Edição nº 575

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 16 de setembro de 2013 a 22 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 575

Sinais que o cérebro pode emitir

Neurologista avalia alterações de substâncias em pacientes com doença carotídea assintomática

Várias são as causas que podem levar ao acidente vascular cerebral (AVC), o conhecido derrame cerebral. Uma delas é a estenose e/ou oclusão da artéria carotídea, que resulta da doença aterosclerótica, desenvolvida principalmente devido a fatores como hipertensão arterial sistêmica, diabetes, dislipidemia, tabagismo e outros que levam à formação de placas nas artérias carótidas. Fragmentos dessa placa podem se desprender e entrar na circulação cerebral, onde ocluem um vaso cerebral ou ainda determinam a oclusão da própria carótida, acarretando então o AVC.

Verifica-se, entretanto, que a estenose e a oclusão podem estar presentes sem que o indivíduo tenha sido levado a apresentar qualquer sintoma ou sinal condizente com acidente vascular cerebral ou sintomas transitórios. Estes casos, verdadeiros achados decorrentes de exames de rotina, correspondem ao que se pode chamar de doença carotídea assintomática.

Pacientes que já sofreram acidentes vasculares cerebrais se beneficiam com a correção cirúrgica principalmente nos primeiros cinco anos. Desde a década de 80, esse procedimento passou a ser adotado também, em caráter preventivo, em relação a pacientes assintomáticos, assim considerados os que apresentam a obstrução, mas não revelam sintomas.Com o desenvolvimento de novos medicamentos, como as estatinas (usados para controlar o colesterol) junto ao uso de antiagregantes plaquetários, como o ácido acetilsalicílico, associados a um melhor controle dos fatores de risco, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes, dislipidemia, tabagismo e acrescidos da prática de atividade física, o tratamento cirúrgico, de maneira geral, não corresponde a um benefício.

Entretanto, estudos divulgados na literatura médica, baseados na aplicação de exames neuropsicológicos, mostraram que pacientes com estenose assintomática apresentavam desempenho cognitivo inferior ao dos cidadãos sem a doença. Não havia ainda, porém, menção a alteração estrutural no cérebro que justificasse tal fato. Apoiado nesses estudos, o neurologista Wagner Mauad Avelar, orientado pelo professor Fernando Cendes e juntamente com a disciplina de cirurgia vascular sob direção da professora Ana Terezinha Guillaumon, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), constatou que a estenose assintomática não é tão inocente como poderia fazer inicialmente crer.

Surge daí outra questão: há um dano cerebral secundário resultante do comprometimento causado pela estenose e que afeta a cognição?  Com o objetivo de responder a essas indagações ele se propôs a fazer a “Avaliação das alterações da substância branca e cinzenta cerebral nos pacientes com doença carotídea assintomática”.

O trabalho avaliou 25 pacientes com estenose de carótida/oclusão, assintomáticos, quanto a possíveis alterações da substância branca e cinzenta do cérebro, comparando os resultados com os de um grupo de controle constituído por 25 indivíduos saudáveis, pareados por idade. A estenose/oclusão foi caracterizada através da angiotomografia e todos os pacientes foram submetidos à ressonância magnética de encéfalo. As imagens foram analisadas com a utilização do método de morfometria baseada em voxel (VMB) e por tensor de difusão (DTI).

A propósito dos resultados, Avelar afirma: “Nossos achados mostram que as estenoses/oclusões carotídeas assintomáticas estão associadas a alterações [atrofia] na substância cinzenta do hemisfério ipsilateral [do mesmo lado] à estenose. Estes dados, se confirmados, poderiam justificar o declínio cognitivo observado nesses pacientes, uma vez que a função cognitiva está intimamente relacionada com a integridade da substância cinzenta. Tal alteração pode decorrer da alteração hemodinâmica cerebral causada por estas estenoses, que em última análise leva a hipóxia dos neurônios, ou seja, à falta de aporte de oxigênio suficiente para o ideal funcionamento da célula. O estudo é o primeiro que pode explicar e justificar tais achados”.

 

O estudo

O estudo se justifica quando se sabe que a prevalência da estenose carotídea assintomática aumenta com a idade, atingindo cerca de 10% dos homens com mais de 80 anos. Ela é responsável por 15% dos AVC isquêmicos, em que não ocorre rompimento dos vasos. A conduta médica nos casos assintomáticos gera ainda controvérsias quanto ou ao tratamento clinico, ou à angioplastia – colocação de stent –, ou à endarterectomia (cirurgia para remoção das placas).

