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Micro-organismos do Bem
CPQBA conta com coleção cuja aplicabilidade abrange várias áreas de pesquisa



LUIZ SUGIMOTO

Lara Durães Sette, curadora da CBMAI: “Preservamos material biológico com grande potencial para inúmeras aplicações biotecnológicas” (Foto: Antoninho Perri)A menção de fungos e bactérias nos remete imediatamente a contaminação e doenças. Entretanto, são vários os exemplos da utilização benéfica dos micro-organismos pelo homem, como na fabricação de alimentos e bebidas (queijos, iogurte, cerveja, vinho), entre outros produtos obtidos pela ação desses agentes. “Na verdade, se fizermos um balanço, veremos que existem muito mais micro-organismos benéficos do que maléficos”, afirma Lara Durães Sette, pesquisadora do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp.

Lara Sette, doutora em ciência de alimentos, é curadora da Coleção Brasileira de Micro-organismos de Ambiente e Indústria (CBMAI), criada em 2002 como parte da Divisão de Recursos Microbianos (DRM) do CPQBA, com apoio da Fapesp, Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e Finep. O acervo totaliza 1.020 micro-organismos, entre bactérias, fungos filamentosos e leveduras, originários principalmente de diferentes biomas brasileiros.

“Costumo dizer que nossos free­zers estão repletos de ouro, pois pre­servamos material biológico com grande potencial para inúmeras aplicações biotecnológicas. A indústria farmacêutica, por exemplo, realiza investimentos substanciais em busca de micro-organismos capazes de produzir compostos bioativos com atividades antimicrobianas ou antitumorais”, explica a curadora da CBMAI.

Outro exemplo de aplicação positiva lembrado pela pesquisadora se relaciona com o meio ambiente. “Um processo já bastante disseminado é a biorremediação, com a utilização de micro-organismos para limpeza de áreas contaminadas, graças à capacidade que eles possuem de degradar moléculas complexas como dos poluentes ambientais. Esse tipo de pesquisa vem sendo desenvolvida no mundo todo e, devido à sua relevante importância ambiental, deve continuar sendo estimulada”.

Micro-organismos utilizados em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e no setor industrial precisam ser devidamente preservados e estar prontamente disponíveis em coleções de culturas. Estas coleções atuam como infra-estrutura fundamental de apoio às ciências da vida e à biotecnologia por meio da conservação e distribuição de recursos genéticos microbianos.

Neste contexto, Lara Sette ressalta que a CBMAI, desde o início, foi pensada e estruturada como uma coleção de serviço, visando atender à demanda do setor industrial e da academia no que diz respeito à distribuição, preservação, caracterização e identificação de micro-organismos. “O acervo está focado em micro-organismos de importância biotecnológica ou que sejam representativos da biodiversidade brasileira. Como não temos infra-estrutura para salvaguardar um alto número de depósitos, trabalhamos apenas com micro-organismos não patogênicos, pertencentes aos grupos de risco 1 e 2”.

A curadora observa que outras coleções no país preservam micro-organismos patogênicos e estão geralmente alocadas em hospitais ou instituições de pesquisa na área da saúde, caso da Fiocruz. “São coleções de extrema importância para estudos clínicos. Antigamente, um paciente com infecção microbiana corria o risco de morrer devido à demora em descobrir o agente causador da doença. Hoje, o desenvolvimento de kits para identificação rápida desses agentes pode garantir de vida do doente”.

Serviços
Lara Sette considera que um dos principais serviços prestados pela CBMAI é justamente a identificação de micro-organismos, notadamente em processos industriais. “A rapidez na identificação do agente contaminante pode proporcionar a rápida rastreabilidade da contaminação e reduzir os prejuízos da empresa. Temos hoje uma carta de clientes bastante ampla, que inclui multinacionais da região de Campinas e de todo o país”.
Outro serviço relevante é de preservação de micro-organismos utilizados como referência em ensaios normatizados ou em projetos científicos desenvolvidos na Unicamp e em outras universidades e instituições de pesquisa brasileiras. A curadora atenta que a preservação de células vivas exige procedimentos criteriosos e baseados em protocolos internacionalmente reconhecidos. “Nosso acervo está preservado principalmente por dois métodos de longo termo: o ultracongelamento a menos 80°C e liofilização; e pelo método de Castellani (preservação em água a 4°C)”.

Valéria Maia de Oliveira,  coordenadora  da DRM: “Biomarcadores podem servir  como indicadores da qualidade do óleo” (Foto: Antoninho Perri)Contudo, a responsabilidade da manutenção de uma coleção de culturas microbianas vai além da escolha do método de preservação adequado, conforme a pesquisadora. “A garantia da manutenção da viabilidade celular requer infra-estrutura apropriada. Possuímos na CBMAI um sistema gerador que é prontamente acionado na falta de energia, garantindo assim a preservação de todo o acervo mantido em ultrafreezer”.

Pesquisas
O CPQBA é uma unidade da Unicamp que não mantém carreira docente, estando direcionada à prestação de serviços e desenvolvimento de pesquisa científica e tecnológica. Na DRM, que abriga a CBMAI, três pesquisadores conduzem estudos nas áreas de microbiologia aplicada, taxonomia, sistemática e ecologia microbiana.

