Edição nº 575

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 16 de setembro de 2013 a 22 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 575

Estudo analisa impactos da digitalização de documentos

Pesquisa desenvolvida na FE conclui que internet aproxima arquivos públicos de estudantes e da população

Um fenômeno vem crescendo mundialmente e conferindo uma maior visibilidade aos arquivos públicos, na esteira da expansão dos movimentos de preservação da memória. Essa nova dinâmica está mudando o seu status. Antes vistos como lugares empoeirados onde ninguém ia, hoje vêm se tornando cada vez mais objeto de pesquisas e de afeto da população. Trata-se de um movimento social e cultural, observando-se, não só na educação formal, como também na educação informal, uma maior aproximação entre a população, a sociedade civil e os arquivos.

Esse movimento ganha mais impulso com a digitalização de documentos e sua publicação on-line. E muitos arquivos mobilizam áreas exclusivamente dedicadas ao ensino. “Como tudo nessa nova economia da memória passa rapidamente e ameaça cair na obsolescência, os arquivos precisam medir esforços e planejar os passos para responder com sensatez e responsabilidade à exposição midiática e às suas demandas.” Foi o que concluiu a historiadora Adriana Carvalho Koyama em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Educação (FE), orientada pela docente Maria Carolina Bovério Galzerani.

As publicações, salienta Adriana, dão acesso imediato a documentos que de outra forma não seriam conseguidos facilmente. É o caso do site do arquivo nacional inglês (The National Archives - https://www.nationalarchives.gov.uk/education/lesson47.htm), que dá acesso a um mapa de Londres após um incêndio do século 17 que se tornou emblemático. “Nessa atividade educativa se veem os registros da casa do padeiro onde começou o fogo, além de uma série de documentos de época que fascinam as pessoas. Temos a sensação de ter às mãos documentos que, para conhecê-los, seria necessário viajar até lá.”

Eles são todos higienizados, tratados digitalmente e ficam como novos, dando a impressão de que não sofreram com a ação do tempo, o que não é verdade, desmistifica a pesquisadora. O documento original sofre também com o pó e com os acessos. Mas essas dificuldades, em sua opinião, desaparecem na consulta on-line.


Ensino

Nas décadas de 1980 e 1990, em um movimento de renovação no ensino de História e com os novos currículos, as escolas passaram a ter como perspectiva o trabalho com fontes para o ensino de História, desde o ensino fundamental. Este foi um movimento que já teve outros momentos de aproximação, mas ganhou um maior incentivo depois da década de 1990, quando vários países da Europa e da América renovaram seus currículos e passaram a mostrar as possibilidades que o ensino de História traz usando fontes documentais.

O contato com essas fontes – críticas e análises – passou a ser pensado como importante desde as séries iniciais. Já no segundo ano, as crianças conseguem ler documentos curtos ou imagéticos e até no máximo no terceiro ano podem ser inseridas em atividades de arquivos. Para isso, basta qualquer lugar que dê acesso à internet, principalmente com a expansão da educação tecnológica nas escolas, dos tablets nas salas de aula e dos laboratórios de informática na rede pública.

Um momento anterior de aproximação ocorreu no final da década de 1970, quando professores reivindicaram a renovação do ensino de História. Ela foi incorporada aos currículos duas décadas depois, fazendo com que os arquivos fossem mais buscados pelas escolas. “Foi um movimento de aproximação em dois sentidos: tanto os arquivos se aproximaram das escolas, com a criação de serviços educativos, como começaram a ser pensados por professores e pesquisadores de ensino de História como espaços de educação”, contextualiza a pesquisadora.

Ela relata que começou sua pesquisa fazendo um levantamento de sites de arquivos. Pesquisou os arquivos nacionais de língua inglesa, portuguesa, francesa, italiana e espanhola. Acabou se detendo nos arquivos inglês e americano (National Archives and Records Administration), os quais têm as ações de educação on-line mais antigas e o maior número de documentos digitalizados.

No confronto com outros arquivos, delineou o trabalho de campo. A maior parte da pesquisa de literatura foi feita nos periódicos eletrônicos presentes nas bases de dados que a Unicamp assina. Pela novidade do tema, as referências específicas sobre a educação em arquivos on-line são basicamentepapers e teses.  

Mas Adriana também muito se valeu de sua experiência de historiadora na direção de um arquivo público da cidade de Indaiatuba, de 2008 a 2012. Foi igualmente responsável pelo serviço educativo e trabalhou com o ensino de História por anos a fio, usando fontes documentais. De acordo com ela, o primeiro vestibular no Brasil com o uso de documentos (na década de 1980) foi o da Unicamp, universidade pioneira no movimento de renovação do ensino de História.


Reflexão

A historiadora comenta que, nas visitas aos arquivos, há sempre um serviço educativo que seleciona fragmentos de séries documentais para serem mostrados. Nesse caso, a experiência presencial não difere muito da experiência on-line. Porém Adriana reconhece que visitar os arquivos e percorrer seus corredores é uma experiência relevante para os estudantes, a fim de dimensionarem a documentação que é custodiada pelos arquivos.

De outra via, admite ela, nessas visitas corre-se um risco muito comum de monumentalizar o arquivo, porque cria-se uma imagem de que lá estão guardadas a memória e a história, o que gera uma espécie de educação das sensibilidades que situa o arquivo como o lugar da história, da memória – um santuário.

