Edição nº 532

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 02 de julho de 2012 a 29 de julho de 2012 – ANO 2012 – Nº 532

Lygia Eluf

Da arte à teoria
(e vice-versa)

Artista e docente do IA, Lygia Eluf transita em
mundos vistos por muitos como inconciliáveis

 

Uma exposição focada não nos artistas, mas no colecionador que adquire as obras destes artistas, é uma iniciativa peculiar da professora Lygia Eluf em seu propósito maior de estabelecer, nas suas palavras, “uma ponte entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento sensível da arte”. “São modos diferentes de construir o conhecimento e aparentemente incompatíveis. Porém, se estabelecemos algumas pontes, podemos contribuir para que as pessoas compreendam melhor as relações entre esses dois universos. Entendo que este é o papel do artista que está dentro da universidade”, afirma a docente do Instituto de Artes (IA).

Lygia Eluf é uma artista que ingressou muito jovem como professora na Unicamp e, apesar da demora até conseguir voltar ao meio artístico, hoje transita livremente de um lado a outro. “A maioria dos artistas que estão do lado de fora vê a universidade com péssimos olhos. Mesmo sem querer, reproduzimos o modelo de academia do século 19, o que acaba condicionando e direcionando a produção dos alunos para um pensamento comum – isso não é bom para a arte e qualquer artista sabe disso. A culpa não é nossa, pois somos obrigados a nos adaptar ao sistema acadêmico, a manter uma produção, coerência e rigor a que os outros não estão submetidos.”

“Por que tenho de explicar o que faço? Eu faço por que gosto”, retrucam os de fora. “Esta etapa na academia é necessária para produzir e interagir com o resto do conhecimento que está sendo gerado aqui dentro”, pondera Lygia Eluf. “Mas se ficamos atolados no trabalho acadêmico, acabamos condicionados e não conseguimos enxergar além daquilo. Dominado esse modo de construir o conhecimento, o professor deve voltar para o seu lugar de artista. Quando compreendi isso, ficou mais fácil trazer o artista para a universidade, virei uma ponte.”
Foi assim que a professora do IA estabeleceu estreitas relações com artistas como Marcello Grassmann e outros que conseguiu atrair para a Unicamp, formando-os doutores. “Isso é bacana. Formamos bons artistas para atuar no ensino, num trabalho quase de doutrina, a fim de criar um espaço para a arte no universo da academia. A arte não perde muito se perder este espaço, mas a universidade perde muito se abrir mão do conhecimento do artista, eu acho.”

Segundo Lygia Eluf, há artistas contemporâneos que já veem a universidade como o espaço mais fértil para se trabalhar atualmente, até porque a arte contemporânea é mais conceitual e menos decorrente do uso da linguagem e dos procedimentos técnicos. “Entretanto, esse espaço é ainda restrito. Devemos abrir a possibilidade para que as pessoas entendam um artista que está fora da academia, entendam a arte também pela fruição. É um papel difícil, cansativo, tento trazer amigos para essa jornada e eles nem sempre estão dispostos. Há colegas com uma atuação eficiente na universidade, mas que não abrem mão do trabalho no ateliê: entram, dão um pouco e saem. Não acho ideal, é preciso ser generoso.”

Coleção

Uma iniciativa bem sucedida de Lygia Eluf para que se compreenda melhor o processo de criação do artista é a coleção Cadernos de Desenho, da Editora da Unicamp, que já está no sexto volume e tem potencial para se tornar infinita. Tarsila do Amaral, Eliseu Visconti, Marcello Grassman, Renina Katz, Anita Malfatti e Fayga Ostrower foram os artistas abordados até o momento, sendo que mais quatro volumes estão em preparação: Francisco Rebolo, Flávio de Carvalho, Iberê Camargo e Regina Silveira.

“Eu tinha a ideia fixa de trazer à tona acervos que ficariam guardados no fundo da gaveta do ateliê e que as pessoas jamais veriam. A maioria dos artistas trabalha com anotações, em cadernos ou não: por vezes são registros rápidos e sintéticos, por vezes complexos e refinados; são registros do modo de pensar, que permitem maior compreensão da obra final”, explica, agora no papel de pesquisadora. “Tanta preocupação em passar aos alunos o papel da investigação artística é uma obsessão que transferi para os Cadernos de Desenho.”