Lara Sette informa que ela própria desenvolve pesquisa em biodiversidade e bioprospecção de fungos filamentosos. “Atualmente, busco enzimas de interesse ambiental e industrial produzidas por fungos derivados de ambiente marinho (associados a algas e invertebrados). Ao mesmo tempo, estudo a biodiversidade dos fungos filamentosos associados aos macro-organismos desse ambiente. A micologia marinha é uma ciência recente, o que torna esse tipo de estudo pioneiro no país”.

Os estudos desenvolvidos no âmbito da DRM alimentam a CBMAI, e vice-versa. Além disso, pesquisadores de outras instituições recorrem à coleção para o depósito de micro-organismos derivados de seus projetos de pesquisa. É o caso de cientistas vinculados ao Programa Antártico Brasileiro (Proantar), do MCT, que escolheram a CBMAI como depositária dos microrganismos derivados da Antártica.

A curadora adianta que a CBMAI já está recebendo os primeiros micro-organismos derivados de ecossistemas antárticos, que comporão uma coleção temática. “Ela será lançada oficialmente no início de novembro deste ano, em um workshop específico que tem como tema os trabalhos realizados em ambientes antárticos. Esses micro-organismos são fontes potenciais de aplicação biotecnológica, principalmente em processos que requerem baixas temperaturas”.

Para Lara Sette, as coleções temáticas podem atrair o interesse da academia e do setor industrial, de forma que outras duas serão brevemente estruturadas no âmbito da CBMAI: a coleção de micro-organismos marinhos e a coleção de micro-organismos do petróleo.

Petróleo
Valéria Maia de Oliveira é coordenadora da DRM, doutora em genética de micro-organismos e biologia molecular, e trabalha no isolamento e identificação de micro-organismos que atuam na degradação do petróleo, basicamente de bactérias. A pesquisadora explica que se trata de estudo multidisciplinar iniciado em 2002, com apoio da Petrobras e envolvendo os grupos dos professores Francisco Reis e Anita Marsaioli, ambos do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. “Trabalhamos com amostras de óleos vindas dos reservatórios”.

As bactérias isoladas a partir desses ambientes inóspitos vêm sendo identificadas e depositadas no acervo da CBMAI, e utilizadas em pesquisas visando à triagem de compostos com atividade biológica, mais especificamente enzimas de importância industrial. Valéria de Oliveira recorre à abordagem molecular para extrair o DNA diretamente do consórcio que está degradando o óleo, ou do próprio petróleo, com a posterior clonagem e identificação dos componentes desta microbiota.

Tais fragmentos de DNA podem também conter genes que codificam compostos com atividade biológica de extremo interesse biotecnológico, e que futuramente podem ser manipulados para atender uma demanda específica de um processo industrial, por exemplo. “Outro aspecto interessante é que determinados micro-organismos ou compostos químicos, os biomarcadores, podem servir como indicadores da qualidade do óleo. Portanto, além da questão ambiental, a pesquisa possui um enfoque econômico de longo prazo, com potencial de aplicação na área de exploração do petróleo”.

 

A rede global e o novo prédio

Considerando a enorme evolução da biotecnologia e da bioeconomia na década de 1990, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) instituiu, em 1999, grupos de trabalhos para o estabelecimento de uma Rede Global de Centros de Recursos Biológicos (CRBs). A denominação CRB vai representar um novo status para as coleções de serviço que operam dentro de um sistema de qualidade e de acordo com a legislação nacional e internacional. “Apenas as coleções de excelência poderão participar da rede global de CRBs”, afirma Lara Sette, curadora da CBMAI.

Nesse sentido, a pesquisadora ressalta que o nosso governo atentou para a importância de se estabelecer no país uma estrutura adequada para atender à demanda por material biológico com qualidade assegurada e está garantindo recursos e trabalhando para definir os critérios visando a criação de uma rede brasileira de CRBs. “Esses centros deverão ser credenciados primeiramente em nível nacional, pleiteando posteriormente o certificado internacional. Se o Brasil não se adequar, ficará fora desse cenário”.

Embora o Brasil não seja signatário da OCDE, o país está participando juntamente com 14 outros países do estudo piloto denominado Demonstration Project for a Global Biological Resource Centre Network, cujo propósito é chegar a boas práticas de operação dos CRBs.

De acordo com a curadora, a CBMAI, por apresentar hoje um alto padrão nos serviços oferecidos, foi a coleção escolhida para representar o país no estudo da OCDE. “Temos um sistema de qualidade implementado, atuando em conformidade com os requisitos da norma ISO 17025. Entretanto, a estrutura física e de recursos humanos ainda representa um gargalo para nos tornarmos um centro de recursos biológicos”.

Enquanto isso, Lara Sette e seus colegas pesquisadores da Divisão de Recursos Microbianos aguardam ansiosos pela conclusão de um novo prédio com 380 metros quadrados, que está sendo construído com recursos de projetos de pesquisa angariados por eles próprios.

 

 
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