Edição nº 565

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 17 de junho de 2013 a 23 de junho de 2013 – ANO 2013 – Nº 565

Da holografia às imagens 3D

Docente do IFGW divulga a física para estudantes por meio de imagens

O professor José Joaquín Lunazzi, do Laboratório de Óptica do Departamento de Física da Matéria Condensada, do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp, é um entusiasta das imagens tridimensionais. Desde a década de 60, quando ainda muito jovem, vem se dedicando a elas. Em 1969, na cidade de La Plata, província de Buenos Aires, distante 60 km da capital argentina, ele conseguiu reproduzir, pela primeira vez na América Latina, imagens em três dimensões utilizando holografia.

A holografia corresponde a um processo fotográfico que, por meio de raios laser, permite obter imagem passível de ser visualizada em três dimensões sem necessidade de acessórios. Era uma época em que as imagens holográficas despertavam particular interesse e muita curiosidade, embora poucos centros dispusessem de laser, indispensável para obtê-las. A imagem produzida pelo processo holográfico pode ser vista em dimensões 3D quando exposta em ambiente não muito iluminado.

Em 1974, o professor Lunazzi foi convidado para ministrar curso de um mês sobre holografia na Unicamp, que então recentemente criada e em fase de crescimento, e procurava incorporar conhecimentos novos. No ano seguinte, ao terminar o doutorado, recebe convite da Universidade para compor o quadro de docentes do Instituto de Física. A correspondência esclarecia que já tinha sido montado um laboratório que permitiria o desenvolvimento do seu trabalho.

O convite mencionava o salário, altamente estimulante para quem vivia em um país em forte crise econômica, e era acompanhado por um contrato já previamente assinado por Zeferino Vaz, reitor pró-tempore, na época. Ao chegar, o docente dedicou-se a estudos e publicações que envolviam a utilização de imagens tridimensionais na detecção de pequenas deformações em superfícies ou objetos, que constituía uma ferramenta de grande utilidade para a engenharia mecânica. Paralelamente, dedicava-se à produção de imagens 3D.


Resgate histórico

Em breve resgate histórico, Lunazzi lembra que as imagens mais antigas de que se têm notícia, elaboradas pelo homem, datam de 35 mil anos e foram descobertas por acaso em 1994, na França, naquela que passou então a ser denominada Caverna de Chauvet, recentemente mostrada no filme em 3D “A Caverna dos Sonhos Esquecidos”. Em alguns desenhos de animais nela representados, o próprio relevo das rochas é utilizado na composição das imagens com a clara intenção de sugerir a dimensão espacial. Constitui a mais antiga tentativa de representação da arte tridimensional que se conhece.

O professor lembra a passagem pelas esculturas gregas e renascentistas até que se chegasse ao advento da fotografia, descoberta na França na década de 1830. A partir da fotografia desencadeou-se muito rapidamente, quatro ou cinco anos depois, o desenvolvimento das imagens 3D, decorrente da constatação de que as imagens registradas por cada um dos olhos da mesma pessoa apresentam diferenças, efeito que artistas como pintores e escultores já conheciam.

Nessa época, a tridimensionalidade era obtida com a utilização de duas fotos, cada uma correspondendo à visão de um olho, que justapostas e olhadas através de aparelhos ou lentes, levavam ao efeito desejado. Existem hoje publicações em que essas fotos, que isoladamente registam as imagens captadas por cada olho, são juntadas lateralmente e quando vistas através de um sistema de lentes adequado permitem a sensação de profundidade.

No Brasil isso já era feito por volta de 1855 como mostram fotos de Dom Pedro II e dos interiores do Palácio Real. Já no começo do século XX a imagem 3D passou a ser mais sofisticada. Deu origem nos anos 50 a uma onda de filmes, muito ao gosto do público, que ressurgiu no século XXI apoiada em recursos do cinema digital.

A imagem holográfica, obtida através da utilização do laser, mas que não exigia óculos especiais para ser visualizada em 3D, chegou ao Brasil em 1974, conta Lunazzi, que a apresentou em curso na Unicamp. A partir daí ele desenvolveu novas modalidades da técnica e também recriou no formato digital as técnicas tradicionais de fotografias e filmes 3D.

Obteve, então, imagens a partir de uma variação muito grande de temas, como os rostos de pessoas famosas e conhecidas, os reproduzidos a partir de obras de arte como o da Pietà, de Michelângelo, todas expostas em sua sala de trabalho.