Lygia Eluf lembra que ao encontrar os cadernos de Tarsila e de Visconti, pensou que poderia direcionar ainda mais a sua pesquisa, como por exemplo, produzindo cadernos de viagens dos artistas. “Mas, quando procurei Marcello Grassmann, cadê os cadernos? Ele simplesmente desenha em um lado da folha, no verso, por cima de outro desenho. Fayga Ostrower nem tinha desenhos, jogava fora depois de produzir as gravuras; sorte que quando vendia as obras, reproduzia os desenhos num caderno, bem pequenos, anotando ao lado o nome dos compradores. A cada volume, portanto, a coleção foi assumindo vida própria.”

Com Renina Katz, que é professora da FAU, a conversa foi de afinidade. “Ela possui cadernos semelhantes aos meus, contendo desde anotações para as aulas até os desenhos preparatórios. Consegui um caderno inteiro. Anita Malfatti tinha o hábito de desenhar em cadernos, mas fiz apenas uma seleção dos desenhos, condição estabelecida pelo IEB [Instituto de Estudos Brasileiros], que guarda o acervo da artista. Quanto aos próximos volumes, cada qual terá a sua cara. De Iberê Camargo, vou focar a figura humana, de seus estudos acadêmicos na França aos desenhos que produziu antes de morrer. De Flavio de Carvalho, vou publicar o acervo do Cedae [do Instituto de Estudos da Linguagem].”

Em paz

A coleção Cadernos de Desenho acabou se transformando no projeto de pesquisa de Lygia Eluf, que pôde interligar todas as suas atividades: as aulas de desenho, a orientação na pós-graduação e seu trabalho como artista. “Quando ingressei na Unicamp, na minha cabeça eu era artista, não queria ser professora. Minha cruzada era combater o modelo da universidade, pregando que fazer arte também é construção de conhecimento, que em arte não existe iniciação científica e sim iniciação artística, que em arte não existe pesquisa e sim modo de fazer”, recorda a docente. “Organizei fóruns para discutir o papel do artista na universidade e levantei bravatas contra o nosso enquadramento em mestrados e doutorados. Hoje sou professora titular. Encontrei o caminho de ligação entre as duas atividades e estou totalmente em paz com a academia.”

 

 

Oficinas, blog e mesa-redonda

integram exposição

 

Para compensar o fato de ser um mês de férias, Lygia Eluf e sua brigada de alunos voluntários prepararam uma programação bastante abrangente para a exposição O Colecionador, que será aberta no dia 3 de julho, na Galeria de Arte da Unicamp. A sessão de abertura terá as presenças do colecionador Pedro Hiller e de artistas participantes da mostra, estando prevista uma mesa-redonda para o dia 5, constituída por historiadores da arte e outros colecionadores, como Rogério Cerqueira Leite, Luiz Marques e Luciano Migliaccio.

Paralelamente à mostra serão oferecidas oficinas de Daniel Swartz (dias 9 a 12) e Natália Gregorini (dia 31), bem como uma demonstração de impressão por Nori Figueiredo, com matriz de Marcello Grassmann (dia 30). “Deixei os alunos à vontade e eles estão apresentando ideias nas quais jamais pensaria, como de um blog, um vídeo a ser projetado na exposição e shows de improviso com alunos de música do IA. Pedro Hiller vai emprestar portas e janelas chinesas para caracterizar o ambiente de colecionador”, explica Lygia Eluf. 

Pedro Hiller, por sua vez, escolheu obras de cinco artistas, principalmente gravuristas. Além de Marcello Grassmann, cujo trabalho é destacado nesta edição, o colecionador faz comentários breves sobre os demais. “Temos George Glutich, que produz paisagens e edifícios belíssimos. Ele mora em São José dos Campos e é também professor, mas no meu entendimento é um dos nossos grandes gravuristas. Ana Elisa Baptista, desenhista e gravurista, que gosta muito de insetos e bichos, faz de um gambá morto uma obra maravilhosa.”
Nas paredes de seu apartamento, o colecionador tem desenhos de Vera Goulart, que também começou a fazer gravuras a pedido dele. “Ela tem uma mão firme, que surpreende a todos ela definição e ousadia: um iniciante em gravuras faria algo tímido, com traços finos, mas ela risca fundo uma placa de cobre. Ali no alto do corredor estão desenhos grandes de Paulo Sayeg, um artista muito interessante e que gosta de figuras em movimento, como do Renascimento.”

Hiller tem cedido suas obras com frequência para exposições por achar que elas precisam ser apreciadas. “Não é minha ideia guardá-las na gaveta. Normalmente, não penduro muita coisa em casa, acho que cansa, gosto de trocar. E as exposições são um excelente veículo para que eu também possa apreciá-las: você vai, vê várias vezes, fecha e depois faz outra exposição.”