que a emoção lhe ocorra, Patrícia acredita que um médico jamais deva usar a frase “perdi um paciente”, pois a saúde não depende de uma pessoa apenas. 

– A saúde depende da própria pessoa em seu cuidado, do médico em sua orientação, do ambiente em que o paciente vive. Se ele tem condições socioeconômicas favoráveis, se tem condições sanitárias e de se alimentar bem. O resultado em saúde não é culpa nem mérito de ninguém. É um conjunto. Nunca disse perdi um paciente. Porque morrer é o resultado de uma série de coisas. Não é culpa minha nem da pessoa. Uns dizem que a pessoa morreu porque fumava. Não é somente isso. É fácil falar. O cigarro influenciou. Mas por que fumava? Será que tinha outros prazeres que não fosse o do cigarro? 

Perfeccionista? Garante que em dose saudável.

– Sou perfeccionista, mas me perdoo porque embora queira dar conta de tudo, quando falho, não me descabelo, permito me perdoar. Assim como sou com as pessoas. Nenhum ser humano é perfeito. Procuramos a perfeição, mas sabemos que não existe. Se não sai perfeito, buscamos outra saída.

Comentários

Comentário: 

Parabéns Dra Patrícia!!! Uma história linda...
Obrigada pelo seu carinhoso acolhedor... Isto com certeza faz a diferença... Grande abraço!!!

Comentário: 

Parabéns Dra. Patricia pelo novo desafio. O tempo passa, mas você continua sendo a mesma pessoa que conheci nos tempos da residência. Não perdeu o brilho no olhar e o seu carisma cada vez mais em alta. Certa vez um docente da Pneumo comentou com outro docente da Cardiologia que as melhores R-1 que tinham passado por lá eram da Cardiologia, e uma delas era você. Este comentário só mostrar onde você poderia chegar. Competência é competência.
Beijos
Rosicler

Comentário: 

Competente como médica, maravilhosa como "ser humano". Todos devemos aprender com a sua sabedoria.

Comentário: 

Linda história de vida e de determinação. Parabéns à médica e à jornalista Alice.

Comentário: 

Parabéns Dra Patricia!

Que Deus te ilumine sempre!
Mulher virtuosa!

Comentário: 

Olá, Dra Patrícia,

Meus parabéns, bela história.
Pessoa super competente e fazendo a diferença na vida de muitas pessoas.
Abraço,

clovis@feagri.unicamp.br

Comentário: 

Fui seu paciente por vários anos no CECOM, me tratou sempre com carinho e atenção.
Agradeço por tudo que me fez.
Que "Deus" abençõe e que jamais perca o seu carisma e atenção aos seus pacientes.

Um forte abraço.
José Luiz Belduchi

Comentário: 

Dra. Patrícia - uma linda história de uma pessoa linda. Parabéns pela garra e pela competência.

Comentário: 

você com certeza é o orgulho de sua família, e principalmente do seu Pai, simplesmente você é ele hoje.
Dra. Patricia, você é merecedora de tudo que há de melhor em sua carreira, muito obrigada por tudo.
Angles

fatima@ime.unicamp.br

Comentário: 

Um enorme VIVA para a Unicamp. Que muitos e muitos outros médicos sejam formados dentro do mesmo padrão humanista. A Sra. é realmente um grandiosíssimo exemplo a ser seguido. Parabéns.