Ocorre que essas visitas escolares aos arquivos presenciais acabam não permitindo que as crianças tenham de fato acesso à experiência de pesquisa com as séries documentais. Seria preciso encontrar formas para ampliar as experiências de reflexão e produção de conhecimento histórico educacional nos arquivos. “O aluno como pesquisador seria capaz de criar seu conhecimento a partir das fontes, evitando gerar uma aura em torno dos arquivos”, acredita.

Como os arquivos vêm sendo atraídos por esse discurso de que são lugares da memória, essa é uma acepção que por um lado traz visibilidade e que traz inclusive mais financiamento. Logo, os arquivos entram no circuito das culturas da memória. Entretanto, eles tendem a sobrepor essa ideia à noção do documento custodiado. “O que temos nos arquivos é somente o registro de procedimentos do Estado na relação com os cidadãos. Os registros são muito importantes, contudo não são a memória social, posto que quem a constrói são os grupos sociais, de forma dinâmica, contraditória e sempre plural”, ressalva Adriana.

A despeito disso, mundialmente os arquivos nacionais cada vez mais têm estampado nas suas páginas iniciais que eles são os guardiões da memória. Isso é parte de sua propaganda e funciona como uma justificativa do valor dos arquivos, pondera.


Séries 

Adriana conta que um grupo de pesquisadores de ensino de História da Universidade de Bolonha, Itália, tem tido experiências com séries documentais inter-relacionadas, não com documentos avulsos, selecionadas a partir de um fundo de arquivo com inúmeros documentos.

Dentro dessas séries, os alunos podem fazer suas pesquisas com liberdade. Mas, no Brasil, elas ainda são desconhecidas. “Aquelas que conheço envolvem seleção de documentos avulsos que são agrupados para o trabalho de ensino”, relata.

Na tese, ela sinalizou a chance de trabalhar com esses documentos a contrapelo, pois a forma como eles são lidos é fundamental. Têm que dialogar com os sujeitos da pesquisa: sejam os alunos ou os professores, com suas próprias experiências, de forma a deslocar as apreensões existentes, as significações que eles já têm sobre o passado e o próprio presente.

Devem promover uma experiência significativa e mover esteticamente. Na perspectiva da educação, às vezes, experiências significativas deslocam as pessoas, as movem e mudam sua maneira de enxergar o mundo, relembra a doutoranda sobre o pensamento de Vigotski. 

Também é necessário trabalhar com seleções de documentos que estimulem alunos e professores a viver esta experiência de pesquisa que conecta sujeito e passado. Para a historiadora, toda cidade que tem um arquivo e um serviço educativo ligado a ele é privilegiada, porque são poucos os arquivos no país que têm essa condição e se colocam à disposição dos usuários. 

Desde o final do século XIX, o mundo tem recebido, fragmentariamente, informações midiáticas sedutoras, com as quais são propostas significações sobre o passado, primeiro nos almanaques, nas revistas e nos jornais, depois na rádio, no cinema, na TV e, agora, na internet. “Ganhamos mais acesso a imagens sobre o passado, e os documentos reproduzidos têm entrado nesse fluxo midiático, o que também educa nossas sensibilidades”, realça Adriana.

Sem perceber, as pessoas entram em contato com documentos de arquivo de um modo pouco reflexivo. O History Channel, um canal de televisão americano cuja programação é focada em conteúdos de teor histórico e científico, usa documentos de arquivo como autoridade. Como eles se apoiam nesses documentos, o resultado é que surgem conclusões sem fundamentação teórica mais sólida, mas que parecem ganhar um ar de verdade porque se apoiam supostamente em documentos públicos.

Esses documentos estão on-line e estão sendo veiculados pela mídia, causando preocupação para os arquivistas internacionalmente, sobre como lidar com esse fluxo de documentos, pois os arquivos sempre foram ciosos por garantir autenticidade aos seus próprios documentos. Do modo como estão sendo mostrados na mídia, perdem totalmente o contato com seu contexto de produção original.

“Temos pensado como é possível, a partir dos documentos midiáticos na contemporaneidade, trabalhar com a educação patrimonial em oposição a essas tendências”, sugere a doutoranda no estudo, realizado no período de 2008 a 2013, que teve como referenciais teóricos na educação Vigotski e Bakhtin, e nas pesquisas histórico-educacionais Edward Palmer Thompson, Peter Gay, Walter Benjamin e Carlo Ginzburg.

Atualmente, a autora do estudo faz parte de dois grupos de pesquisa – do Kairós: Educação das Sensibilidades, História e Memória do Centro de Memória Unicamp e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (Gepec) da FE.

 

Publicação
Tese: “Arquivos on-line: práticas de memória, de ensino de História e de educação das sensibilidades”
Autora: Adriana Carvalho Koyama
Orientadora: Maria Carolina Bovério Galzerani
Unidade: Faculdade de Educação (FE) 

 

 

 

Comentários

Comentário: 

Acelerar ao cidadão o acesso rápido à informação é um dos principais fatores que vem motivando os órgãos publicos a realizar a digitalização do seu acervo. Em nossa cidade, os arquivos publicos já estão disponiveis ao cidadão, segundo o pessoal da AUDIPAM, brevemente todo acervo de licitações, prontuários médicos e históricos escolares poderá ser consultado na Recepção da Prefeitura, junto ao balcão de acesso a informação.