O cérebro é constituído fundamentalmente pelas substâncias branca e cinzenta. A cognição está relacionada com a substância cinzenta, onde se encontram os corpos dos neurônios. Os oxônios, prolongamento dos neurônios responsáveis pelos impulsos elétricos, disseminam-se na substância branca. Sabe-se que os quadros cognitivos estão ligados à integridade dos neurônios. 

Como nas situações de estenose, a ressonância magnética normalmente utilizada não mostra possíveis alterações nas substâncias branca e cinzenta, apesar das evidências cognitivas reveladas pelos testes, a grande pergunta que se colocava para o pesquisador era: será que existem lesões na microarquitetura que não são vistas na inspeção visual normal? A pesquisa orientou-se na procura dessa resposta. Avelar partiu então para a avaliação da microestrutura cerebral, usando duas técnicas da ressonância magnética.

Utilizou a morfometria para determinar através dos tons de cinza as diferenças que pudessem existir na parte cinzenta em relação a um grupo de controle. Trata-se de um método quantitativo de análise de imagens que apresenta a vantagem de permitir detectar áreas de alteração estrutural, não observadas através da análise visual. Uma varredura permite detectar atrofias em todo o cérebro e estabelecer comparações com o grupo de controle em relação às duas substâncias.

Depois, ele utilizou a imagem por tensor de difusão para avaliar se existiam diferenças basicamente nos axônios, que constituem as fibras de projeção dos neurônios que se estendem pela substância branca. E, neste caso, encontrou uma diferença bilateral, ou seja, as alterações em princípio são independentes da estenose, pois não se manifestam apenas no hemisfério ipsilateral, ou seja, do mesmo lado da estenose.

Avelar explica: “Em princípio, essas alterações não podem ser associadas à estenose pois, se assim fosse, elas deveriam ocorrer do mesmo lado do cérebro. Nós acreditamos que essa alteração uniforme em toda a substância branca está associada aos próprios fatores de risco relacionados à estenose, como hipertensão, diabetes, tabagismo e dislipidemia, porquanto o grupo de controle era constituído por pessoas saudáveis”.

Já em relação à substancia cinzenta, detectou uma atrofia, ou seja, uma perda de volume de massa cinzenta,  quando comparou com grupo controle e também quando comparou o hemisfério cerebral dos pacientes do lado sem estenose com o hemisfério cerebral do lado da estenose. Ou seja, o hemisfério que tinha a circulação comprometida, irrigado pela artéria com estenose, era o mais afetado. Isto levou à conclusão de que “existe uma associação entre a presença das placas e o comprometimento da substância cinzenta”.

 

Resultados

Diante dessas constatações, o autor conclui que a atrofia da substância cinzenta pode ser associada às estenoses carotídeas assintomáticas, mas estas não estão relacionadas às alterações da substância branca. Entende que isso ocorre porque a estenose repercute hemodinamicamente no fluxo sanguíneo afetando os neurônios, presentes na massa cinzenta, mais sensíveis à falta ou diminuição da oxigenação.

O próximo passo da investigação envolve a avaliação das imagens de dezessete pacientes acompanhados pela cirurgia vascular, que foram submetidos à remoção das placas. As imagens dos cérebros desses pacientes, obtidas seis meses depois da cirurgia, permitirão novas avaliações da massa cinzenta. Se constatada diminuição na perda dessa substância nesses pacientes, então se poderá concluir que a atrofia é causada pela estenose. E, neste caso, esclarece o pesquisador, mais do que associação, se poderá falar em causalidade, pois fica evidente que a eliminação da estenose muda o quadro patológico.

Em consequência, afirma Avelar, talvez se passe a investigar mais minuciosamente os pacientes que apresentam perdas cognitivas, mesmo leves, incluindo-os na avalição da carótida, mesmo diante de quadros assintomáticos, para que possam a vir se beneficiar de uma cirurgia de caráter preventivo.

 

Publicação

Tese: “Avaliação das alterações da substância branca e cinzenta cerebral nos pacientes com doença carotídea assintomática”
Autor: Wagner Mauad Avelar
Orientador: Fernando Cendes
Unidade: Faculdade de Ciências Médica

Comentários

Comentário: 

Fantastica e elucidativa a matéria. A neurologia clínica como sempre trabalha no futuro