Edição nº 556

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 08 de abril de 2013 a 14 de abril de 2013 – ANO 2013 – Nº 556

Bom, simples e acessível

Pesquisadora avalia e caracteriza 24 vinhos
produzidos no Estado de São Paulo



Os gregos antigos começaram o cultivo das videiras em suas colônias italianas, e o vinho já era então arrolado nos escritos do pensador Homero, que viveu no século VIII a.C. Veio a tecnologia, e a sua fabricação, que antes ocorria com a pisa da uva, ganhou novos ares à época do Império Romano, quando já se conheciam muitas variedades de uvas e técnicas de cultivo. A isso se somaram inovações na armazenagem e no transporte. Dando um salto, a bebida precisou passar por avaliações que atestassem a sua qualidade, que hoje fazem parte do seu processo. O resultado foi que o vinho se expandiu mundialmente.

No Brasil, o Rio Grande do Sul (RS) é sempre evocado quando o assunto é o “nobre líquido” e sua composição. Mas o Estado de São Paulo é o mais importante produtor de uvas de mesa. Acontece que a sua participação na produção de vinho ainda é irrelevante. Caracteriza-se mais como consumidor – estudo recente do Instituto de Economia Agrícola indicou que o conjunto de produtores da região de Jundiaí elaborou, em 2007/2008, 337.660 litros de vinho, sendo que 94,6% foi comercializado.

Uma tese de doutorado da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) acaba de revelar que o vinho paulista é bom, mas, apesar de atender aos padrões de identidade e qualidade da legislação, necessita de intervenções para a melhoria dessa qualidade. O estudo é da bacharel em Ciência dos Alimentos Merenice Roberto Sobrinho, orientado pela docente da FEA Helena Teixeira Godoy.

A autora confirmou isso após caracterizar físico-quimicamente 24 exemplares de vinhos produzidos a partir de uvas de variedades americanas, híbridas e de viníferas de 12 diferentes produtores de uvas e vinhos das regiões de Jundiaí, São Roque e São Miguel Arcanjo.

A grande maioria, sustenta ela, não é vinho fino, de cultivares viníferas (espécie de videira usada na Europa) como o Cabernet Sauvignon, e sim um vinho comum de mesa, uma bebida jovem, que é produzida, engarrafada e já é vendida.

A avaliação foi feita no recém-criado Laboratório de Ensaios em Bebidas do Serviço Nacional de Aprendizagem Nacional (Senai) de Campinas. Ali a autora desenvolveu ensaios de pH, acidez total, grau alcoólico, acidez volátil corrigida, anidrido sulfuroso total, metanol, acetaldeído e razão isotópica de carbono e oxigênio.

Uma das principais constatações foi que os vinhos da safra de 2011 se mostraram ácidos e pouco estáveis. “Essas características se deveram à intensa incidência pluviométrica, que afetou a maturação e a qualidade sanitária das uvas. A fruta não atingiu maturação tecnológica capaz de produzir vinhos com graduação alcoólica adequada”, relata Merenice.

Ela diz que, nesse caso, é até permitida a adição de açúcar exógeno para corrigir a graduação alcoólica, contudo a legislação limita tal correção em quantidade suficiente para produção de 3 graus GL de álcool. Só que a metodologia de razão isotópica de carbono aplicada detectou que 55% dos vinhos avaliados não atenderam ao limite da legislação.

Por outro lado, a razão isotópica de oxigênio felizmente demonstrou que os vinhos não estavam adulterados por adição de água exógena, condição que evidencia a concorrência leal entre os produtores desse mercado.

Sobre o metanol (um contaminante formado durante a fermentação alcoólica), Merenice lembra que ele deve ser monitorado ao longo do processo produtivo, a fim de atender ao limite legal de 350 mg/litro. No estudo, nenhum exemplar esteve acima desse limite.

Quanto ao acetaldeído – um dos causadores da ressaca –, não há propriamente um limite na legislação. Alguns dados da literatura recomendam teores abaixo de 60 mg/l para vinhos de qualidade. Apenas um exemplar estudado apresentou 70 mg/l.


Revitalização

Merenice verificou que SP, por produzir pouco vinho, comparado com o RS, nem faz parte das estatísticas de mercado. Em compensação, os vinhos do tipo artesanal ou regional têm feito sucesso entre consumidores.

A vitivinicultura paulista é caracterizada por pequenos produtores reunidos em associações, com a peculiaridade de participarem de todas as etapas do processo: manejo das videiras, produção do vinho e venda na própria propriedade, em geral inserida no circuito das frutas e rotas de enoturismo dessas regiões, que compreendem os municípios de Atibaia, Indaiatuba, Itatiba, Itupeva, Jarinu, Campo Limpo Paulista, Jundiaí, Louveira, Morungaba, Valinhos, Vinhedo, Jundiaí, São Roque, São Miguel Arcanjo, Salto de Pirapora, Pilar do Sul e Buri.

Nota-se que a vitivinicultura paulista está passando por uma revitalização cujos objetivos são melhorar a qualidade do produto, ações de marketing e incentivo ao empreendedorismo. Este processo, liderado pelo Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Agricultura de São Paulo, inclui políticas envolvendo órgãos públicos e privados como a Unicamp, Instituto Agronômico, Embrapa Meio Ambiente e Embrapa, Apta de Jundiaí, Sebrae, Fiesp e Senai.