Guinada

Em 1984, retornando de uma exposição de holografia realizada em Frankfurt, enquanto mostrava para sua filha um catálogo que trouxera e que reproduzia hologramas obtidos com luz branca, a menina insistiu que fossem olhados com óculos adequados, o que para ele não fazia sentido. Mas o fez. Nesse processo deparou com uma foto que, se girada 90 graus e associada à imagem da posição inicial, permitia chegar à imagem 3D através da observação com óculos adequados.

A partir daí ele estabeleceu um novo princípio para a produção de imagens como as dos hologramas com a utilização da luz branca, empregando uma rede de difração, que decompõe essa luz nas várias colorações que a constituem. A difração ocorre quando a luz atinge superfícies formadas por micro sulcos, que a distribuem, levando ao holograma, ou seja, à reprodução dos raios. A tela difrativa utilizada nos processos utilizados por Lunazzi é constituída por esses sulcos. É o mesmo efeito que se observa na superfície de um CD ou DVD por incidência dos raios luminosos.

Desde essa descoberta, ele passou a trabalhar apenas com a obtenção de imagens em 3D, que efetivamente era do que mais gostava. Dedicou-se, em colaboração com artistas plásticos da Unicamp, a realizar trabalhos de arte utilizando a holografia. “É a arte, a imaginação e a criação humanas que impulsionam a ciência. É a arte e o sonho humanos que podem levar o cientista a fazer algo de novo”, diz o professor.

Ele criou diversas aplicações para suas telas e realizou trabalhos de arte em holografia expostos em galerias e museus. Depois avançou, desenvolvendo um protótipo básico do cinema holográfico. Chegou à imagem televisiva em três dimensões, que pode ser vista sem utilização de óculos e que permite ao espectador movimentação da cabeça, diferentemente dos sistemas existentes que exigem posição fixa de quem assiste para que a imagem não se quebre.

A evolução da tecnologia e o advento da imagem digital o levaram ao desenvolvimento de uma proposta que permite utilizá-la para chegar aos mesmos efeitos. Ele defende que, embora não seja mais realizada, a holografia mostrou onde se pode chegar com as imagens, apontando o caminho a ser seguido pelos sistemas digitais. O docente resume sua exposição: “Viemos da imagem 3D com a utilização de óculos, chegamos ao sistema 3D sem óculos, embora com limitações, mas precisamos evoluir para um holograma obtido através da imagem eletrônica. A holografia que surgiu na década de 60 como um achado muito interessante acabou por falta de mercado. Como acabou o cinema 3D que se manteve dos anos 50 e 70 e que renasce agora na era digital, mas que ainda está à procura do seu espaço”.


Ensino

Lunazzi considera-se praticante do que se denomina slow science, algo como “ciência lenta”, desenvolvendo um trabalho para pensar, que pode levar ao novo e que não tem necessariamente um objetivo final prefixado. Ele considera que a atividade científica acadêmica é muito direcionada devido à correria para publicar, para apresentar produção, o que em geral leva ao que já é estabelecido. Lembra que poderia ter se aposentado há onze anos, mas continuou na ativa, para trabalhar no que acha que deve fazer dentro do que mais gosta. “Publico pouco, o que me leva a ter problemas de reconhecimento e apoio, mas tenho consciência da importância do que estou fazendo quando ministro disciplinas para estudantes de física que se interessam pelo magistério e quando atendo grupo de alunos de escolas públicas que nos visitam, cujas perguntas e questionamentos me obrigam a repensar e, não raro, me impulsionam para novas procuras”, enfatiza ele.

Com efeito, o professor José Joaquín Lunazzi é responsável por disciplinas de livre escolha dos graduandos em física com vistas à complementação de créditos, que interessam particularmente aos que pretendem o magistério, como Instrumentação de Ensino e Tópicos de Ensino de Física, nas quais os alunos realizam e aplicam experimentos didáticos.

Durante as visitas previamente agendadas de alunos secundaristas interessados em conhecer seu laboratório, ele realiza exposições didáticas sobre processos de formação de imagens e apresenta holografias. Para ele, trata-se de oportunidade única de centenas de estudantes entrarem em contato com experimentos relacionados à óptica das imagens e inteirarem-se do seu desenvolvimento até os dias de hoje.


Para saber mais

As atividades desenvolvidas pelo docente podem ser acessadas no site https://www.ifi.unicamp.br/~lunazzi/ e os contatos realizados através do endereço lunazzi@ifi.unicamp.br.