São Roque tem aderido a esse empreendedorismo. Os produtores vêm investindo em suas propriedades instalando restaurantes, cafés, bares e atraindo cerca de 3 mil pessoas por final de semana, para desfrutar da paisagem rural e consumir os vinhos artesanais.

A ideia então é que SP cresça cada vez mais nessa produção, já que possui o posto de maior consumidor do país. Ocorre que ainda 75% dos vinhos consumidos no país são importados. Por isso, novas regiões de produção de uvas finas estão surgindo no Estado.

O Senai, no caso, vem se colocando no front da revitalização do vinho, sobretudo com esse laboratório de ponta instalado em Campinas, a pedido dos Sindicatos da Uva e do Vinho de Jundiaí e São Roque, de modo a atender esse mercado e auxiliar – num futuro próximo – as vinícolas quanto à indicação de procedência e denominação de origem.

Há pouco, Merenice foi aprovada no concurso do Senai para coordenar esse trabalho. Segundo ela, no Brasil, são dois os laboratórios que atuam com a metodologia de isótopos estáveis para atestar a denominação de origem e indicação de procedência. O Senai Campinas sedia então um deles, com infraestrutura capaz de abranger todo mercado de bebidas. Nesse sentido, é único no país.


Qualidade

O ESP consome, além dos vinhos de mesa de cultivares americanas ou híbridas, vinhos de uvas viníferas. Setenta e cinco por cento do vinho de viníferas comprado no país é importado do Chile, Argentina, França e Itália.

“Mas temos vinhos de uvas viníferas no RS com qualidade próxima à dos nossos vizinhos, em especial os brancos e espumantes, que inclusive têm se destacado em concursos internacionais. Se comparados esses vinhos com os do Chile e Argentina, eles não perdem em nada”, comenta a doutoranda.

Ocorre que, quando o brasileiro vai ao mercado escolher um rótulo de vinho, acaba optando por um importado. “O nosso vinho, em termos de preço, é mais caro devido às altas tributações”, sinaliza ela. “Precisamos continuar investindo no plantio de uvas viníferas em locais propícios, nos quais as uvas estejam perfeitamente adaptadas para fazer vinhos de qualidade e competir em pé de igualdade com os vizinhos. Vamos chegar lá”.

Merenice informou que o país consome apenas 1,8 litro de vinho per capita por ano, contra os 30 litros de vinho da Argentina e os 50 litros da Europa. “Carecemos de investimentos em marketing para alavancar o consumo”, sentencia. A primeira iniciativa nesse sentido foi tomada por escolas de samba do Carnaval de SP, cujo tema foi o vinho e, no ano que vem, também pelas escolas do Rio de Janeiro.

Vinhos brancos, tintos, de cultivares de uvas americanas e viníferas. A doutoranda não os distinguiu na pesquisa porque o mercado já é diminuto. Entretanto, ficou surpresa com a notícia de que agora começam a surgir vinhos em lugares mais favoráveis ao plantio de uva, como Itobi, Divinolândia, S. Bento do Sapucaí, na Serra da Mantiqueira, e E.S. do Pinhal, que investem em uvas de cultivares viníferas e que em breve devem demandar uma denominação de origem, indicação de procedência.

Por outro lado, há que se considerar que o estudo de Merenice foi efetuado na safra de uva de 2011, de alta incidência pluviométrica. Como o microclima teve uma umidade relativa elevada, aumentaram as doenças do cacho. Assim, a acidez do vinho refletiu a condição da uva, que não chegou à maturação e, portanto, à qualidade ideal. Na região de Jundiaí, choveu três vezes o esperado para o período. Por isso, em nova pesquisa, a autora sente a necessidade de avaliar mais de uma safra, cuja incidência pluviométrica não seja tão alta.

Uma bebida complexa

O francês Château d’Yquem, conhecido como The blue chips, um dos melhores vinhos do mundo, é um exemplo de Sauternes botrytizado, conhecido como “Luz Engarrafada”, tamanha a admiração dos que um dia tiveram a oportunidade de degustá-lo.

As uvas são atacadas pelo fungo Botrytis cinerea, que aumenta os níveis de acidez e açúcar, resultando em complexidade aromática inigualável. Diz-se que é uma bebida de ponta por ser produzida em pequena quantidade.

Quem opta pelo vinho seco, consegue sentir mais os aromas secundários e terciários da fermentação alcoólica, da malolática – que tem a função de amaciar os vinhos – e do envelhecimento em barricas.

Um vinho fino indicado ao envelhecimento deve ser encorpado e com boa embocadura. Para quem não aprecia o vinho seco, e sim um doce, o vinho de americanas é o vinho recomendado ou “os sauternes, que são finos e doces denominados vinhos de sobremesa”, conta a pesquisadora.

Já os vinhos de viníferas de colheita tardia passam por um processamento no qual a fermentação alcoólica é interrompida quando se atinge 8-9 graus alcoólicos. Ainda sobra açúcar para deixar esse vinho levemente adocicado.

Publicação
Tese: “Caracterização físico-química do vinho paulista”
Autora: Merenice Roberto Sobrinho
Orientadora: Helena Teixeira Godoy
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)